“Por entre aclamações Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta” (Sl 46,6).
O Livro dos Atos dos Apóstolos atesta que,
após a Ressurreição, Jesus apareceu aos Apóstolos durante quarenta dias antes
de subir ao céu (cf. At 1,1-11).
Enquanto a celebração do Domingo de Páscoa remonta ao século II, temos de esperar até o
século IV para encontrar as primeiras referências a uma festa específica em
honra da Ascensão do Senhor. Esta tem lugar na quinta-feira da VI semana da
Páscoa (em alguns lugares, como no Brasil, é transferida para o domingo
seguinte).
As origens da festa da Ascensão
A partir do
século III a Páscoa anual começa a ser celebrada como uma grande festa de 50
dias, uma “semana de semanas”, culminando no Domingo de Pentecostes (Πεντηκοστή,
o “50º dia”). Assim, sobretudo no Oriente, as primeiras celebrações em honra da
Ascensão (Aνάληψη [Analepsis] em
grego; Ascensio em latim) tinham lugar no próprio dia de Pentecostes.
Essa festa da
Ascensão-Pentecostes era vista como a celebração da consumação da obra
salvífica de Cristo, razão pela qual também era chamada em grego de ἐπισωζομένη
[episozomene], algo como “salvação do
alto”.
A peregrina
Etéria (ou Egéria), em seu Diário de
viagem (Itinerarium ad loca santa),
testemunha a Liturgia do Domingo de Pentecostes na Jerusalém do final do século
IV: após as celebrações no Santo Sepulcro e no Cenáculo pela manhã, os fiéis se
reuniam à tarde na igreja do Monte das Oliveiras (Όρος των Ελαιών), o Eleona:
“Uma vez que se
subiu ao Monte das Oliveiras, isto é, ao Eleona,
primeiro vai-se ao Imbomon, que é o
lugar de onde o Senhor subiu aos Céus, e ali senta-se o bispo e os presbíteros
e também todo o povo; leem-se ali as leituras, dizem-se hinos intercalando-os,
dizem-se também antífonas apropriadas àquele dia e lugar; também as orações,
que se intercalam, têm sempre um conteúdo que convenha ao dia e ao lugar. Lê-se
também o passo do Evangelho que fala
da Ascensão do Senhor; lê-se de novo outro, dos Actos dos Apóstolos, que fala da Ascensão do Senhor aos céus, após
a Ressurreição” [1].
Após essa
Liturgia da Palavra, formava-se uma lenta e solene procissão de volta à cidade,
refazendo os passos dos Apóstolos (At
1,12). A procissão, que após o pôr-do-sol era iluminada por centenas de velas,
concluía-se na Basílica do Santo Sepulcro, onde o Bispo abençoava os
catecúmenos e os fiéis.
A igreja do Eleona foi destruída pelos persas em
614, tendo sido reconstruída e destruída várias vezes nos seguintes séculos.
Atualmente permanece o Imbomón, isto
é, a pequena Capela ou Edícula da Ascensão, que remonta ao período das
Cruzadas, sob a responsabilidade da comunidade muçulmana, e algumas ruínas do período
bizantino sob a igreja do Pai-nosso (igreja do Pater noster).
A festa da Ascensão a partir do século IV
Dada a
importância do mistério da Ascensão e o forte simbolismo bíblico do número 40, logo
a festa começa a ser celebrada de maneira independente do Pentecostes.
Assim
testemunha, por exemplo, Eusébio de Cesareia (†339) em sua obra De sollemnitate paschali, referindo-se à
Ascensão como “dia solene” [2].
Também as Constituições Apostólicas,
importante documento da Igreja de Antioquia do final do século IV, atestam: “Contai quarenta dias após o primeiro domingo
[da Páscoa] e, no quinto dia a partir
do domingo, celebrai a festa da Ascensão do Senhor” [3].
Entre os séculos
IV e V encontramos várias homilias para a festa da Ascensão proferidas pelos
Padres do Oriente e do Ocidente: Gregório de Nissa (†395), João Crisóstomo (†407),
Máximo de Turim (†420), Agostinho (†430), Leão Magno (†461)...
