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terça-feira, 27 de junho de 2023

Hinos de São Pedro e São Paulo: Ofício das Leituras

“Ó Pedro, rochedo da fé, e Paulo, glória do universo, vinde juntos confirmar-nos!” [1].

Como vimos em nossa postagem anterior, são quatro os hinos próprios para a Solenidade de São Pedro e São Paulo (29 de junho) na Liturgia das Horas (LH):
I Vésperas: Aurea luce (Ó áurea luz);
Ofício das Leituras: Felix per omnes festum (A festa dos Apóstolos);
Laudes: Apostolórum pássio (A paixão dos Apóstolos);
II Vésperas: O Roma felix (Roma feliz).

São Pedro e São Paulo
(Fra Bartolomeo e Rafael Sanzio)

Após dedicarmos uma postagem ao hino das I Vésperas, gostaríamos de apresentar brevemente o hino do Ofício das Leituras da Solenidade: Felix per omnes festum (A festa dos Apóstolos).

Este foi composto entre os séculos VIII e IX, sendo atribuído a São Paulino de Aquileia (†802). Paulino foi mestre na corte de Carlos Magno (†814), até ser eleito Patriarca de Aquileia em 787.

Paulino II de Aquileia (assim referido para distingui-lo do seu antecessor de mesmo nome, que foi Patriarca durante o séc. VI) participou de diversos Sínodos, combatendo sobretudo a heresia do adocionismo, e foi um grande promotor da evangelização na vizinha Eslovênia.

O hino completo possui oito estrofes, além da doxologia final em louvor à Trindade. Para o Ofício das Leituras são entoadas as primeiras duas estrofes (Felix per omnes festum; Hi sunt olívae duae) unidas à doxologia.

Como recorda Felix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas, outras estrofes do nosso hino são entoadas nas II Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo (O Roma felix...), como veremos na respectiva postagem, e nas Laudes da Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro), Petrus beátus catenárum láqueos.

Vale dizer que este hino foi resgatado pela Comissão encarregada da revisão dos hinos da LH durante a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, encabeçada pelo Padre Anselmo Lentini (†1989).

No antigo Breviarium Romanum não havia um hino próprio para as Matinas de São Pedro e São Paulo, sendo entoado o hino do Comum dos Apóstolos “Aetérna Christi múnera” (originalmente uma composição em honra aos Mártires, resgatada como tal pela reforma litúrgica).

São Paulo II de Aquileia (†802), autor do hino

Assim, como já fizemos com outros hinos da LH aqui no blog, reproduzimos a seguir o texto original de Felix per omnes festum (em latim), e sua tradução oficial para o português do Brasil, seguidos de breves comentários sobre sua teologia.

Note-se que enquanto o texto latino é composto por três estrofes de cinco versos, na tradução brasileira há seis estrofes de quatro versos, com rimas alternadas nos versos pares.

Sancti Petri et Pauli, Apostolorum (Solemnitas)
Officium Lectionis: Felix per omnes festum

1. Felix per omnes festum mundi cárdines
apostolórum praepóllet alácriter,
Petri beáti, Pauli sacratíssimi,
quos Christus almo consecrávit sánguine,
ecclesiárum deputávit príncipes.

2. Hi sunt olívae duae coram Dómino
et candelábra luce radiántia,
praeclára caeli duo luminária;
fórtia solvunt peccatórum víncula
portásque caeli réserant fidélibus.

3. Glória Patri per imménsa saecula,
sit tibi, Nate, decus et impérium,
honor, potéstas Sanctóque Spirítui;
sit Trinitáti salus indivídua
per infiníta saeculórum saecula. Amen [2].

São Pedro
(Rafael Sanzio)

São Pedro e São Paulo, Apóstolos (Solenidade)
Ofício das Leituras: A festa dos Apóstolos

1. A festa dos Apóstolos / alegra todo o mundo
até os seus extremos, / com júbilo profundo.
Louvamos Pedro e Paulo, / por Cristo consagrados
colunas das Igrejas / no sangue derramado.

2. São duas oliveiras / diante do Senhor,
brilhantes candelabros / de esplêndido fulgor.
Do céu luzeiros claros, / desatam todo laço
de culpa, abrindo aos santos / de Deus o eterno Paço.

3. Ao Pai louvor e glória / nos tempos sem fronteiras.
Império a vós, ó Filho, / beleza verdadeira.
Poder ao Santo Espírito, / Amor e Sumo Bem.
Louvores à Trindade / nos séculos. Amém [3].

