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sábado, 22 de janeiro de 2022

Hinos de São Pedro e São Paulo: Iam, bone pastor

“Vós os fizestes príncipes sobre toda a terra...” [1].

Como vimos em nossas postagens anteriores, os Apóstolos São Pedro e São Paulo estão sempre associados no Rito Romano, tanto na Solenidade do seu Martírio (29 de junho) quanto na Memória da Dedicação das suas Basílicas em Roma (18 de novembro).

Cristo ladeado pelos Apóstolos Pedro e Paulo
(Fachada da Basílica de São Paulo fora dos muros, Roma)

Além disso, cada um dos Apóstolos possui uma celebração própria: as Festas da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) e da Conversão de São Paulo (25 de janeiro).

Cada uma dessas festas possui dois hinos específicos para a Liturgia das Horas, como vimos em suas respectivas postagens, além de um hino que é retomado em três celebrações.

Trata-se do hino Iam, bone pastor, que possui duas estrofes dedicadas aos Apóstolos, além de uma doxologia final em honra da Trindade (Sit Trinitáti sempitérna glória):

- no Ofício das Leituras da Festa da Cátedra de São Pedro entoa-se a 1ª estrofe, Iam, bone pastor (Ó Pedro, pastor piedoso), e a doxologia;

- nas Laudes da Festa da Conversão de São Paulo entoa-se a 2ª estrofe, Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos), e a doxologia;

- e, finalmente, na Memória da Dedicação das Basílicas entoa-se o hino completo tanto nas Laudes quanto nas Vésperas.

O Padre Anselmo Lentini, O.S.B. (†1989), que coordenou a revisão dos hinos da Liturgia das Horas no contexto das reformas do Concílio Vaticano II, considera Iam, bone pastor e Doctor egrégie como dois hinos distintos [2].

"Traditio legis": Jesus entrega as chaves a Pedro e o livro da Palavra a Paulo
(Cibório da Basílica de Santo Ambrósio, Milão)

Na verdade, como indica Felix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas, os dois textos são parte de um hino maior, Aurea luce (Ó áurea luz), uma composição anônima realizada entre os séculos VIII ou IX [3].

O hino completo possui seis estrofes, além da doxologia final (Sit Trinitáti...). As quatro estrofes restantes são entoadas nas I Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo, como veremos em uma postagem futura.

Para acessar o “índice” com todos os hinos do Próprio dos Santos, clique aqui.

A seguir reproduziremos as três estrofes - Iam, bone pastor; Doctor egrégie; Sit Trinitáti - no seu texto original em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, seguidos de alguns breves comentários sobre sua teologia:

Hino: Iam, bone pastor

Iam, bone pastor, Petre, clemens áccipe
vota precántum, et peccáti víncula
resólve, tibi potestáte trádita,
qua cunctis caelum verbo claudis, áperis.

Doctor egrégie, Paule, mores ínstrue
et mente polum nos transférre sátage,
donec perféctum largiátur plénius,
evacuáto quod ex parte gérimus.

Sit Trinitáti sempitérna glória,
honor, potéstas atque iubilátio,
in unitáte, cui manet impérium
ex tunc et modo per aetérna saecula. Amen [4].

São Pedro (Bartolomeo Bulgarini)

Hino: Ó Pedro, pastor piedoso

Ó Pedro, pastor piedoso,
desfaze o grilhão dos réus:
com tua palavra podes
abrir e fechar os céus.

Ó Paulo, mestre dos povos,
ensina-nos teu amor:
correr em busca do prêmio,
chegar ao Cristo Senhor.

A vós, ó Trindade, glória,
poder e louvor também;
que sois eterna unidade
nos séculos, sempre. Amém [5].

São Paulo (Bartolomeo Bulgarini)

Comentário:

a) 1ª estrofe: Iam, bone pastor, Petre

A súplica dirigida a São Pedro que integra essa estrofe remete-nos a dois textos do Evangelho. Primeiramente, ao referir-se a ele como “bone pastor” (“bom pastor”), a composição recorda a exortação que lhe foi dirigida pelo Ressuscitado às margens do mar da Galileia: “Apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo 21,15-19).

