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quinta-feira, 25 de maio de 2023

Leitura litúrgica do Livro do Gênesis 12–50 (2)

“Estou contigo e te guardarei onde quer que vás” (Gn 28,15).

Na postagem anterior desta série sobre a Sagrada Escritura na Liturgia iniciamos um estudo sobre os capítulos 12–50 do Livro do Gênesis (Gn) nas celebrações do Rito Romano.

Após uma breve introdução a estes capítulos, que compõem a “História dos Patriarcas”, começamos a analisar sua leitura na Celebração Eucarística sob o critério da composição harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou a festa litúrgica, como indica o Elenco das Leituras da Missa (ELM) em seu n. 66 [1].

Nesta postagem continuaremos a proposta com as Missas para diversas necessidades e votivas, os demais sacramentos, os sacramentais e a Liturgia das Horas.

Os três visitantes recebidos por Abraão (Gn 18)
Para saber mais, confira nossa postagem sobre o ícone da Trindade

2. Leitura litúrgica de Gênesis 12–50: Composição harmônica

a) Celebração Eucarística

Nas Missas para diversas necessidades há apenas uma leitura de Gn 12–50 ad libitum (à escolha): o relato da vocação de Abraão, proposto para as Missas pelas vocações sacerdotais e vocações religiosas: Gn 12,1-4a [2].

Quanto às Missas votivas, primeiramente, na Missa votiva da Santíssima Eucaristia pode ser lido à escolha Gn 14,18-20 [3], texto sobre a oferenda de pão e vinho por Melquisedec, mesma perícope sugerida para o Culto Eucarístico fora da Missa [4].

Nos formulários em honra da Virgem Maria propostos na Coletânea de Missas de Nossa Senhora identificamos outros três textos:

- Missa de Maria, Filha eleita de Israel (Tempo do Advento): a 1ª opção de leitura é Gn 12,1-7 [5], com a promessa da descendência a Abraão. Jesus “entra” nessa descendência através de Maria, como recorda sua genealogia, lida no Evangelho da Missa (Mt 1,1-17).

- Leituras à escolha para as Missas de Nossa Senhora, com duas opções de textos:
- Gn 22,1-2.9-13.15-18, o “sacrifício” de Isaac. Como Abraão, Maria também de certa forma “sacrifica seu filho único”, participando do mistério da Paixão;
Gn 28,10-17, o sonho de Jacó, no qual este contempla a escada para o céu [6].

Maria, com efeito, é invocada no célebre hino Akathistos, da tradição bizantina: “Ave, ó escada sublime por quem Deus nos veio! Ave, ó ponte que os homens ao céu encaminha!” [7]. Para saber mais, confira nossa postagem sobre o ícone do Akathistos.

b) Sacramentos e sacramentais

Além da Eucaristia, encontramos textos ad libitum de Gn 12–50 em outros três sacramentos e ritos a eles ligados: o Batismo, a Reconciliação e o Matrimônio.

Para a Admissão dos catecúmenos, um dos ritos da Iniciação Cristã de adultos, que dá início ao tempo do catecumenato, a leitura própria é Gn 12,1-4a [8], o relato da vocação de Abraão.

Na celebração do sacramento do Batismo são indicados três textos à escolha, sendo um para o Batismo de adultos e crianças e dois apenas para o Batismo de adultos:

- Batismo de crianças e adultos: Gn 17,1-8 [9], a “aliança eterna” de Deus com Abraão e seus descendentes, mudando o nome do patriarca de Abrão para Abraão. No Batismo, com efeito, o Senhor também nos chama pelo nome e nos torna seus filhos;

O sonho de Jacó e a edificação do altar em Betel
(Duomo di Monreale, Itália)

Batismo de adultosGn 15,1-6.18a, outro relato das promessas a Abraão; e Gn 35,1-4.6-7a, no qual Jacó constrói um altar para o Senhor em Betel, rejeitando o culto a outros deuses. Destaca-se o convite: “Purificai-vos, mudai vossas roupas!” (v. 2) [10].

