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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A novena de Natal

“Completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho” (Lc 2,6-7).

Dentre as práticas de piedade popular do Tempo do Advento, uma das mais difundidas entre os fiéis é a novena de Natal. Através desta novena, os cristãos prepararam-se durante nove dias para celebrar dignamente o nascimento do Senhor.

Confira nossa postagem sobre a história do Tempo do Advento clicando aqui.

Ícone do Natal do Senhor na Basílica da Natividade em Belém
(Para conhecer o simbolismo desse ícone, clique aqui)

1. História da novena de Natal

O simbolismo da novena

A prática devocional da novena, como indica seu próprio nome, está diretamente ligada ao simbolismo do número “nove”. Na tradição cristã esse número é associado à Santíssima Trindade (3x3), aos coros dos anjos, à morte de Cristo na “hora nona” (cf. Mt 27,45-50 e paralelos), à ascensão da alma para o céu (como na Divina Comédia de Dante Alighieri) [1].

Na Sagrada Escritura, encontramos a “primeira novena” entre a Ascensão do Senhor aos céus e o Pentecostes: a Igreja, nascida do lado aberto de Cristo na cruz (Catecismo da Igreja Católica, n. 766), isto é, os Apóstolos “junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus” (cf. At 1,14), permaneceram em oração no Cenáculo durante nove dias até a vinda do Espírito Santo [2].

A Novena de Natal, porém, encontra suas raízes em um significado mais “natural” do número nove: a gestação humana. A Virgem Maria, com efeito, celebrou de certa forma a “primeira novena de Natal” durante os noves meses da gravidez, entre a Anunciação (Lc 1,26-38) o nascimento do Senhor em Belém (Lc 2,1-20)

Maria viveu essa “novena de Natal” ao mesmo tempo na contemplação, “meditando no coração” (cf. Lc 2,19.51) e na missão, levando o anúncio da salvação gestada em seu ventre, como “arca da nova aliança”, a Isabel e João Batista (Lc 1,39-56). Essas duas atitudes, como veremos, devem nortear também a nossa novena de Natal.


A origem da novena de Natal

A celebração do Natal do Senhor no dia 25 de dezembro foi instituída no Ocidente no início do século IV, enquanto a festa da Anunciação nove meses antes, no dia 25 de março, foi introduzida apenas no final do século VII.

Apesar do profundo simbolismo dos nove meses e da associação das duas festas com o ciclo das estações, o dia 25 de março geralmente cai no período da Quaresma, razão pela qual a festa da Anunciação nessa data não foi aceita em algumas igrejas.

Assim, em Milão (Rito Ambrosiano) a Anunciação é até hoje celebrada no domingo antes ao Natal, o último do Advento, enquanto na Espanha (Rito Hispano-Mozárabe) a Anunciação é celebrada uma semana antes do Natal, no dia 18 de dezembro.

Uma vez que nessa época a festa da Anunciação era acentuadamente mariana, a celebração do dia 18 de dezembro ficou conhecida como Exspectatio Partus Beatae Mariae Virginis: Expectação (ou Expectativa) do Parto da Bem-aventurada Virgem Maria.

Foi através dessa devoção a Nossa Senhora da Expectação, também conhecida como Nossa Senhora do Ó (em referência às “Antífonas do Ó” entoadas antes do Natal), isto é, à Virgem Maria grávida, que se difundiu a tradição da novena de Natal.

Com o tempo, porém, a devoção a Nossa Senhora da Expectação foi cedendo espaço à devoção a Nossa Senhora da Conceição, sobretudo após a proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 1854. Celebrada a 08 de dezembro, essa devoção mariana também recorre à representação de Maria grávida, geralmente, porém, com os atributos de Ap 12,1-2.

Imagem de Nossa Senhora da Expectação ou Nossa Senhora do Ó
(Catedral de Évora, Portugal)

Da Espanha, a novena de Natal logo se difundiu aos países vizinhos: Portugal e França. A Enciclopédia Católica (Catholic Encyclopedia), com efeito, atesta que as Antífonas do Ó, que na tradição romana sempre foram sete (de 17 a 23 de dezembro), em algumas dioceses francesas eram nove, sendo solenemente entoadas já a partir do dia 15, acompanhando o canto do Magnificat (Lc 1,46-55) nas Vésperas (oração da tarde), enquanto se incensava o altar, o sacerdote e o povo.

