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terça-feira, 29 de junho de 2021

Sequência de São Pedro e São Paulo: Petre, summe Christi pastor

“Eis os santos que, vivendo neste mundo, plantaram a Igreja, regando-a com seu sangue. Beberam do cálice do Senhor e se tornaram amigos de Deus”
(Antífona de entrada da Solenidade de São Pedro e São Paulo, Missa do Dia).

Notker Balbulus (840-912), monge beneditino da Abadia de São Galo (Sankt Gallen), na atual Suíça, compilou em seu Liber Sequentiarum 38 sequências, composições poéticas a serem entoadas antes da aclamação do Evangelho na Missa, que se popularizaram no Rito Romano a partir dos séculos IX-X [1].

A 16ª sequência é indicada para a Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, no dia 29 de junho. Esta é intitulada “Petre, summe Christi pastor” (Pedro, pastor excelso de Cristo), às vezes referida com o início do 3º verso: “Ecclesiam vestris doctrinis illuminatam” (A Igreja, iluminada pela vossa doutrina).

Assim, após revisarmos e ampliarmos nossa postagem sobre a história da Solenidade de São Pedro e São Paulo, e fim de dar a conhecer cada vez mais a riqueza do patrimônio litúrgico e espiritual da Igreja, apresentamos a seguir essa sequência em seu original em latim e com uma tradução nossa bastante livre, destacando em seguida alguns aspectos do texto (como temos feito com os hinos da Liturgia das Horas).

Cabe ressaltar que este texto não deve ser usado na Missa, podendo ser recitado em um momento de devoção em honra dos Apóstolos ou em nossa oração pessoal.

São Pedro e São Paulo, Apóstolos
Note-se as coroas e as palmas, símbolos do martírio
(Igreja de São Miguel - St Albans, Inglaterra)

Petre, summe Christi pastor

Petre, summe Christi pastor, et Paule, gentium doctor,
Ecclesiam vestris doctrinis illuminatam per circulum terrae precatus adiuvet vester.

Nam Dominus, Petre, caelorum claves dono dedit.
Armigerum Benjamin, Christus te scit tuum vasque electum.

Mare planta te, Petre, Christus conculcare tuae dedit charitati;
Umbram tui corporis infirmis debilibusque fecit medicinam.

Doctiloquos philosophos te, Paule, Christus dat vincere sua voce;
Multiplices victorias tu, Paule, Christo per populos acquisisti.

Postremo victis omnibus barbaris, ad arcem summi pergitis culminis,
Germanos discordes sub iugum Christi pacatos iam coacturi.

Ibi Neronis feritas principes Apostolorum, praeliis plurimis victores, diversae te, Petre et Paule, adduxerat poenae mortis:
Te crux associat, te vero gladius cruentus mittit Christo [2].

Tradução livre:

Pedro, excelso pastor de Cristo, e Paulo, Doutor das nações,
Que a Igreja, iluminada pela vossa doutrina, seja ajudada em toda a terra por vossa oração.

Pois a ti, Pedro, o Senhor deu o dom das chaves do céu.
Guerreiro de Benjamin, Cristo te escolheu como vaso de eleição.

Cristo concedeu à tua caridade, Pedro, pisar com teus pés o mar.
Ele fez com que a sombra do teu corpo fosse medicina para os enfermos e frágeis.

Cristo concedeu a ti, Paulo, vencer com tua voz os filósofos doutos em eloquência.
Por tuas múltiplas vitórias, Paulo, tu conquistaste povos para Cristo.

Por fim, vencidos todos os bárbaros, acorrestes à cidade sobre os cumes mais altos,
Para reunir sob o jugo de Cristo os irmãos em discórdia assim pacificados.

Ali a crueldade de Nero condenou a diferentes penas de morte os príncipes dos Apóstolos, vencedores de muitas batalhas:
A ti a cruz associa, a ti a espada ensanguentada conduz a Cristo.

"Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21)
Desenho de Rafael Sanzio para as Tapeçarias da Capela Sistina

Comentário:

a) Estrofes 1-2:

As primeiras duas estrofes fazem referência aos dois Apóstolos conjuntamente. Após invocar a sua intercessão sobre a Igreja (1ª estrofe), a sequência os celebra recordando alguns dados da Escritura (2ª estrofe):

- de Pedro recorda que Cristo deu-lhe as chaves do reino dos céus (Mt 16,13-19);

- de Paulo o texto refere sua pertença à tribo de Benjamim (Rm 11,1; Fl 3,5) e sua passagem de perseguidor da Igreja (“armigerum”, que porta armas) a “vaso de eleição” (“vas electionis”: At 9,15).

b) Estrofe 3:

A 3ª estrofe, por sua vez, é dedicada exclusivamente a Pedro, cantando dois dons que Cristo lhe concedeu: caminhar sobre as águas (Mt 14,22-33) e curar os enfermos inclusive com sua sombra (At 5,12-16).

c) Estrofe 4:

Enquanto a estrofe anterior celebrou o dom taumatúrgico concedido a Pedro, a 4ª estrofe canta o dom da eloquência concedido a Paulo, com o qual este dialogou com os filósofos (cf. At 17,16-34) e os “venceu” com sua voz, “conquistando os povos para Cristo”, isto é, convertendo-os à fé (dentre esses o texto cita Dionísio, o Areopagita, e Dâmaris).

Paulo prega no Areópago de Atenas (At 17)
Desenho de Rafael Sanzio para as Tapeçarias da Capela Sistina

d) Estrofes 5-6:

Por fim, as últimas duas estrofes voltam a referir-se aos dois Apóstolos conjuntamente, uma vez que cantam o seu martírio em Roma durante a perseguição do imperador Nero (entre os anos 64 e 68), como testemunha, por exemplo, Eusébio de Cesareia em sua História Eclesiástica (II, 25), recolhendo por sua vez tradições anteriores.

O primeiro verso da 5ª estrofe indica que os Apóstolos “venceram todos os bárbaros” (victis omnibus barbaris). Essa expressão deve ser entendida no sentido de que os Apóstolos anunciaram o Evangelho a diversos povos então considerados bárbaros, vencendo sua ignorância.

No mesmo verso indica-se que Pedro e Paulo acorreram à cidade sobre os “altos cumes”, uma clara referência a Roma, na época a “capital do mundo”, fundada sobre sete colinas (Aventino, Capitólio, Célio, Esquilino, Palatino, Quirinal e Viminal).

O verso seguinte indica que a pregação de Pedro e Paulo na Cidade Eterna “pacificou os irmãos em discórdia”. Esta é uma referência a Rômulo e Remo, seus fundadores lendários. O primeiro irmão teria matado o segundo em uma discussão sobre quem reinaria sobre a nova cidade.

A última estrofe, por fim, trata propriamente do martírio dos “príncipes dos Apóstolos” sob Nero, condenados a distintos suplícios: Pedro associado a Cristo pela crucificação e Paulo, sendo cidadão romano, morto por decapitação.

Martírio de São Pedro e São Paulo
(Stefan Lochner - Städel Museum, Frankfurt)

Confira também:
Sequência Sancti Baptistae, Christi praeconis (Natividade de São João Batista, 24 de junho)

Notas:

[1] Após o Concílio de Trento (1545-1563) as sequências foram reduzidas a quatro: Victimae paschali laudes (Domingo de Páscoa), Veni, Sancte Spiritus (Pentecostes), Lauda Sion (Corpus Christi) e Dies irae (Missas dos defuntos); sendo acrescentada uma quinta em 1727: Stabat Mater dolorosa (Memória de Nossa Senhora das Dores). A reforma do Vaticano II as conservou, transformando porém o Dies irae em hino da Liturgia das Horas para a última semana do Tempo Comum.

[2] MIGNE, J. P. Patrologiae: Cursus Completus, Series Latina, v. 131, p. 1014. Disponível em: https://patristica.net/latina/

[Observação: A tradução da sequência foi feita pelo autor desse blog a partir do original em latim de maneira bastante livre. Se algum leitor com conhecimento em latim deseja fazer alguma correção, essa será bem-vinda.]

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