Note-se que Pedro é referido como “bom pastor” com letra minúscula, uma vez que o “Bom Pastor” com letra maiúscula é o próprio Cristo (cf. Jo 10,1-16). Assim como os batizados se tornam “filhos no Filho” (cf. Rm 8,29; Gl 3,26; 4,4-7; Ef 1,5), podemos dizer que os Apóstolos e seus sucessores são “pastores no Pastor”, pois participam da missão de Cristo-Pastor (cf. Mt 28,18-20; At 1,8).

O núcleo da súplica, por sua vez, recorda-nos o próprio Evangelho da Festa da Cátedra de São Pedro (e da Solenidade de São Pedro e São Paulo): Mt 16,13-19. Em uma tradução mais literal a estrofe pede:

“Agora, ó Pedro, bom pastor, acolhe clemente as súplicas dos que te suplicam, e desata os laços do pecado, pela autoridade que te foi confiada, pela qual a todos, com uma palavra, abres e fechas o céu”.

Primado de Pedro
(Igreja de São Pedro e São Paulo, Kastelruth)

O poder de “abrir e fechar os céus” é confiado a Pedro por Jesus após sua profissão de fé em Cesareia de Filipe: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19; cf. Is 22,22).

O poder de “desatar os laços do pecado”, por sua vez, foi dado pelo Cristo Ressuscitado aos Apóstolos reunidos no Cenáculo na tarde da Páscoa: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,22-23).

b) 2ª estrofe: Doctor egrégie, Paule

Passando ao “doutor egrégio” (ou “mestre dos povos”, na tradução oficial), a súplica começa recordando os ensinamentos morais de Paulo, presente em toda a sua obra, sobretudo na Primeira Carta aos Coríntios.

Os primeiros dois versos da estrofe pedem, em uma tradução mais literal: “Doutor egrégio, ó Paulo, ordena os nossos costumes (isto é, o nosso modo de agir) e faz com que nossa mente se eleve ao céu...”.

A mente (ou o coração) elevada para o céu remete ao episódio da “conversão” do Apóstolo no caminho de Damasco (cf. At 9,1-19), que ele mesmo interpreta como um “arrebatamento para o céu” em 2Cor 12,1-5.

A conversão de Paulo
(Igreja de São Pedro e São Paulo, Kastelruth)

Os dois versos seguintes, por sua vez, remetem ao texto de 1Cor 13,8-13, a conclusão do célebre “hino à caridade”, na qual se exprime o desejo de passar de uma visão terrena, limitada, à contemplação de Deus “face a face” no céu:

“(...) até o momento em que nos seja concedido o que é pleno e perfeito, e desapareça o que é limitado”.

A tradução oficial para o português do Brasil, por sua vez, adapta o texto, remetendo-nos à 2ª leitura da Solenidade de São Pedro e São Paulo, 2Tm 4,6-8.17-18, com a referência à “corrida” em busca do prêmio (cf. também 1Cor 9,24):

“Ó Paulo, mestre dos povos, ensina-nos teu amor: correr em busca do prêmio, chegar ao Cristo Senhor”.

c) 3ª estrofe: Sit Trinitáti sempitérna glória

Por fim, como é costume nos hinos da Liturgia das Horas, a última estrofe é formada por uma doxologia (uma breve fórmula de louvor) dirigida à Santíssima Trindade.

A doxologia recorda, outrossim, a Unidade da Trindade e sua autoridade que permanece eternamente: “À Trindade seja dada glória eterna, honra, poder e louvor (júbilo) na Unidade, cujo império permanece desde agora e para sempre, pelos séculos eternos. Amém”.

São Pedro e São Paulo (Francesco Conti)

Notas:

[1] cf. Memória da Dedicação das Basílicas de São Pedro e de São Paulo, Apóstolos (18 d e novembro): Antífona de entrada (Sl 44,17-18). in: MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 703.

[2] cf. LENTINI, Anselmo. Hymnorum series in Liturgia Horarum. in: Notitiae, n. 83 - vol. 9 (1973), n. 5 (maio), pp. 179-192.

[3] AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, pp. 202-203; 210.


[5] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, pp. 1210-1211; 1271; v. IV, p. 1461. Para a Festa da Cátedra de São Pedro a edição brasileira traz erroneamente o hino completo, sendo que deveria ser omitida a 2ª estrofe.

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