Na Itália a novena de Natal chegou mais tarde, a partir dos séculos XVI e XVII. Em 1718, por sua vez, a Sagrada Congregação dos Ritos permitiu a exposição do Santíssimo Sacramento durante a novena.

2. Como celebrar a novena de Natal

A estrutura da novena de Natal

O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia indica que a novena de Natal “surgiu para comunicar aos fiéis as riquezas de uma Liturgia à qual eles não tinham fácil acesso” (n. 103).

Porém, considerando que “em nosso tempo ficou mais fácil a participação do povo nas celebrações litúrgicas” (ibid.), o Diretório sugere que a novena de Natal seja inspirada pelas Vésperas, isto é, a oração da tarde da Liturgia das Horas.

A Liturgia das Horas, como o nome indica, é a oração oficial da Igreja para santificar as horas do dia, à luz da tradição judaica e da prática dos primeiros cristãos [3]. Seus dois polos são a oração da manhã, Laudes, e a oração das tarde, Vésperas.


A estrutura das Vésperas, que deve inspirar a novena de Natal, é a seguinte:

- Versículo introdutório: “Vinde, ó Deus, em meu auxílio. R: Socorrei-me sem demora” (Sl 69,2), seguido do “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...”;

- Hino ou outro canto próprio do Tempo do Advento;

- Salmodia: dois salmos (ou dois trechos de um salmo mais longo) e um cântico do Novo Testamento (na novena de Natal seria possível, extraordinariamente, entoar um cântico do Antigo Testamento, próprio das Laudes);

- Leitura breve, seguida de um breve momento de silêncio e de um responsório;

- Cântico evangélico: cântico de Maria ou Magnificat (Lc 1,46-55), antes e depois do qual se repete uma antífona (do dia 17 ao dia 23 de dezembro entoam-se aqui as “Antífonas maiores do Advento” ou “Antífonas do Ó”);

Maria grávida que "tece" o Cristo em seu ventre
(Mestre de Erfurt, cerca de 1400)

- Preces, que se concluem sempre com a oração do Senhor, o Pai-nosso;

- Oração final e bênção (O Senhor nos abençoe, nos livre de todo o mal e nos conduza à vida eterna).

No Brasil surgiu em 1988 uma versão “simplificada” da Liturgia das Horas, o Ofício Divino das Comunidades. Esse prevê especificamente um “Ofício da novena de Natal” com dois formulários, um para o ofício da manhã e outro para o ofício da tarde, de 15 a 23 de dezembro (ou de 16 a 24) [4].

Segue a estrutura do Ofício da Novena de Natal:

- Chegada: Acolhida, tempo de silêncio para a oração pessoal e/ou refrão orante;

- Abertura: são cantados ou recitados alguns versos (“Estes lábios meus...” ou “Vem, ó Deus da vida...”);

- Recordação da vida: os fiéis apresentam suas intenções de oração, seus louvores e súplicas, suas alegrias e tristezas...;

- Hino ou outro canto próprio do Tempo do Advento;

- Salmo: diferentemente da Liturgia das Horas, o Ofício das Comunidades propõe apenas um salmo para cada momento de oração;

- Leitura bíblica: indica-se aqui basicamente a leitura do dia para o ofício da manhã e o Evangelho do dia para o ofício da tarde [5];

- Meditação: Partilha (reflexão), momento de silêncio, refrão orante...;

- Cântico evangélico: cântico de Zacarias ou Benedictus (Lc 1,68-79) pela manhã e cântico de Maria ou Magnificat (Lc 1,46-55) à tarde, acompanhados das “Antífonas do Ó” [6];


- Preces: que se concluem com a oração do Pai-nosso (e, se for oportuno, com uma dezena do terço ou rosário);

- Oração final e bênção.

Com efeito, o próprio Diretório sobre Piedade Popular prevê que, à estrutura tradicional das Vésperas, a novena de Natal pode acrescentar “alguns elementos caros à piedade popular” e mesmo “alguns elementos já previstos na Liturgia: homilia, uso do incenso, adaptação das intercessões“ (n. 103).

No início da celebração, por exemplo, se poderia valorizar a iluminação progressiva de nove velas ou lamparinas, isto é, o rito do lucernário, considerando que o tema da luz é fundamental no Ciclo do Natal, desde a Missa da Noite (cf. Is 9,1) até a Epifania (Is 60,1-3) e mesmo na Festa da Apresentação do Senhor, 40 dias após o Natal (Lc 2,32). Assim, a cada dia da novena se acenderia uma vela em um candelabro ou uma lamparina, enquanto se entoa um refrão.