Quanto à celebração do sacramento da Reconciliação, a perícope sugerida é Gn 18,17-33 [11], a intercessão de Abraão pela cidade de Sodoma, “negociando” com o Senhor para salvá-la em atenção aos justos que nela habitavam.

Além de uma exortação à perseverança na oração, o texto propõe-nos a atitude de Abraão como modelo: “Eu o escolhi, para que ensine seus filhos e sua família a guardarem os caminhos do Senhor, praticando a justiça e o direito” (v. 19).

Na celebração do sacramento do Matrimônio, por fim, propõe-se o texto de Gn 24,48-51.58-67 [12], o relato do casamento de Isaac com Rebeca, a qual parte de sua casa ao encontro do marido, sendo abençoada por sua família.

Quanto aos sacramentais, começamos nosso percurso pela Instituição de Acólitos. Aqui, dentre as leituras à escolha, consta Gn 14,18-20 [13], a oferta de pão e vinho feita pelo rei-sacerdote Melquisedec. Uma das funções do acólito é justamente levar ao altar o pão e o vinho para a Eucaristia.

Na sequência temos duas celebrações que compartilham as mesmas opções de leituras: a Consagração das virgens e a Profissão religiosa. A leitura sugerida do nosso escrito é Gn 12,1-4a [14], o relato da vocação de Abraão, como vimos anteriormente.

Para a Dedicação de altar, por sua vez, o texto indicado é Gn 28,11-18 [15], o sonho de Jacó com a escada para o céu. No local, o patriarca constrói um altar: tomou uma pedra “e colocou-a de pé para servir de coluna sagrada, derramando óleo sobre ela” (v. 18). Destaca-se também a exclamação de Jacó: “Isto aqui só pode ser a casa de Deus e a porta do céu” (v. 17), inscrita em muitas igrejas (Hic est domus Dei et porta coeli).

Jacó sonha com a escada para o céu (Rafael Sanzio)

Por último, no que diz respeito aos sacramentais, são propostas três leituras de Gn 12–50 à escolha em dois formulários de Bênçãos:

Bênção no início de uma viagem, com duas opções de textos:
Gn 12,1-9, a vocação de Abraão: “Sai da tua terra (...) e vai para a terra que eu te vou mostrar”;
Gn 28,10-16, as andanças de Jacó, com a promessa de Deus: “Estou contigo e te guardarei onde quer que vás” [16].

Cumpre destacar que uma das opções de oração para esta bênção também faz referência a Abraão: “Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, que guardastes são e salvo a Abraão através de todas as suas peregrinações...” [17].

- Bênção de uma nova casa: aqui podemos ler Gn 18,1-10a [18], o episódio da hospitalidade de Abraão, que acolhe em sua tenda três personagens (interpretados como anjos ou como uma prefiguração da Trindade).

c) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas há duas leituras breves da “História dos Patriarcas”:

- Laudes das terças-feiras do Advento até a III semana e do dia 20 de dezembro: Gn 49,10 [19], um trecho da bênção de Jacó ao seu filho Judá, de cuja descendência viria o rei Davi e, consequentemente, Jesus: “O cetro não será tirado de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha Aquele a quem pertencem, e a quem obedecerão os povos”.

- Laudes da Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael (29 de setembro): Gn 28,12-13a [20], o sonho de Jacó com a escada para o céu, com “os anjos de Deus subindo e descendo por ela”.

3. Leitura litúrgica de Gênesis 12–50: Leitura semicontínua

Concluído o nosso percurso pelas leituras em composição harmônica dos capítulos 12 a 50 do Livro do Gênesis, passamos ao critério da leitura semicontínua: a proclamação dos principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus (cf. ELM, n. 66) [21].

