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terça-feira, 8 de março de 2022

Leitura litúrgica da Segunda Carta aos Coríntios (2)

“Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20).

Na postagem anterior da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura iniciamos um estudo sobre a presença da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor) nas celebrações do Rito Romano.

Após uma breve introdução à Carta, analisamos sua leitura sob o critério da composição harmônica, isto é, a sintonia com o tempo ou a festa litúrgica [1], no ciclo do Ano Litúrgico e nas celebrações dos santos.

Na cruz, Cristo reconciliou-nos com Deus (cf. 2Cor 5,14-21)

Agora prosseguiremos com as Missas para diversas necessidades e votivas, os demais sacramentos e sacramentais e a Liturgia das Horas.

2. Leitura litúrgica de 2Cor: Composição harmônica

a) Celebração Eucarística

Começamos essa segunda parte do nosso estudo com as Missas para diversas necessidades, nas quais a Igreja reza por intenções específicas, formulários nos quais encontramos várias opções de leituras ad libitum (à escolha):

Além dos formulários “pelo Papa” e “pelo Bispo”, cujas leituras são tomadas do Comum dos Pastores, que vimos na postagem anterior, na Missa pelos sacerdotes são indicados dois dos três textos que vimos:
- 2Cor 4,1-2.5-7, exortando aos presbíteros que preguem a Cristo, e não a si mesmos;
- 2Cor 5,14-20, sobre o ministério da reconciliação confiado aos sacerdotes [2].

Esta última leitura (2Cor 5,14-20) é indicada também na Missa pelas vocações sacerdotais [3].

Na sequência temos cinco formulários que compartilham as mesmas leituras: as Missas pela pátria, pelos governantes, por um encontro de chefes de Estado, pelo chefe de Estado e pelo progresso dos povos. Aqui se sugerem duas perícopes:

- 2Cor 8,1-5.9-15: exortando a partilhar a nossa abundância com aqueles que padecem a indigência, pois “assim haverá igualdade”;

- 2Cor 9,6-15: complementando o texto anterior, destaca-se que essa partilha deve ser livre, e não uma imposição, como infelizmente acontece em certos regimes políticos e econômicos - “Dê cada um conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento...” [4].

As mesmas leituras (2Cor 8,1-5.9-15 e 2Cor 9,6-15) são indicadas ainda para a Missa em tempo de fome ou pelos que passam fome [5].

Na Missa pela reconciliação propõe-se uma versão ligeiramente mais longa do texto da Quarta-feira de Cinzas, como vimos em nossa postagem anterior: 2Cor 5,17–6,2 [6], com a exortação do Apóstolo à reconciliação com Deus.

Em seguida, fazendo um paralelo com a leitura ad libitum da Primeira Carta aos Coríntios na Missa após as colheitas, na Missa para a sementeira a sugestão é 2Cor 9,8-11 [7], texto no qual Paulo promete àqueles que são generosos com os pobres que Deus “multiplicará as suas sementes e aumentará os seus frutos”.

Por fim, na Missa pelos doentes, formulário que também pode ser usado para a Unção dos Enfermos na Missa, são indicadas duas perícopes:

- 2Cor 4,10-18: os sofrimentos que suportamos em nome de Cristo nos unem a Ele: “levamos em nós mesmos os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifestada em nossos corpos” (v. 10);

- 2Cor 12,7b-10: a profissão de fé de Paulo em meio às tribulações, colocando na boca de Deus a seguinte expressão de consolo: “Basta-te a minha graça. Pois é na fraqueza que a força se manifesta” (v. 9) [8].

Sacramento da Unção dos Enfermos:
força do Espírito que vem em auxílio da nossa fraqueza

Concluímos nosso percurso pela Celebração Eucarística com as Missas votivas, particularmente com a Coletânea de Missas de Nossa Senhora, na qual identificamos duas leituras:

- na Missa de Maria, mãe da reconciliação, formulário n. 14 (para o Tempo da Quaresma), a leitura própria é 2Cor 5,17-21 [9], versão mais breve da percícope da Missa pela reconciliação, que vimos acima.

Em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo” (v. 19): Maria participa deste mistério em virtude de sua maternidade divina; ela é a “nova Eva”, em cujo seio a paz entre o céu e a terra, entre Deus e os homens, é restaurada.

- na Missa de Maria, mãe da consolação, por sua vez, que é o formulário n. 41 da Coletânea (indicado para o Tempo Comum), a 2ª opção de leitura é 2Cor 1,3-7 [10], a ação de graças da Carta, na qual o Apóstolo explana sobre o mistério da consolação que recebemos em Cristo.

b) Sacramentos e sacramentais

Além da Eucaristia, textos da Segunda Carta aos Coríntios são indicados ad libitum (à escolha) para a celebração de outros três sacramentos, a começar pelos dois sacramentos de cura: a Reconciliação e a Unção dos Enfermos.