As nove velas da novena de Natal acesas junto ao presépio
(Seminário São José, Arquidiocese de Curitiba, PR - 2009)

A oferta do incenso, por sua vez, pode acompanhar cada uma das preces, sobretudo na oração da tarde (cf. Sl 140,2). Valorizem-se também os cantos típicos dos tempos do Advento e do Natal, como o célebre Adeste fideles (Cristãos, vinde todos).

Em alguns lugares, por sua vez, a novena de Natal segue mais a estrutura de uma Celebração da Palavra de Deus:
- Ritos iniciais: canto de abertura, sinal da cruz e saudação, ato penitencial...
- Liturgia da Palavra: composta por uma ou mais leituras, salmo, “homilia”, silêncio...;
- Oração dos fiéis: Preces, concluindo com o Pai nosso;
- Ritos finais: invocação à Virgem Maria, bênção, canto final.

Os “temas” da novena de Natal

Dentre os “temas” da novena do Natal, isto é, os conteúdos das leituras e das orações, é preciso recordar que “o Advento é tempo de expectativa, de conversão, de esperança: expectativa-memória da primeira e humilde vinda do Senhor em nossa carne mortal; expectativa-súplica da última e gloriosa vinda de Cristo, Senhor da história e Juiz universal” (Diretório sobre Piedade Popular, n. 96).

Busque-se assim a harmonia entre a memória da primeira vinda de Cristo no Natal, pela qual o reino de Deus já está presente no meio de nós (cf. Lc 17,21) e a esperança da sua última vinda, quando o reinado de Deus se manifestará de maneira plena, como pedimos na oração que o Senhor nos ensinou: “Adveniat regnum tuum”, “Venha o teu reino” (Mt 6,10; cf. Ap 22,17.20).

Ícone da Virgem com o Menino junto aos profetas do Antigo Testamento

“No povo cristão está solidamente enraizada a consciência da longa espera que precedeu o nascimento do Salvador. Os fiéis sabem que Deus mantinha, por meio de profecias, a esperança de Israel na vinda do Messias” (Diretório sobre Piedade Popular, n. 97).

Assim, a novena de Natal costuma dedicar espaço à expectativa do povo da primeira aliança, percorrendo as principais etapas do Antigo Testamento, desde a criação até a vinda de Jesus. Ver, nesse sentido, o célebre texto da Kalenda ou proclamação do Natal, que lê os acontecimentos da primeira aliança à luz da Encarnação, e as Antífonas do Ó, que invocam Cristo com os vários títulos messiânicos.

Confira também nossa série de postagens sobre o culto aos santos do Antigo Testamento clicando aqui.

Em relação ao tema da criação, vale recordar que a novena de Natal coincide com as “Têmporas de inverno” no hemisfério norte e com as “Têmporas de verão” no hemisfério sul, geralmente celebradas na quarta-feira, na sexta-feira e no sábado da III semana do Advento, antecedendo o solstício que tem lugar entre os dias 20 e 21 de dezembro (cf. ibid., n. 100).

As Quatro Têmporas são as celebrações da passagem das quatro estações, nas quais a Igreja dá graças pelo dom da criação e suplica a bênção de Deus sobre o trabalho humano.

Por fim, vale lembrar que o Advento é um tempo fortemente mariano, como destacou o Papa São Paulo VI (†1978) em sua Exortação Apostólica Marialis cultus (nn. 3-4). Assim, a novena de Natal dedique também amplo espaço à Mãe de Deus (cf. Diretório sobre Piedade Popular, n. 100), meditando, por exemplo, em seu célebre cântico, o Magnificat (Lc 1,46-55).


Com efeito, a Virgem Maria aparece em destaque nos “Evangelhos da infância”, proclamados de 17 a 24 de dezembro, junto com outras duas “figuras modelo” do Advento: João Batista e São José.

Nossa Senhora da Expectação com as sete Antífonas do Ó

A imagem do Menino Jesus

Em muitos lugares do Brasil a novena de Natal é rezada nas casas das famílias: a cada dia, com efeito, o grupo de famílias se reúne em uma casa, favorecendo assim a oração em comum e harmonizando missão e contemplação (cf. Mt 18,20; At 2,42.46).

Embora o Diretório sobre Piedade Popular recomende entronizar a imagem do Menino Jesus no presépio apenas na noite de Natal (n. 111), nessa forma da novena rezada em nove casas distintas, costuma se fazer presente já a imagem do Menino. Assim, a família que acolhe o 1º dia da novena em sua casa fica com a imagem até o dia seguinte, quando é convidada a levá-la até a casa seguinte e assim por diante.

