quinta-feira, 6 de junho de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 47

Nesta postagem trazemos a segunda meditação do Papa São João Paulo II sobre as últimas palavras de Jesus na Cruz dentro das suas Catequeses sobre Jesus Cristo.

Para acessar a postagem introdutória a esta série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

72. “Eis tua Mãe...”
João Paulo II - 23 de novembro de 1988

1. A mensagem da Cruz compreende algumas palavras plenas de amor que Jesus dirige à sua Mãe e ao discípulo amado, João, presentes no seu suplício no Calvário.

São João, no seu Evangelho, recorda que “junto à cruz de Jesus estava de pé sua Mãe” (Jo 19,25). Era a presença de uma mulher - como tudo indica, já viúva há anos - que estava prestes a perder também seu filho. Todas as fibras do seu ser estavam abaladas pelo que havia visto nos dias que culminaram na Paixão, pelo que sentia e pressentia, agora, junto ao patíbulo. Como impedi-la de sofrer e chorar? A tradição cristã percebeu a dramática experiência dessa Mulher plena de dignidade e decoro, mas com o coração transpassado, e se deteve a contemplá-la, participando intimamente em sua dor: “Stabat Mater dolorosa iuxta Crucem lacrimosa, dum pendebat Filius” - “De pé a Mãe dolorosa, junto da cruz, lacrimosa, via Jesus que pendia” [1].

Crucificação (Evgraf Sorokin)

Não se trata só de uma questão “da carne e do sangue”, nem de um afeto sem dúvida nobilíssimo, mas simplesmente humano. A presença de Maria junto à cruz mostra seu compromisso de participação total no sacrifício redentor do seu Filho. Maria quis participar plenamente nos sofrimentos de Jesus, pois não rejeitou a espada anunciada por Simeão (cf. Lc 2,35), mas aceitou, com Cristo, o desígnio misterioso do Pai. Ela foi a primeira participante desse sacrifício, e permaneceria para sempre como modelo perfeito para todos que aceitassem associar-se sem reservas à oferenda redentora.

2. Por outro lado, a compaixão materna manifestada nessa presença contribuía a tornar mais denso e profundo o drama daquela morte na cruz, tão próximo ao drama de tantas famílias, de tantas mães e filhos, reunidos pela morte após longos períodos de separação por razões de trabalho, de enfermidade, de violência causada por indivíduos ou grupos.

Jesus, que vê sua Mãe junto à cruz, a recorda na sequência de memórias de Nazaré, de Caná, de Jerusalém; talvez revive os momentos da morte de José, e depois do seu distanciamento dela, e da solidão na qual viveu nos últimos anos, solidão que agora está prestes a acentuar-se. Maria, por sua vez, considera todas as coisas que ao longo dos anos “conservou no seu coração” (cf. Lc 2,19.51), e que agora compreende melhor que nunca em ordem à cruz. A dor e a fé se fundem em sua alma. E eis que, de repente, percebe que do alto da cruz Jesus lhe contempla e lhe fala.

3. “Jesus, ao ver sua Mãe e, ao lado dela, o discípulo a quem amava, disse à Mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’” (Jo 19,26). É um ato de ternura e de piedade filial. Jesus não quer que sua Mãe fique sozinha. Em seu lugar lhe confia como filho o discípulo que Maria conhece como o amado. Jesus confia assim a Maria uma nova maternidade e lhe pede que trate João como seu filho. Mas a solenidade do ato de entrega (“Mulher, eis o teu filho”), sua colocação no próprio âmago do drama da cruz, a sobriedade e a essencialidade de palavras, que se diriam próprias de uma fórmula quase sacramental, fazem pensar que, para além das relações familiares, o fato deve ser considerado na perspectiva da obra da salvação, na qual a mulher-Maria estava comprometida com o Filho do homem na missão redentora. Como conclusão dessa obra, Jesus pede a Maria que aceite definitivamente a oferta que Ele faz de si mesmo como vítima de expiação, considerando já João como seu filho. É ao preço do seu sacrifício materno que ela recebe essa nova maternidade.

4. Mas esse gesto filial, pleno de valor messiânico, vai muito além da pessoa do discípulo amado, designado como filho de Maria. Jesus quer dar a Maria uma descendência bem mais numerosa, quer instituir para Maria uma maternidade que abarque todos os seus seguidores e discípulos de então e de todos os tempos. O gesto de Jesus tem, pois, um valor simbólico. Não é só um gesto de caráter familiar, como um filho que se preocupa com o destino da sua mãe, mas é o gesto do Redentor do mundo que designa Maria, como “mulher”, uma nova maternidade em relação a todos os homens, chamados a reunir-se na Igreja. Naquele momento, pois, Maria é constituída, e quase se poderia dizer “consagrada”, como Mãe da Igreja desde o alto da cruz.