José é vendido por seus irmãos (Johann Friedrich Overbeck)

a) Celebração Eucarística

Como vimos na postagem sobre os capítulos 1 a 11, a leitura semicontínua dos livros do Antigo Testamento na Celebração Eucarística tem lugar nos dias de semana do Tempo Comum, quando se leem várias semanas cada livro, conforme sua extensão, intercalando-os com os livros do Novo Testamento (cf. ELM, n. 109) [22].

Os principais textos da “História dos Patriarcas” são lidos na Missa por três semanas: da XII à XIV semanas do Tempo Comum no ano ímpar, após a Segunda Carta aos Coríntios e iniciando um grande bloco de leitura do Pentateuco e dos livros históricos [23]:

XII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Segunda-feira: Gn 12,1-9;
Terça-feira: Gn 13,2.5-18;
Quarta-feira: Gn 15,1-12.17-18;
Quinta-feira: Gn 16,1-12.15-16 (forma breve: Gn 16,6b-12.15-16);
Sexta-feira: Gn 17,1.9-10.15-22;
Sábado: Gn 18,1-15 [24].

XIII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Segunda-feira: Gn 18,16-33;
Terça-feira: Gn 19,15-29;
Quarta-feira: Gn 21,5.8-20;
Quinta-feira: Gn 22,1-19;
Sexta-feira: Gn 23,1-4.19; 24,1-8.62-67;
Sábado: Gn 27,1-5.15-29 [25].

XIV semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Segunda-feira: Gn 28,10-22a;
Terça-feira: Gn 32,23-33;
Quarta-feira: Gn 41,55-57; 42,5-7a.17-24a;
Quinta-feira: Gn 44,18-21.23b-29; 45,1-5;
Sexta-feira: Gn 46,1-7.28-30;
Sábado: Gn 49,29-32; 50,15-26a [26].

b) Liturgia das Horas

Assim como Gn 1–11, também os capítulos 12–50 não são lidos no ciclo anual da Liturgia das Horas. Porém, no ciclo bienal de leituras longas para o Ofício das Leituras (que não foi traduzido para o Brasil), o Gênesis é lido de maneira semicontínua da I à V semana do Tempo Comum nos anos pares.

José reencontra-se com seus irmãos (Peter von Cornelius)

Após a leitura da “História das Origens”, a “História dos Patriarcas” é lida por cerca de quatro semanas, da terça-feira da II semana ao sábado da V semana do Tempo Comum, nos anos pares:

Ofício das Leituras da II semana do Tempo Comum (Ciclo bienal - ano par)
Terça-feira: Gn 12,1-9; 13,2-18: Vocação e bênção de Abraão;
Quarta-feira: Gn 14,1-24: Melquisedec abençoa Abraão, que retorna vitorioso;
Quinta-feira: Gn 15,1-21: Aliança de Deus com Abraão;
Sexta-feira: Gn 16,1-16: Nascimento de Ismael;
Sábado: Gn 17,1-27: A circuncisão, sinal do pacto entre Deus e Abraão.

Ofício das Leituras da III semana do Tempo Comum (Ciclo bienal - ano par)
Domingo: Gn 18,1-33: Promessa do nascimento de Isaac. Intercessão de Abraão em favor de Sodoma;
Segunda-feira: Gn 19,1-17.23-29: A destruição de Sodoma;
Terça-feira: Gn 21,1-21: Nascimento de Isaac;
Quarta-feira: Gn 22,1-19: Isaac é oferecido em sacrifício;
Quinta-feira: Gn 24,1-27: Abraão envia [seu servo] a buscar uma esposa para Isaac;
Sexta-feira: Gn 24,33-41.49-67: Isaac toma Rebeca por esposa;
Sábado: Gn 25,7-11.19-34: Morte de Abraão. Nascimento de Esaú e Jacó.