Nos séculos
seguintes, por sua vez, os primeiros Sacramentários trazem várias orações
próprias para a Missa desse dia: o Sacramentário
Veronense ou Leonino (séc. V-VI),
o Gelasiano (séc. VII-VIII) e o Gregoriano (final do séc. VIII). Desse
último é a maioria das orações do Missale
Romanum promulgado após o Concílio de Trento (séc. XVI).
Com a reforma
litúrgica do Concílio Vaticano II, além do maior número de leituras, seguindo o
ciclo trienal A-B-C, foram compostas novas orações para a Solenidade da
Ascensão do Senhor, centradas na unidade entre Cristo Cabeça e a Igreja, seu
Corpo.
A nova eucologia
menor (oração do dia, sobre as oferendas e após Comunhão) e o novo Prefácio da
Ascensão I são inspirados nos dois Sermões do Papa São Leão Magno sobre a
Ascensão [4] e nas orações dos Sacramentários Veronense e Gelasiano. Do
Missal anterior conservou-se o Prefácio da Ascensão II.
Ascensão do Senhor (Giotto - Capela Scrovegni, Pádua) |
A partir do
século VII a Solenidade da Ascensão passa a contar também com uma Missa da
Vigília, celebrada na tarde do dia anterior. Essa, porém, possuía apenas a
leitura e o Evangelho próprios (Ef
4,7-13; Jo 17,1-11), tomando-se os
demais textos da Missa do domingo precedente (VI Domingo da Páscoa).
Após o Concílio em
um primeiro momento essa Missa da Vigília da Ascensão foi suprimida, sendo
recuperada na 3ª edição do Missal Romano,
promulgado em 2002 (ainda sem tradução para o Brasil), com orações próprias
[5].
Antes da reforma
litúrgica a Ascensão contava ainda com uma oitava, igualmente suprimida, embora
os textos litúrgicos desses dias constituam ainda uma espécie de “novena de
Pentecostes”.
Algumas particularidades litúrgicas da
Solenidade da Ascensão
Entre o final do
século V e o início do século VI surgem na França as Rogações ou Ladainhas Menores,
celebradas nos três dias que antecedem a Solenidade da Ascensão (segunda, terça
e quarta-feira da VI semana da Páscoa), procissões penitenciais pedindo o
perdão do Senhor e o bom tempo para as colheitas.
Com efeito, vale
recordar que tanto a Páscoa quanto o Pentecostes, entre as quais se situa a
Ascensão, eram originalmente festas agrícolas, associadas ao ciclo da primavera-verão
no hemisfério norte. Nesse contexto, a partir do século VII a Missa da festa da
Ascensão passa a contar com uma bênção das favas e das uvas.
O Sacramentário Gelasiano trazia uma
fórmula de bênção, que era recitada antes da doxologia final da Oração
Eucarística: “Per quem haec ómnia...”
(“Por Ele não cessais de criar e santificar estes bens...”) [6]. Esta prática,
porém, acabou caindo em desuso.
Na Idade Média,
um aspecto importante desta festa era a procissão em honra de Cristo Rei antes
da Missa, celebrando sua entrada triunfal no céu. Por isso, durante essa
procissão entoava-se o hino de Teodolfo (ou Teodulfo) de Orleans (†821), Gloria, laus et honor (Glória, louvor e
honra a ti), proposto igualmente para a procissão do Domingo de Ramos, além de
alguns salmos: Sl 46 (47); 47 (48);
67 (68).
Ascensão do Senhor (Benjamin West, detalhe) |
A partir dos
séculos IX e X praticamente todas as grandes celebrações do Ano Litúrgico
possuíam uma ou mais sequências, composições poéticas a serem entoadas antes do
Evangelho na Missa, que sintetizavam o mistério celebrado, até que,
infelizmente, a reforma litúrgica do Concílio de Trento (séc. XVI) suprimiu
quase todas.
Dentre as sequências
propostas para a Solenidade da Ascensão do Senhor destacamos:
- Summi triumphum Regis, atribuída ao
monge beneditino Notker Balbulus (†912);
- Rex omnipotens die hodierna, composição anônima
dos séculos X-XI;
- Omnes gentes plaudite, anônima do século
XIII;
- Sursum sonet laudis melos, anônima dos
séculos XIII-XIV.