5. Nesse dom feito a João e, nele, aos seguidores de Cristo e a todos os homens, há como que uma completude do dom que Jesus faz de si mesmo à humanidade com a sua morte na cruz. Maria constitui com Ele como que um “todo”, não só porque são Mãe e Filho “segundo a carne”, mas porque no desígnio eterno de Deus estão contemplados, predestinados, colocados juntos no centro da história da salvação, de modo que Jesus sente que deve envolver sua Mãe não só em sua oblação ao Pai, mas também na sua autodoação aos homens; e Maria, por sua vez, está em perfeita sintonia com o Filho neste ato de oblação e de doação, como que em um prolongamento do “fiat” (“faça-se”) da anunciação (cf. Lc 1,38).

Por outro lado, Jesus, em sua Paixão, viu-se despojado de tudo. No Calvário lhe resta sua Mãe; e, com um gesto de supremo desapego, entrega também ela ao mundo inteiro, antes de concluir sua missão com o sacrifício da vida. Jesus é consciente de que chegara o momento da consumação, como diz o evangelista: “Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado...” (Jo 19,28). Ele quer que entre as cosas “consumadas” esteja também esse dom da Mãe à Igreja e ao mundo.

6. Trata-se certamente de uma maternidade espiritual, que age, segundo a Tradição cristã e a doutrina da Igreja, na ordem da graça. “Mãe na ordem da graça”, chama-a o Concílio Vaticano II (Constituição Lumen Gentium, n. 61). É, portanto, uma maternidade essencialmente “sobrenatural”, que se insere no âmbito onde atua a graça, geradora de vida divina no homem. É, portanto, objeto de fé, como o é a mesma graça com a qual está vinculada, mas não exclui, antes comporta, todo um florescer de pensamentos, de afetos ternos e suaves, de sentimentos vivíssimos de esperança, confiança, amor, que fazem parte do dom de Cristo.

Jesus, que experimentou e apreciou o amor materno de Maria em sua própria vida, quis que também seus discípulos pudessem desfrutar desse amor materno como componente da relação com Ele ao longo do desenvolvimento da sua vida espiritual. Trata-se de sentir Maria como Mãe e de tratá-la como Mãe, permitindo que ela nos forme na verdadeira docilidade a Deus, na verdadeira união com Cristo, na verdadeira caridade com o próximo.

7. Podemos dizer que esse aspecto da relação com Maria também está incluído na mensagem da Cruz. O evangelista diz, com efeito, que Jesus “disse ao discípulo: ‘Eis tua Mãe!’” (Jo 19,27). Dirigindo-se ao discípulo, Jesus lhe pede expressamente que se comporte com Maria como um filho com sua mãe. Ao amor materno de Maria deverá corresponder um amor filial. Uma vez que o discípulo substitui Jesus junto a Maria, é convidado a amá-la verdadeiramente como sua própria mãe.

É como se Jesus lhe dissesse: “Ama-a como Eu a amei”. E como, no discípulo, Jesus vê todos os homens, aos quais deixa esse testamento de amor, o pedido de amar Maria como Mãe vale para todos. Concretamente, Jesus funda com essas suas palavras o culto mariano da Igreja, à qual faz compreender, através de João, sua vontade de que Maria receba um sincero amor filial por parte de todo discípulo, do qual ela é Mãe por instituição do próprio Jesus. A importância do culto mariano, sempre querido pela Igreja, pode ser deduzido das palavras pronunciadas por Jesus na hora da sua morte.

8. O evangelista conclui dizendo que “a partir daquela hora, o discípulo a acolheu em sua casa” (Jo 19,27). Isto significa que o discípulo respondeu imediatamente à vontade de Jesus: a partir daquele momento, acolhendo Maria em sua casa, mostrou-lhe seu afeto filial, cercou-a de todo cuidado, fez com que ela pudesse desfrutar de recolhimento e de paz, à espera de reunir-se com seu Filho, e desempenhar seu papel na Igreja nascente, tanto no Pentecostes como nos anos seguintes.

Aquele gesto de João era a execução do testamento de Jesus em relação a Maria: mas tinha um valor simbólico para todo discípulo de Cristo, que agora era convidado a acolher Maria junto a si, a dar-lhe um lugar em sua própria vida. Porque, em virtude das palavras de Jesus ao morrer, toda vida cristã deve oferecer um “espaço” a Maria, não pode prescindir da sua presença.

Assim, podemos concluir esta reflexão e Catequese sobre a mensagem da Cruz com o convite que dirijo a cada um, de perguntar-se como acolhe Maria em sua casa, em sua vida; e com uma exortação a valorizar sempre mais o dom que o Cristo crucificado nos fez, deixando-nos como Mãe a sua própria Mãe.

Calvário (Raúl Berzosa Fernández)

Nota:
[1] 1ª estrofe da sequência Stabat Mater dolorosa (Estava a Mãe dolorosa), entoada na Memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro) e em outras celebrações em honra da Paixão.

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (23 de novembro de 1988).

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