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sexta-feira, 20 de maio de 2022

A novena de Pentecostes

“Todos eles perseveravam unânimes na oração” (At 1,14).

Dentre as práticas de piedade popular, uma das mais difundidas entre os fiéis é a novena, um período de nove dias de preparação para uma festa ou solenidade.

As novenas mais importantes, que a Igreja recomenda e às quais concede indulgências, são a novena da Imaculada Conceição de Maria, a novena de Natal e a novena de Pentecostes [1]. Sobre essa última refletiremos nesta postagem.

O simbolismo da novena

A prática devocional da novena, como seu nome indica, está ligada ao simbolismo do número “nove”. Na tradição cristã esse número é associado:
- à Santíssima Trindade (3x3);
- à morte de Cristo na “hora nona” (cf. Mt 27,45-50 e paralelos);
- à ascensão da alma ao céu, como na Divina Comédia de Dante Alighieri (†1321), que descreve o paraíso em nove círculos ou esferas;
- e, sobretudo no caso da novena de Natal, aos nove meses da gestação humana [2].

Efusão do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos em oração
(Francesco Morone - Basilica di Sant'Anastasia, Verona)

A piedade popular foi buscar o fundamento bíblico para essa devoção no Novo Testamento: de acordo com a obra lucana, em sua Ascensão, no 40º dia após a Páscoa, Jesus exorta aos Apóstolos: “Permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24,49).

Para acessar nossa postagem sobre a história da Solenidade da Ascensão, clique aqui.

Assim, eles “perseveraram na oração em comum” (cf. At 1,14) pelos seguintes nove dias, reunidos no Cenáculo, até receberem a efusão do Espírito Santo no 10º dia após a Ascensão, o 50º após a Páscoa (cf. At 2,1-4).

Para acessar nossa postagem sobre a história da Solenidade de Pentecostes, clique aqui.

O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, promulgado no final do ano de 2001 pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, indica que a prática da novena tem suas origens na Idade Média:

“Ao longo de toda a Idade Média nascem progressivamente e se desenvolvem muitas expressões de piedade popular, e diversas delas chegaram até nossa época: (...) são estabelecidos núcleos de ‘tempos sagrados’ com fundo popular, que se colocam à margem do ritmo do Ano Litúrgico: tríduos, setenários, oitavários, novenas...” (n. 32).

Apesar de suas raízes bíblicas, a novena de Pentecostes só popularizou-se em tempos mais recentes. Segundo Rupert Berger, em seu Dicionário de Liturgia Pastoral, a origem dessa prática devocional remonta ao século XVII [3].

Santo Afonso Maria de Ligório (†1787), em sua obra “Via della salute” (Caminho da salvação), uma coletânea de meditações e orações, é um dos primeiros autores a destacar a “novena ao Espírito Santo”, indicando que, dentre todas as novenas, essa é a principal, porque “foi celebrada pelos Apóstolos e por Maria no Cenáculo”.

No final do século XIX, o Papa Leão XIII (†1903) recomendou em dois documentos a oração da novena ao Espírito Santo antes da Solenidade de Pentecostes: no Breve Provida matris, de 05 de maio de 1895, e na Encíclica Divinum illud munus, de 09 de maio de 1897.

Papa Leão XIII, promotor da novena de Pentecostes

São João XXIII (†1963), por sua vez, na Exortação Apostólica Novem per dies, de 20 de maio de 1963, promulgada poucos dias antes de sua morte, exortava à oração da novena de Pentecostes daquele ano na intenção do Concílio Vaticano II (1962-1965).

O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, por fim, destaca a importância da novena de Pentecostes como “reflexão orante sobre esse evento salvífico” (n. 155).

Como celebrar a novena de Pentecostes

A estrutura da novena

A novena de Pentecostes celebra-se da sexta-feira da VI semana da Páscoa até o sábado da VII semana ou, sobretudo nas regiões onde a Ascensão é transferida para o domingo (como no Brasil), da quinta-feira da VI semana à sexta-feira da VII semana (deixando o sábado “livre” para a celebração solene da Vigília de Pentecostes). Tratam-se, portanto, de datas móveis, uma vez que derivam da Páscoa, calculada a partir do ciclo lunar.

As Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário (NALC) indicam em seu n. 26 que “os dias de semana depois da Ascensão, até o sábado antes de Pentecostes inclusive constituem uma preparação para a vinda do Espírito Santo Paráclito” [4].

Na mesma linha, o Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia destaca que essa novena já está presente no Missal e na Liturgia das Horas: “os textos bíblicos e eucológicos relembram, de diversos modos, a espera do Paráclito. Portanto, quando for possível, a novena de Pentecostes seja a própria celebração solenizada das Vésperas” (n. 155).

Ou seja, não há um modelo fixo para a novena de Pentecostes; contudo, recomenda-se que ela seja inspirada na celebração das Vésperas, a oração da tarde da Liturgia das Horas.

Vésperas de Pentecostes no Cenáculo em Jerusalém (2021)

A Liturgia das Horas, com efeito, é a oração oficial da Igreja para santificar as horas do dia: seus dois polos são, pois, a oração da manhã, Laudes, e a oração da tarde, Vésperas.

A estrutura das Vésperas é a seguinte:

- Versículo introdutório: “Vinde, ó Deus, em meu auxílio. R: Socorrei-me sem demora” (Sl 69,2), seguido do “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...”;

- Hino, que nesses dias é o Veni, Creator Spíritus (Ó vinde Espírito Criador), o qual pode ser substituído por outro canto aprovado em honra ao Espírito Santo ou de caráter pascal (vale lembrar que Pentecostes não é uma festa isolada do Espírito Santo, mas sim a conclusão da cinquentena pascal, o tempo santo da Ressurreição do Senhor);

- Salmodia: dois salmos (ou dois trechos de um salmo mais longo) e um cântico do Novo Testamento;

- Leitura breve, seguida de um momento de silêncio e de um responsório;

- Cântico evangélico: cântico de Maria ou Magnificat (Lc 1,46-55);

- Preces, que se concluem sempre com a oração do Senhor (Pai-nosso);

- Oração final e bênção (O Senhor nos abençoe, nos livre de todo o mal e nos conduza à vida eterna).

Parafraseando o que o próprio Diretório sobre Piedade Popular indica para a novena de Natal, na novena de Pentecostes podem ser valorizados também “alguns elementos caros à piedade popular” e mesmo “alguns elementos já previstos [na Liturgia]: homilia, uso do incenso, adaptação das intercessões” (n. 103).

Candelabro com nove velas, que poderiam ser acesas ao longo da novena

No início da celebração, por exemplo, considerando que a luz é um dos símbolos do Espírito Santo, poderia ser destacado o rito do lucernário, a iluminação de velas ou lamparinas acompanhada por um refrão orante.

Aqui poderiam ser acesas progressivamente nove velas ou lamparinas, em alusão aos dias da novena (no 1º dia se acende uma vela, no 2º dia duas velas e assim por diante) ou então podem acender-se todos os dias sete velas ou lamparinas, em alusão aos sete dons do Espírito Santo.

Cabe recordar que, na Missa, só se dispõem sete velas sobre o altar ou junto dele quando quem preside é o Bispo Diocesano. Nas demais celebrações o altar é ornado com duas, quatro ou seis velas (Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, n. 117).

Assim, o uso do candelabro com sete velas, que na tradução judaica é chamado menorah, encontra seu lugar sempre fora do presbitério, preferencialmente nas manifestações de piedade popular, como é o caso da novena de Pentecostes.

A oferta do incenso, por sua vez, pode acompanhar cada uma das preces (cf. Sl 140,2).

Além da estrutura das Vésperas, outra opção é preparar a novena de Pentecostes seguindo o esquema de uma Celebração da Palavra de Deus: ritos iniciais (canto de abertura, sinal da cruz e saudação, ato penitencial, oração), Liturgia da Palavra (leituras, homilia, silêncio, preces, Pai-nosso) e ritos finais (invocação à Virgem Maria, bênção, canto final).

Se a novena é presidida por um sacerdote ou diácono, este pode endossar a estola sobre a túnica ou sobre a veste talar (batina) com sobrepeliz. Nesse caso, a estola pode ser  branca (cor do Tempo Pascal) ou vermelha (cor da Solenidade de Pentecostes).

