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segunda-feira, 19 de julho de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 03

“A catequese é parte integrante da iniciação cristã e está intimamente unida aos sacramentos da iniciação, especialmente ao Batismo” (Diretório para a Catequese, n. 69).

Na postagem anterior da nossa série sobre a Liturgia no novo Diretório para a Catequese [1] começamos a analisar o seu capítulo II: “A identidade da catequese” (nn. 55-109).

Como vimos, este é um dos capítulos mais longos e com mais referências à Liturgia. Assim, tendo analisado sua primeira seção - Natureza da catequese (nn. 55-65) - prosseguiremos nessa postagem com as três seções seguintes: A catequese no processo da evangelização; Finalidade da catequese; e Atividades da catequese.

Capítulo II: A identidade da catequese

2.2 A catequese no processo da evangelização (nn. 66-74)

Uma vez definida a Catequese e apresentada a proposta da “inspiração catecumenal” na primeira seção do capítulo, a reflexão prossegue aprofundando três etapas do processo catequético: primeiro anúncio (nn. 66-68), Catequese de iniciação cristã (nn. 69-72) e Catequese e formação permanente à vida cristã (nn. 73-74).

Os sete sacramentos, com a Eucaristia ao centro

Sobre a etapa do primeiro anúncio, centrado no querigma (Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo) e no convite à conversão (cf. Mc 1,14-15) não há referências diretas à Liturgia. Não obstante, à luz dessa etapa podemos refletir sobre a importância da “diaconia” (serviço ou ministério) da acolhida em nossas celebrações.

A Catequese de iniciação cristã, por sua vez, está diretamente relacionada aos Sacramentos da Iniciação Cristã: Batismo (n. 69), Confirmação e Eucaristia (n. 70).

“A catequese é parte integrante da iniciação cristã e está intimamente unida aos sacramentos da iniciação, especialmente ao Batismo. ‘O elo que une a catequese com o Batismo é a profissão de fé que é, ao mesmo tempo, o elemento interior a este sacramento e a meta da catequese’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n. 66). ‘A missão de batizar, portanto, a missão sacramental, está implicada na missão de evangelizar’ (Catecismo da Igreja Católica, n. 1122; cf. Mt 28,19-20); assim sendo, a missão sacramental não pode ser separada do processo de evangelização” (n. 69).

“Os sacramentos da iniciação cristã constituem uma unidade porque ‘põem os alicerces da vida cristã: os fiéis, renascidos pelo Batismo, são fortalecidos pela Confirmação e alimentados pela Eucaristia’ (Compêndio do Catecismo, n. 251). É importante reiterar que, de fato, ‘somos batizados e crismados em ordem à Eucaristia. Este dado implica o compromisso de favorecer na ação pastoral uma compreensão mais unitária do percurso de iniciação cristã’ (Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 17)” (n. 70).

Seguindo a linha proposta pela Sacramentum Caritatis (n. 18), o Diretório propõe no mesmo parágrafo estudar a possibilidade de retomar a ordem teológica dos Sacramentos da Iniciação: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Esta, proposta, porém, deve ser decidida pelas Conferências Episcopais (no caso do Brasil, pela CNBB).

Após elencar algumas características da Catequese de iniciação, o n. 72 conclui atestando que a Catequese está a serviço da fé, cuja síntese foi elaborada pela Escritura e pela Tradição: “fé acreditada, celebrada, vivida e rezada” (fórmula que estrutura o Catecismo da Igreja Católica, como veremos no cap. VI).

A Catequese deve ter essa síntese como base, evitando enfatizar “posições teológicas parciais” (n. 72). Com efeito, em postagens anteriores sobre algumas devoções recordamos a exortação da Igreja a “evitar fracionamento excessivo na contemplação do mistério” (Diretório sobre Piedade Popular, n. 129).