Para a celebração do sacramento da Reconciliação é sugerida, dentre as opções de leitura à escolha, a perícope de 2Cor 5,17-21 [11], que, como vimos na postagem anterior, é lida também em um dos domingos da Quaresma, com a exortação de Paulo: “Deixai-vos reconciliar com Deus”.

Para o sacramento da Unção dos Enfermos, por sua vez, é proposta a “forma breve” de um dos textos da Missa pelos doentes, que vimos acima: 2Cor 4,16-18 [12]. Aqui o Apóstolo exorta a não desanimar diante das tribulações, aproveitando-as para crescer na fé: “Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interiorpelo contrário, vai se renovando, dia a dia”.

Diretamente ligado à Unção, o Rito da Encomendação dos agonizantes traz como opção de leitura 2Cor 5,1.6-10 [13], um texto cheio de confiança na vida eterna: “Se a tenda em que moramos neste mundo for destruídaDeus nos dá uma outra moradia no céu que não é obra de mãos humanas, mas que é eterna”.

Como vimos nas postagens sobre a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, o único sacramento onde não são indicadas leituras deste escrito é o sacramento da Ordem. Em contrapartida, são propostas duas leituras da 2Cor, dada a importância que o ministério ocupa nesta Carta:

2Cor 4,1-2.5-7: o ministério é dom da misericórdia divina; portanto, os ministros devem apresentar-se como servos, pregando a Cristo e não a si mesmos;

2Cor 5,14-20:  Deus confiou-nos em Cristo o ministério da reconciliação [14].

Ambas as leituras podem ser escolhidas para celebração dos três graus da Ordem (diaconato, presbiterato e episcopado).

Sacramento da Reconciliação

Passando aos sacramentais, identificamos leituras de 2Cor à escolha em oito formulários de bênçãos:

- Bênção de enfermos: 2Cor 1,3-7 (forma breve: 2Cor 1,3-4) [15], a profissão de fé em Deus que nos consola nas tribulações, dando-nos força para suportar com paciência os sofrimentos. A mesma leitura é indicada para a Bênção de um novo hospital [16];

- Bênção de peregrinos por ocasião da partida: 2Cor 5,6b-10 [17], a exortação a caminhar na fé, pois um dia “teremos de comparecer perante o tribunal de Cristo”;

- Bênção da mesa antes das refeições: 2Cor 9,8-10 [18], a exortação a repartirmos nossos bens com os pobres, acompanhada da promessa de que Deus não deixará faltar o necessário;

- Bênção de um novo confessionário: para essa bênção são indicados os mesmos textos do Ritual da Penitência, dentre os quais 2Cor 5,17-21, sobre o qual falamos acima [19];

- Bênção de flores por devoção: 2Cor 2,14-17 [20], exortando a exalarmos no mundo o “bom odor de Cristo”, isto é, a santidade;

- Bênção de objetos devocionais: aqui são sugeridos dois textos:
2Cor 3,17b–4,2, indicando que nós “refletimos a glória do Senhor”, o que corrobora a veneração dos santos e das imagens;
2Cor 4,1-7, a glória de Deus brilha na face de Cristo”, leitura especialmente indicada, portanto, para a bênção de crucifixos e imagens de Jesus [21].

- Bênção e imposição de escapulário: 2Cor 4,13–5,10 [22]. Esta é a única leitura indicada para esta bênção, uma vez que expressa nosso desejo de sermos “revestidos de uma veste nova”, simbolizada pelos escapulários dos diversos institutos e irmandades religiosas.

c) Liturgia das Horas

Quanto à leitura em composição harmônica da Segunda Carta aos Coríntios na Liturgia das Horas, é preciso distinguir entre leituras longas, proferidas no Ofício das Leituras, e as leituras breves, proferidas nas outras Horas (Laudes, Hora Média e Vésperas).

Começamos pelas leituras longas da nossa Carta, que são três:

- no Ofício das Leituras da Festa da Transfiguração do Senhor (06 de agosto): 2Cor 3,7–4,6 [23], leitura que traça um paralelo entre Moisés (em cujo rosto, coberto com um véu, brilhava um fulgor da glória do Senhor) e Cristo, em cuja face, não mais velada, resplandece plenamente a luz de Deus.

Para conhecer um pouco da história da devoção à Santa Face de Jesus, clique aqui.

- no Ofício das Leituras do Comum de um Mártir no Tempo Comum2Cor 4,7–5,8 [24], trecho no qual Paulo afirma que os que morrem por causa de Cristo manifestam o mistério da sua Morte e Ressurreição, e terão um lugar ao seu lado na vida eterna.

- no Ofício das Leituras dos fiéis defuntos há três opções de leitura à escolha, sendo duas de 1Cor, como vimos na respectiva postagem, e uma da nossa Carta: 2Cor 4,16–5,10 [25], uma profissão de fé na vida eterna, como no rito de Encomendação dos agonizantes, referido acima.