Ofício das Leituras da IV semana do Tempo Comum (Ciclo bienal - ano par)
Domingo: Gn 27,1-29: Isaac abençoa Jacó;
Segunda-feira: Gn 27,30-45: Jacó suplanta a Esaú;
Terça-feira: Gn 28,10–29,14: A escada de Jacó;
Quarta-feira: Gn 31,1-18: Jacó foge de seu sogro Labão;
Quinta-feira: Gn 32,4-31: A luta de Jacó;
Sexta-feira: Gn 35,1-29: Últimos anos de Jacó;
Sábado: Gn 37,2-4.12-36: José é vendido por seus irmãos.

Ofício das Leituras da V semana do Tempo Comum (Ciclo bienal - ano par)
Domingo: Gn 39,1-23: José no Egito;
Segunda-feira: Gn 41,1-17a.25-45: Os sonhos do Faraó;
Terça-feira: Gn 41,56–42,26: Os irmãos de José descem ao Egito;
Quarta-feira: Gn 43,1-11a.13-17.26-34: Os irmãos de José descem de novo ao Egito;
Quinta-feira: Gn 44,1-20.30-34: José e Benjamin;
Sexta-feira: Gn 45,1-15.21–46,7: Reconciliação de José com seus irmãos;
Sábado: Gn 49,1-28.33: Jacó abençoa seus filhos [27]

Em relação à 2ª leitura do Oficio (dos textos dos Padres da Igreja) nesse ciclo bienal, a partir do II Domingo do Tempo Comum dos anos pares começa a leitura semicontínua da Carta de São Clemente de Roma aos Coríntios, que se estende até a segunda-feira da V semana. Esta é uma escolha bastante acertada, uma vez que Clemente recorre diversas vezes ao “exemplo dos antigos”, isto é, dos justos do Antigo Testamento, dentre os quais Abraão.

Da terça-feira ao sábado da V semana, por sua vez, leem-se alguns textos patrísticos em composição harmônica com a leitura do Gênesis.

Após a leitura do Gênesis no início do Tempo Comum dos anos pares, segue-se a leitura dos livros do Êxodo, Levítico e Números na Quaresma (que também são lidos no ciclo anual, embora de maneira mais resumida).

Túmulo dos Patriarcas em Hebron

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997.
[3] ibid.
[4] SAGRADA COMUNHÃO e o culto do Mistério Eucarístico fora da Missa. Edição típica em tradução portuguesa para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 65.
[5] LECIONÁRIO para Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 14. A outra opção de leitura é 2Sm 7,1-5.8b-11.16, sobre a ascendência davídica do Messias.
[6] ibid., pp. 194-196.
[7] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.). Ofícios Litúrgicos Bizantinos: Akathistos, Paraklesis e outros. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 13.
[8] RITUAL DA INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS. Tradução portuguesa para o Brasil da edição típica. São Paulo: Paulus, 2001, p. 178.
[9] ibid., p. 237; RITUAL DO BATISMO DE CRIANÇAS. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, p. 123.
[10] RITUAL DA INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS, pp. 236.238.
[11] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus: 1999, p. 83.
[12] RITUAL DO MATRIMÔNIO. Tradução portuguesa para o Brasil da 2ª edição típica. São Paulo: Paulus, 2007, p. 75.
[13] LECIONÁRIO IV: Lecionário do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 79.
[14] ibid., p. 127.
[15] ibid., p. 187.
[16] RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 159.
[17] ibid., p. 162.
[18] ibid., p. 175.
[19] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. I, pp. 132.185.242.311.
[20] ibid., v. IV, p. 1321.
[21] cf. ALDAZÁBAL, op. cit., p. 76.
[22] ibid., p. 105.
[23] Compõem este bloco de leitura semicontínua os seguintes livros: Êxodo (semanas XV-XVII), Levítico (XVII), Números (XVIII), Deuteronômio (XVIII-XIX), Josué (XIX), Juízes e Rute (XX).
[24] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995.
[25] ibid.
[26] ibid.
[27] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.

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