Quando se celebram as Vésperas, sobre a túnica e a estola o sacerdote pode endossar o pluvial e o diácono a dalmática (cf. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, n. 255).

Os Apóstolos no Cenáculo (Giotto - Capela Scrovegni, Pádua)

Os “temas” da novena de Pentecostes

Reiteramos que não há um modelo único de novena de Pentecostes. Assim, abre-se espaço para uma sadia criatividade na escolha e elaboração de textos, sempre iluminados pela Palavra de Deus.

Com efeito, o Diretório sobre Piedade Popular indica que, mesmo quando não se segue a estrutura das Vésperas, que vimos acima, “faça-se de tal modo que a novena de Pentecostes reflita os temas litúrgicos dos dias que vão da Ascensão à Vigília de Pentecostes” (n. 155).

Nas leituras da Missa desses dias conclui-se a leitura semicontínua dos Atos dos Apóstolos. Assim, a novena de Pentecostes poderia ser estruturada como uma recapitulação dos principais textos desse livro, unida a outros textos do Novo Testamento que tratam do Espírito Santo.

No Evangelho da Missa desses dias, por sua vez, lê-se sobretudo o capítulo 17 do Evangelho de João, com a chamada “oração sacerdotal” de Jesus. A leitura desse Evangelho está em perfeita sintonia com a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que em alguns lugares, incluindo o Brasil, é celebrada justamente nos dias que antecedem o Pentecostes.

Para saber mais sobre a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, clique aqui.

No Ofício das Leituras da Liturgia das Horas, por sua vez, conclui-se nesses dias a leitura semicontínua da Primeira Carta de João. Assim, outra opção seria propor durante a novena de Pentecostes uma leitura desse importantíssimo escrito, no qual o Apóstolo atesta: “Deus é amor!” (1Jo 4,8.16).

Para saber mais, confira nossas postagens sobre a leitura da Primeira Carta de João.

Ainda em relação ao Ofício das Leituras, vale a pena dar a conhecer aos fiéis as riquezas da 2ª leitura, tomada dos escritos dos Padres da Igreja. Cabe valorizar aas orações da Missa, particularmente a oração do dia, e os demais elementos da Liturgia das Horas: salmos, leituras breves, preces, orações...

Vitral representando os sete dons do Espírito Santo

Outras preciosas fontes de meditação para a novena de Pentecostes podem ser o Catecismo da Igreja Católica (particularmente os nn. 683-747) ou mesmo os textos de alguns hinos, como o Veni, Creator Spíritus (Ó vinde Espírito Criador) e a sequência de Pentecostes Veni, Sancte Spiritus (Espírito de Deus, enviai dos céus...).

Em muitos lugares é comum meditar durante essa novena sobre os “dons do Espírito Santo”: ciência, inteligência (ou entendimento), conselho, fortaleza, piedade, temor de Deus e sabedoria (cf. Is 11,1-2), ou ainda sobre os “frutos do Espírito Santo” (cf. Gl 5,22-23).

Em alguns lugares, com efeito, ao invés de uma “novena” se celebra um “setenário”, isto é, uma preparação de sete dias, em alusão ao tradicional número de dons do Espírito Santo.

Por fim, na novena de Pentecostes cabe também um espaço à Mãe de Deus, que nos dias entre a Ascensão e a vinda do Espírito perseverava na oração (At 1,14). Por essa razão, é invocada nesses dias como Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja.

Confira os respectivos formulários na Coletânea de Missas de Nossa Senhora:

Confira também:

Catequeses do Papa Francisco sobre os dons do Espírito Santo:



Maria, Rainha dos Apóstolos
(Basílica da Dormição em Jerusalém)

Notas:

[1] cf. INDULGÊNCIAS: Orientações Litúrgico-pastorais. São Paulo: Paulus, 2005, p. 62.

[2] cf. HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 345-346.

[3] cf. BERGER, Rupert. Pentecostes, Novena de. in: Dicionário de Liturgia Pastoral: Obra de consulta sobre todas as questões referentes à Liturgia. São Paulo: Loyola, 2010, p. 310.

[4] MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 104.

Referências:

CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003.

HILGERS, Joseph. Novena. in: The Catholic Encyclopedia, vol. 11, 1911. Disponível em: New Advent.

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