O admirável intercâmbio do mistério do Natal:
Cristo se fez pobre para enriquecer-nos (cf. 2Cor 8,9)

Se as leituras longas de 2Cor são apenas três, as leituras breves são bem mais numerosas. Consideraremos aqui primeiramente aquelas distribuídas ao longo do ciclo do Ano Litúrgico, particularmente nos Tempos do Natal, da Quaresma e da Páscoa.

Começamos pelo Tempo do Natal, no qual a Igreja propõe um texto da nossa Carta nas I Vésperas do Domingo da Sagrada Família2Cor 8,9 [26]. Neste versículo Paulo exprime o admirável intercâmbio de dons entre o céu e a terra que ocorreu no Natal: Jesus “tornou-se pobre”, isto é, se fez humano, para “tornar-nos ricos”, isto é, participantes de sua divindade.

No Tempo da Quaresma, por sua vez, são duas as leituras de 2Cor:

I Vésperas dos domingos I-IV da Quaresma2Cor 6,1-4a [27], ecoando o convite à reconciliação feito na Quarta-feira de Cinzas: “é agora o momento favorável, é agora o dia da salvação”;

Hora Média (9h) do V Domingo da Quaresma e do Domingo de Ramos2Cor 4,10-11 [28], o convite a “participar dos sofrimentos de Cristo”, celebrando a Paixão, para poder “exultar de alegria na revelação a sua glória” na Páscoa.

Também o Tempo da Páscoa traz-nos duas leituras da nossa Carta:

Hora Média (15h) dos sábados do Tempo Pascal2Cor 5,14-15 [29], a afirmação de que Cristo morreu e ressuscitou em favor de todos, para que vivamos n’Ele;

Hora Média (15h) do Domingo de Pentecostes2Cor 1,21-22 [30], texto no qual o Apóstolo atesta que Deus nos ungiu, marcando-nos com o seu selo pelo Espírito.

A mesma leitura de 2Cor 1,21-22 é indicada para a Hora Média (9h) da Solenidade da Santíssima Trindade [31], no domingo seguinte, como um “eco” do Pentecostes.

Por fim, há ainda outra celebração do Senhor no Tempo Comum com uma leitura da nossa Carta: na Hora Média (15h) da Festa da Transfiguração do Senhor (06 de agosto) lemos 2Cor 3,18 [32]. Este versículo é parte da leitura do Ofício da Festa, como vimos acima, lembrando-nos que, em Cristo, nós “contemplamos e refletimos a glória do Senhor e assim somos transformados à sua imagem”.

Transfiguração do Senhor

Encerramos aqui a segunda parte do nosso estudo sobre a leitura litúrgica da Segunda Carta aos Coríntios. Na terceira parte concluiremos a análise da sua leitura em composição harmônica com as leituras breves das celebrações dos santos, passando em seguida ao critério da leitura semicontínua.

[Atualização: Para acessar a terceira parte da pesquisa, publicada no dia 15 de março de 2022, clique aqui]

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. x.
[3] ibid., p. x.
[4] ibid., p. x.
[5] ibid., p. x.
[6] ibid., p. x.
[7] ibid., p. x.
[8] ibid., p. x.
[9] LECIONÁRIO para Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 63.
[10] ibid., p. 171. A 1ª opção de leitura para essa celebração é Is 61,1-3.10-11.
[11] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus: 1999, p. 140.
[12] RITUAL DA UNÇÃO DOS ENFERMOS E SUA ASSISTÊNCIA PASTORAL. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 108.
[13] ibid., p. 109.
[14] LECIONÁRIO IV: Lecionário do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, pp. 41-42.
[15] RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, pp. 106.114.
[16] ibid., p. 215.
[17] ibid., p. 149.
[18] ibid., p. 289.
[19] ibid., p. 338.
[20] ibid., p. 423.
[21] ibid., pp. 430-431.
[22] ibid., p. 446.
[23] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, p. 1158.
[24] ibid., v. III, p. 1596; v. IV, p. 1608. Para os tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa e para o Comum de vários mártires são indicadas outras leituras, a fim de oferecer uma maior diversidade de textos.
[25] ibid., v. I, p. 1385; v. II, p. 1939; v. III, p. 1763; v. IV, p. 1775. As outras duas opções de leitura são 1Cor 15,12-34 e 1Cor 15,35-57.
[26] ibid., v. I, p. 378.
[27] ibid., v. II, pp. 70.127.184.241.
[28] ibid., v. II, pp. 309.370.
[29] ibid., v. II, pp. 565.621.674.730.782.864.914.
[30] ibid., v. II, p. 935.
[31] ibid., v. III, p. 534.
[32] ibid., v. IV, p. 1165.

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