Concluindo a segunda seção do capítulo II, o Diretório elenca as três dimensões da Catequese como formação permanente à vida cristã: doutrina, culto e caridade, que, como vimos anteriormente, estão relacionadas ao tríplice múnus de Cristo (profeta, sacerdote e rei-pastor), do qual todos nós participamos pelo Batismo.

Cristo profeta (com o livro), sacerdote (estola ao ombro) e rei-pastor (sentado no trono)

Sobre a formação para a Liturgia o n. 74b afirma: “A catequese está orientada para a celebração litúrgica. São necessárias tanto uma catequese que prepara para os sacramentos quanto uma catequese mistagógica que favoreça uma compreensão e uma experiência mais profunda da Liturgia”.

Um grande desafio para a pastoral litúrgico-catequética é superar a visão dos sacramentos da Iniciação Cristã como “ponto final” do processo.

Neste sentido, vale refletir sobre como celebramos a Confirmação e a primeira Comunhão em nossas comunidades. Muitas vezes essas têm a forma de uma “formatura escolar”, com “tapete vermelho”, uso de "vestes" próprias, entrega das “lembranças” ou “certificados”, "discursos de despedida"... Todos esses elementos são estranhos à tradição litúrgica da Igreja.

Além disso, em algumas comunidades celebram-se esses sacramentos no final do ano escolar, reforçando ainda mais a ideia de uma “formatura”. O ideal seria celebrar sempre os Sacramentos da Iniciação no Tempo Pascal, e adequar cada vez mais a programação da Catequese ao Ano Litúrgico, e não ao calendário civil.

Retoma-se aqui a importância da mistagogia. Como vimos na postagem anterior, no catecumenato o “tempo da mistagogia” é posterior à recepção dos sacramentos, indicando que estes não são o “ponto final”, mas sim uma “pausa restauradora na caminhada rumo ao céu” (Missal Romano, p. 404). A caminhada, pois, continua...

2.3 Finalidade da catequese (nn. 75-78)

Passando à breve terceira seção desse capítulo, com apenas quatro parágrafos, reforça-se a integração da Catequese com todas as dimensões da vida cristã, incluindo a “experiência litúrgico-sacramental” (n. 76).

Como vimos em nossa postagem anterior, o encontro com Cristo “envolve a pessoa em sua totalidade: coração, mente, sentidos” (ibid.). Assim, todas as dimensões da vida cristã (Catequese, Liturgia, caridade...) “co-laboram” (trabalham juntas) para o “nascimento do homem novo” (Ef 4,24).

2.4. Atividades da catequese (nn. 79-89)

Já no início do capítulo II, ao apresentar a definição de Catequese, o Diretório destacava sua missão de “introduzir à celebração do mistério” (n. 55). Nesta quarta seção do capítulo o tema é retomado e aprofundado.

As atividades da Catequese estão fundamentadas na práxis da Igreja nascente, conforme testemunha o Livro dos Atos dos Apóstolos: “Eles eram perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42). “A fé, de fato, exige ser conhecida, celebrada, vivida e rezada” (n. 79).

Os Doze Apóstolos sustentam a Igreja
(Note-se o altar com o livro e o cálice: Palavra e Eucaristia)

Vale recordar que esse “sumário” dos Atos inspira também as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, promulgadas pela CNBB, sobre as quais já falamos aqui em nosso blog.

Após recordar o “pilar do ensinamento dos Apóstolos” (conduzir à consciência da fé) no n. 80, centrado na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja (Profissão de fé ou Creio), o Diretório dedica dois parágrafos (nn. 81-82) ao “pilar da Liturgia” ou da “fração do pão” (Eucaristia), isto é, à missão da Catequese de iniciar à celebração do mistério:

81. “Além de favorecer um conhecimento vivo do mistério de Cristo, a catequese também tem a missão de ajudar na compreensão e na experiência das celebrações litúrgicas. Por meio dessa atividade, a catequese ajuda a compreender a importância da Liturgia na vida da Igreja, inicia à consciência dos sacramentos e à vida sacramental, especialmente ao sacramento da Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. Os sacramentos, celebrados na Liturgia, são um meio especial que comunica plenamente Aquele que é anunciado pela Igreja”.