Nesse caso as “mensageiras das capelinhas”, corajosas mulheres (e também homens) que geralmente organizam as novenas, podem levar a imagem do Menino Jesus para receber a bênção do sacerdote no final da Missa paroquial, preferencialmente no III Domingo do Advento (de modo que a novena nas casas tenha lugar efetivamente entre o dia 15 e o dia 23).

Em Roma, essa bênção da imagem do Menino Jesus no III Domingo do Advento, conhecido como “Domingo da Alegria” ou “Domingo Gaudete” (“Alegrai-vos”; cf. Fl 4,4-5), foi introduzida por Paulo VI em 1969. Nesse caso, as crianças romanas levam os “Bambinelli” para serem abençoados pelo Papa no Ângelus desse domingo e ficam responsáveis por eles até a noite do Natal, quando os introduzem no presépio.

Uma criança sustenta a imagem do Menino Jesus para a bênção

Essa bênção das imagens do Menino Jesus pode ser feita com a seguinte oração, recitada pelo Papa Bento XVI no III Domingo do Advento de 2008:

Deus, nosso Pai, Tu que tanto amaste os homens que nos enviaste o teu único Filho Jesus nascido da Virgem Maria, para nos salvar e reconduzir a ti: pedimos-te, que com a tua bênção estas imagens de Jesus, que está para vir até nós, sejam, nas nossas casas, sinal da tua presença e do teu amor.
Pai bom, concede a tua bênção também a nós, aos nossos pais, às nossas famílias e aos nossos amigos.
Abre o nosso coração, para que saibamos receber Jesus na alegria, fazer sempre o que ele pede e vê-lo em todos os que precisam do nosso amor.
Isto te pedimos em nome de Jesus, teu amado Filho, que vem para dar ao mundo a paz. Ele vem e reina nos séculos dos séculos. Amém [7].

Junto a essa imagem “peregrina” do Menino Jesus poderia ser destacada também imagem da Virgem Maria grávida, recordando a viagem que ela realizou de Nazaré a Belém nos dias que antecederam o Natal, acompanhada de seu fiel esposo São José (cf. Lc 2,1-7).

“Hoje sabereis que o Senhor vem e nos salva; amanhã vereis a sua glória” (cf. Ex 16,6-7)
(Antífona de entrada da Missa da Vigília do Natal, celebrada na tarde do dia 24)

Imagem de Maria grávida junto com São José

Confira também:

Notas:

[1] cf. HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 345-346.

[2] Atualmente, no hemisfério sul, a “novena de Pentecostes” coincide com a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (celebrada no hemisfério norte de 18 a 25 de janeiro).

[3] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. I: Tempo do Advento e Tempo do Natal.
Para saber mais cf. ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2010.

[4] cf. OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 495-503.

[5] 15 de dezembro: Is 54,1-10; Lc 7,19-23;
16 de dezembro: Is 56,1-8; Lc 7,24-30;
17 de dezembro: Gn 49,8-10; Mt 1,1-17;
18 de dezembro: Jr 23,5-8; Mt 1,18-24;
19 de dezembro: Jz 13,2-7.24-25a; Lc 1,5-25;
20 de dezembro: Is 7,10-14; Lc 1,26-38;
21 de dezembro: Ct 2,8-14; Lc 1,39-45;
22 de dezembro: 1Sm 1,24-28; Lc 1,46-56;
23 de dezembro: Ml 3,1-4.24; Lc 1,57-66;
24 de dezembro (pela manhã): 2Sm 7,1-5.8.12-16; Lc 1,67-79.

[6] Além das sete antífonas tradicionais para os dias 17 a 23 de dezembro, o Ofício da Novena de Natal propõe outras duas para os dias 15 e 16: “Ó Mistério” e “Ó Libertação”, inspiradas particularmente em Is 61,1-2 (cf. Lc 4,16-21) e Ef 3,3-6.


[7] BENTO XVI (Papa). Ângelus, III Domingo do Advento. 14 de dezembro de 2008. Disponível no site da Santa Sé.

Referências:

CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 97-102.

HILGERS, Joseph. Novena. in: The Catholic Encyclopedia, vol. 11, 1911. Disponível em: New Advent.

Postagem publicada originalmente em 17 de dezembro de 2012. Revista e ampliada em 12 de novembro de 2021.

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