A partir da
reforma de Trento, além disso, destaca-se o gesto de apagar o círio pascal após
o Evangelho da Ascensão, indicando a conclusão da presença visível de Cristo
Ressuscitado. Até então, o círio geralmente era apagado e fragmentado já no
final da Vigília Pascal ou então durante a Oitava da Páscoa.
No Rito
Ambrosiano, próprio da Arquidiocese de Milão (Itália), conserva-se até hoje o
costume de içar o círio pascal até o teto da igreja durante a proclamação do
Evangelho da Ascensão. Em algumas igrejas da Alemanha, por sua vez, se içava um
crucifixo.
Após o Concílio
Vaticano II o gesto de apagar do círio foi transferido para o Domingo de
Pentecostes, destacando a unidade dos cinquenta dias pascais.
Vale recordar
ainda, como vimos anteriormente, que após a Solenidade da Ascensão do Senhor
tem início a “novena de Pentecostes”. Os próprios textos litúrgicos desses
dias, com efeito, vão preparando nossos corações para celebrar a vinda do Espírito
Santo.
No Brasil, além
disso, a semana entre o Domingo da Ascensão (VII Domingo da Páscoa) e o
Pentecostes é dedicada também à oração pela unidade dos cristãos, iluminada
pela leitura semicontínua do capítulo 17 do Evangelho
de João: a “oração sacerdotal” de Jesus, com a prece do Senhor pela unidade
dos seus discípulos [7].
Vale destacar,
por fim, que a partir de 1967 na Solenidade da Ascensão celebra-se também o Dia
Mundial das Comunicações Sociais, desejado pelo próprio Concílio (cf. Inter mirifica, n. 18), para o qual
o Papa sempre escreve uma mensagem.
A escolha da
Ascensão para o Dia das Comunicações remete à exortação de Jesus aos seus
Apóstolos, enviados “até os confins da terra” (At 1,8): “Ide e fazei
discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu
estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,19-20).
Confira também:
Notas:
[1] ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem (Itinerarium ad loca sancta), cap. 43; in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos,
patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional
de Liturgia, 2003, p. 461.
[2] EUSÉBIO DE
CESAREIA. Sobre a Páscoa (De sollemnitate paschali), n. 3. in: CORDEIRO, op. cit., p. 354.
[3] CONSTITUIÇÕES
APOSTÓLICAS (Constitutiones Apostolorum),
V, 20. in: CORDEIRO, op. cit., p.
414.
[4] LEÃO MAGNO. Sermões. São Paulo: Paulus, 1996, pp. 168-177;
Coleção: Patrística, vol. 6.
[5] Na 3ª edição
do Missal Romano as Solenidades que
possuem uma Missa da Vigília própria são oito: Páscoa, Natal, Epifania,
Ascensão, Pentecostes, Assunção de Maria, Natividade de São João Batista e São
Pedro e São Paulo, Apóstolos.
[6] Sobre a
história e o significado dessa expressão, cf.
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum
Sollemnia: Origens, liturgia, história e teologia da Missa romana. São
Paulo: Paulus, 2009, pp. 713-718.
[7] Na maioria
dos países, por sua vez, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos tem lugar
entre os dias 18 e 25 de janeiro, entre a antiga festa da Cátedra de São Pedro
e a festa da Conversão de São Paulo.
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu
significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, p. 64.
BERGAMINI,
Augusto. Cristo, festa da Igreja: O ano
litúrgico. São Paulo: Paulinas, 1994, pp. 392-395.
RIGHETTI, Mario.
Historia de la Liturgia, v. I: Introducción
general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1945, pp. 854-856.
SCHUSTER,
Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber
Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; v. IV: Il Battesimo nello Spirito e nel fuoco (La Sacra Liturgia durante il ciclo Pasquale).
Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 137-142.
Postagem publicada originalmente em 07 de
maio de 2016. Revista e ampliada em 07 de maio de 2022.
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