Comentário:

a) 1ª estrofe: Felix per omnes festum

A 1ª estrofe do nosso hino, embora não de forma imperativa, serve como “convite ao louvor”, declarando que toda a terra se alegra com a festa dos Apóstolos. Esta alegria, com efeito, se estende a “todos os cantos do mundo” (“mundi cárdines”, em alusão aos quatro pontos cardeais).

Nessa mesma estrofe Paulino de Aquileia começa a apresentar os “motivos do louvor”: o “bem-aventurado Pedro” e o “sacratíssimo Paulo” foram consagrados por Cristo através do seu sangue precioso, vivificante.

A expressão pode referir-se aqui ao próprio sangue dos Apóstolos, derramado no martírio, e ao Sangue de Cristo, ao qual estes se configuram através da oblação da própria vida: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes no Sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14).

São Paulo
(Fra Bartolomeo)

A estrofe conclui indicando o “prêmio” pelo seu testemunho (lembremos que a palavra grega martyria significa literalmente “testemunho”): tornaram-se “príncipes das Igrejas” (cf. Sl 44,17), “colunas das Igrejas” na tradução brasileira (cf. Gl 2,9; Ap 3,12).

É por ter acolhido o martírio desses dois Apóstolos, com efeito, que Roma é “omnium urbis ecclesiarum mater et caput” (mãe e cabeça de todas as igrejas do mundo).

b) 2ª estrofe: Hi sunt olívae duae

A segunda estrofe retoma o simbolismo da “dupla oliveira”, já presente no hino das I Vésperas, como vimos em sua respectiva postagem.

As imagens da “dupla oliveira” e dos “dois candelabros de luz radiante” têm sua origem em uma visão do Profeta Zacarias (Zc 4,14), sendo aplicadas no Apocalipse às duas testemunhas “que estão diante do Senhor” (Ap 11,4).

As “duas testemunhas” foram tradicionalmente interpretadas como dois profetas (Moisés e Elias, Enoc e Elias); contudo, sobretudo no final da Idade Média, alguns teólogos as associaram a Pedro e Paulo, considerando sobretudo os vv. 7-8: as duas testemunhas são mortas pela Besta e seus cadáveres permanecem na “Grande Cidade”.

Além disso, as “duas testemunhas” têm o poder de “fechar o céu” (Ap 11,6), autoridade dada por Jesus a Pedro no Evangelho: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19).

Este texto é recordado pela nossa estrofe, que atribui a Pedro e Paulo, lâmpadas que irradiam a luz de Cristo (cf. Mt 5,14-16), a autoridade para “desatar os fortes laços que prendem os pecadores” e “abrir as portas do céu aos fiéis”.

É significativo que o hino use o termo “vincula” (laços, correntes), uma vez que tanto Pedro quanto Paulo foram presos por causa do Evangelho em mais de uma ocasião, como narram os Atos dos Apóstolos e as Cartas.

Além disso, em Roma veneram-se as correntes que teriam prendido os Apóstolos, conservadas respectivamente na igreja de São Pedro in Vincoli [4] e na Basílica de São Paulo fora-dos-muros.

São Pedro e São Paulo na prisão
(Igreja de São Paulo, Sharpsburg, Ohio)

c) 3ª estrofe: Glória Patri per imménsa saecula

Por fim, como na maioria dos hinos da LH, a composição conclui com uma doxologia (breve fórmula de louvor) dirigida à cada uma das Pessoas da “Trindade indivisa”: ao Pai, ao Filho (“o Nascido”, referido como “a Beleza verdadeira” na tradução brasileira) e ao Espírito Santo (que é “o Amor e o Sumo Bem”), aos quais se atribui honra, glória e poder e a honra pelos séculos infinitos.

Notas:

[1] Trecho do Hipakoi da Festa dos Santos Pedro e Paulo, Príncipes dos Apóstolos (29 de junho). in: SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Liturgikon: Próprio das Festas no Rito Bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 49.

[2] CATTOLICI ROMANI: Thesaurus Liturgiae: Inni della «Liturgia Horarum» - 2. Proprium de Sanctis & Communia.

[3] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. III, pp. 1389-1390.

[4] Antes da reforma litúrgica se celebrava o aniversário da dedicação dessa igreja no dia 01 de agosto com a festa de São Pedro “em cadeias” (Sancti Petri ad vincula”). Nas Vésperas da festa se entoavam as estrofes 4-5 do nosso hino (Petrus beátus catenárum láqueos), atualmente previstas para as Laudes da Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro).

Referências:

AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, pp. 243-244.

Imagens: Wikimedia Commons.

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