No centro desse parágrafo está o convite do Concílio Vaticano II a uma participação consciente e ativa na Liturgia [2]. Assim, é missão da Catequese ajudar na compreensão (participação consciente) e ajudar na experiência (participação ativa) das celebrações litúrgicas.

O binômio compreensão-experiência deixa claro que a formação litúrgica não pode ser apenas teórica, mas também prática; que não diz respeito apenas à “mente”, mas também ao “coração” e aos “sentidos”.

82. “A catequese também educa a atitudes que as celebrações da Igreja exigem: alegria para o caráter festivo das celebrações, sentido de comunidade, escuta atenta da Palavra de Deus, oração confiante, louvor e ação de graças, sensibilidade aos símbolos e aos sinais. Através da participação consciente e ativa nas celebrações litúrgicas, a catequese educa para a compreensão do ano litúrgico, verdadeiro mestre da fé, e do significado do domingo, dia do Senhor e da comunidade cristã. A catequese ajuda também a valorizar as expressões de fé da piedade popular”.

O n. 82 continua a reflexão do parágrafo anterior, apresentando uma “ladainha” de conteúdos da catequese litúrgica. Destacamos aqui alguns pontos:

- “caráter festivo das celebrações”: alegria que não deve ser confundida com “euforia”. Celebramos sempre o Mistério Pascal de Cristo em sua totalidade, isto é, Morte e Ressurreição, unidas, “reconciliadas”. Vale a pena lembrar os três “S” da Liturgia: Solenidade, Sobriedade, Sacralidade.

- “sentido de comunidade”: como vimos anteriormente, a Liturgia é sempre celebração da Igreja, Corpo Místico de Cristo. É preciso tomar muito cuidado com a crescente ênfase no individualismo. Basta ver quantas músicas religiosas estão na primeira pessoa do singular (eu), enquanto os textos litúrgicos privilegiam sempre o plural (nós).

Sessão do Concílio Vaticano II (1962-1965)

- “escuta atenta da Palavra de Deus”: outro grande mérito do Concílio Vaticano é a revalorização da Palavra de Deus nas celebrações. Para melhor acolhê-la precisamos ser educados para o sentido da escuta e para o valor do silêncio. Além disso, convém que os cantos litúrgicos sejam inspirados pelos próprios textos bíblicos.

- “oração confiante, louvor e ação de graças”: o Diretório sintetiza aqui os três grandes “movimentos” da oração: o louvor, a ação de graças e a súplica. Na celebração litúrgica todos eles estão presentes e são igualmente importantes. A ênfase em apenas um deles seria uma visão limitada, fragmentada da nossa relação com Deus.

- “sensibilidade aos símbolos e aos sinais”: como vimos anteriormente, não se trata aqui de “multiplicar” os sinais nem de introduzir elementos estranhos à Liturgia, mas sim de conhecer e valorizar as linguagens já previstas.

Na ação litúrgica, o sinal sempre “realiza aquilo que significa” (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 06). Por exemplo, na procissão das oferendas são entronizadas “ofertas”, e não apenas “símbolos”: pão e vinho para a Eucaristia, que serão consagrados, comidos e bebidos; e ofertas materiais para os pobres e o sustento da comunidade (cf. Introdução Geral do Missal Romano, 3ª edição, nn. 73.140). O que é levado nessa procissão é literalmente oferecido, doado, entregue, “realizando”, portanto, o significado de “oferta”.

- “compreensão do Ano Litúrgico”: o Ano Litúrgico, itinerário mistagógico, é chamado pelo Diretório de “verdadeiro mestre da fé”. Como afirmamos anteriormente, a Catequese deve cada vez mais desvincular-se do calendário civil e escolar e inspirar-se na dinâmica do Ano Litúrgico.

- “significado do domingo”: é o “dia do Senhor e da comunidade cristã”. Ver neste sentido a Carta Apostólica Dies Domini do Papa João Paulo II (1998):

- “expressões de fé da piedade popular”: a piedade popular será aprofundada no cap. 10, mas fica claro desde já que é um grande tesouro a ser valorizado, sobretudo quando harmonizada com a Liturgia.

Após os dois parágrafos sobre a Catequese como iniciação à celebração do mistério, o Diretório prossegue com sua missão de “formar para a vida em Cristo” (nn. 83-85).

Já no n. 83 se fundamenta a “vida em Cristo” na graça recebida no Batismo e alimentada pelos demais sacramentos: “A catequese tem a missão de fazer ressoar no coração de cada cristão o chamado a viver uma vida nova, conforme à dignidade de filhos de Deus recebida no Batismo e à vida do Ressuscitado que se comunica com os sacramentos”.

Texto das Bem-aventuranças em latim
(Santuário do Sermão da Montanha - Terra Santa)

Neste mesmo parágrafo, à luz da vocação universal à santidade recordada pela Constituição Lumen Gentium (nn. 39-42), atesta-se a centralidade das Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), que o Papa Francisco tem evidenciado desde o início do seu pontificado (cf. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, nn. 63-94) [3].

As Bem-aventuranças, com efeito, ocupam um lugar de destaque na Liturgia. Em alguns lugares, à luz da “inspiração catecumenal” da Catequese, costuma-se entregar aos catequizandos, além do Creio e do Pai-nosso (já previstos no RICA), também o texto das Bem-aventuranças como síntese do projeto de vida cristã.

Por fim, antes de falar da formação para a vida comunitária (n. 88), apresenta-se a missão da Catequese de “ensinar a rezar” (nn. 86-87), concluindo os quatro pilares da Igreja descritos em At 2,42.

Após apresentar a importância da oração, particularmente do Pai-nosso, como modelo de toda a oração cristã (n. 86), no n. 87 o Diretório esclarece que a Catequese tem a missão de educar “tanto à oração pessoal quanto à oração litúrgica e comunitária” (cf. Sacrosanctum Concilium, nn. 12-13).

Após recordar seus “movimentos”, que vimos acima (louvor, ação de graças, súplica) [4], o Diretório elenca algumas “formas da oração”:

- “a leitura orante da Sagrada Escritura, especialmente por meio da Liturgia das Horas e da lectio divina”;

- “a oração do coração, chamada oração de Jesus” [5];

- “a veneração da Bem-Aventurada Virgem Maria por meio das práticas de piedade como o santo Rosário, as súplicas, as procissões, etc”.

Imagem da "Igreja orante" - Ecclesia orans
(Catacumbas de Priscila - Roma)

[Atualização: Para acessar a 4ª parte da pesquisa , na qual concluímos a análise do capítulo II com os importantíssimos parágrafos sobre a Liturgia como fonte da Catequese (seção 2.5), clique aqui]

Notas:

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.

[2] Ao longo de toda a Constituição Sacrosanctum Concilium são indicadas cinco “notas” da participação litúrgica: consciente, ativa, piedosa, frutuosa, plena.

[3] O Papa Francisco também dedicou um ciclo de 09 Catequeses sobre as Bem-aventuranças, de 29 de janeiro a 29 de abril de 2020.

[4] O Diretório remete aqui aos nn. 2626-2649 do Catecismo da Igreja Católica. Toda a seção sobre a oração do Catecismo foi comentada pelo Papa Francisco em um ciclo de 38 Catequeses (2020-2021).

[5] A oração do coração, muito difundida entre os cristãos orientais, consiste na repetição meditativa de uma frase ou “jaculatória” na qual se recorda o nome de Jesus: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador”.

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