História da Memória da Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo

Em nossas postagens anteriores apresentamos o sentido eclesial da Festa da Dedicação da Basílica do Latrão, celebrada pelo Rito Romano no dia 09 de novembro como sinal de comunhão com o Papa, bem como traçamos um breve histórico da sua celebração.

Dando continuidade a esta proposta, gostaríamos de ampliar a reflexão, traçando a história das celebrações da dedicação de outras duas Basílicas Maiores: São Pedro no Vaticano e São Paulo na via Ostiense.

Basílica de São Pedro no Vaticano

Diferentemente da Dedicação da Basílica do Latrão, de caráter “eclesial” - o que fica claro por seu grau de “Festa” e pelo uso dos textos do Comum da dedicação de uma igreja -, a dedicação das demais Basílicas Maiores possui um caráter mais “devocional”, Portanto, possuem o grau de Memória facultativa e, no caso de São Pedro e São Paulo, tomam os textos do Comum dos Apóstolos, como veremos a seguir.

Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo, Apóstolos: 18 de novembro

Como indica o próprio “comentário” do Missal Romano a esta celebração: “Os Príncipes dos Apóstolos, Pedro e Paulo, estão sempre associados na Liturgia da Igreja Romana” [1].

Com efeito, assim como os dois Apóstolos martirizados em Roma durante a perseguição de Nero (64 a 68) são celebrados juntos na Solenidade do dia 29 de junho, também o aniversário da dedicação das suas respectivas Basílicas é comemorado no mesmo dia.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre a história da Solenidade do dia 29 de junho clicando aqui.

Eusébio de Cesareia (†339), no final do Livro II da sua História Eclesiástica indica que no tempo do Papa Zeferino (199-217) os túmulos dos dois Apóstolos já eram um local de culto, como testemunha o presbítero Caio (ou Gaio): “Eu, porém, posso mostrar o troféu dos Apóstolos. Se, pois, queres ir ao Vaticano ou à Via Ostiense, encontrarás os troféus dos fundadores desta Igreja” [2]. Os túmulos dos mártires são um “troféu” (trophaeum), um testemunho de sua vitória.

A histórica imagem de São Pedro venerada na Basílica Vaticana

a) A Basílica de São Pedro

Pedro teria sido crucificado no circo de Nero e sepultado em um local próximo, na colina do Vaticano. Esta não é uma das sete colinas principais de Roma, situando-se fora das muralhas da cidade até o século IX. Seu nome poderia estar associado a “vaticinia” (“profecia” em latim), sendo talvez um local de adivinhos e oráculos.

A primitiva Basílica em honra de São Pedro teria sido construída entre os anos 326 e 333, logo após a Basílica do Latrão (324), ainda no tempo do Imperador Constantino (†337), sendo dedicada pelo Papa São Silvestre I (†335). Alguns estudiosos, porém, indicam que a construção teria se estendido até os anos 350 ou 360.

Altar da cátedra da Basílica de São Pedro

Após o período em que os Papas residiram em Avignon, na França (1309-1377), a residência do Bispo de Roma deixou de ser junto a Basílica do Latrão e passou a ser junto à Basílica de São Pedro, que foi restaurada.

O Papa Júlio II (†1513) deu início aos trabalhos de construção de uma nova Basílica, continuado por seus sucessores e por vários arquitetos, como Donato Bramante (†1514) e Michelangelo Buonarroti (†1564).

A igreja paleo-cristã do século IV foi totalmente demolida, e a nova Basílica foi lentamente construída ao seu redor, com um mescla dos estilos renascentista e barroco, entre 1506 e 1626. Foi enfim dedicada pelo Papa Urbano VIII (†1644) no dia 18 de novembro de 1626.

O baldaquino sobre o altar da Confissão, emoldurando ao fundo o altar da Cátedra

A fachada, por sua vez, concluída em 1612, traz o nome do Papa Paulo V (†1621). Sobre a Basílica estão as estátuas de Cristo, de São João Batista e dos Doze Apóstolos, exceto de São Pedro e São Paulo, cujas estátuas estão na Praça.

A célebre Praça de São Pedro, com efeito, foi projetada por Gian Lorenzo Bernini (†1680) - que já havia projetado tanto o grande baldaquino sobre o altar da Confissão como o altar da Cátedra -, realizada entre os anos de 1657 e 1667.

b) A Basílica de São Paulo

Paulo, assim como Pedro, teria sido martirizado sob Nero, decapitado junto à via Ostiense (isto é, na estrada que conduz ao porto de Óstia), e sepultado nas proximidades, fora dos muros da cidade. Por isso sua igreja é conhecida como Basílica de São Paulo fora-dos-muros (ou extra-muros).

No local do sepultamento do Apóstolo foi edificada uma primitiva igreja no tempo de Constantino, no mesmo período em que era construída a Basílica de São Pedro.

Basílica de São Paulo fora-dos-muros na via Ostiense

O Imperador Teodósio I (†395) ordenou em 386 a construção de uma basílica ainda maior no local, que teria sido dedicada em 390 pelo Papa Sirício (†399). Porém, só teria sido concluída no pontificado de São Leão Magno (†461).

Essa segunda basílica, reformada pelo Papa São Gregório Magno (†604), foi quase totalmente destruída por um incêndio acidental no dia 15 de julho de 1823. Sobreviveram ao incêndio apenas alguns mosaicos, além do “cibório” ou baldaquino sobre o altar e o candelabro do círio pascal, realizados por Arnolfo de Cambio no final do século XIII.

O baldaquino ou "cibório" sobre o altar e o túmulo do Apóstolo

O Papa Pio VII morreria alguns dias após o incêndio. Assim, coube ao seu sucessor, Leão XII (†1829) iniciar os trabalhos de reconstrução da Basílica, que seriam dirigidos pelo arquiteto Luigi Poletti (†1869). Nesse período foi construído o quadripórtico que protege a igreja, ao redor de um átrio com um jardim e a estátua de São Paulo.

A Basílica atual foi dedicada pelo Papa Pio IX (†1878) no dia 10 de dezembro de 1854, dois dias após a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, com uma ampla participação de Cardeais e Bispos.

Na sequência, entre 1854 e 1874, foram concluídos os mosaicos da fachada, representando os quatro “Profetas Maiores” (Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel), o Cordeiro de Deus e Cristo entre os Apóstolos Pedro e Paulo.

Os mosaicos da fachada da Basílica de São Paulo

Cabe recordar, por fim, que o cuidado espiritual da Basílica de São Paulo fora-dos-muros é confiado desde o tempo de São Gregório Magno a um grupo de monges. Em 937 a igreja foi confiada à Ordem de Cluny, um ramo da ordem beneditina. Posteriormente, o Papa Martinho V (†1431) confirmou a Basílica como abadia da Ordem Beneditina.

Por essa razão, São Paulo fora-dos-muros não possui um colégio de cônegos, como as outras três Basílicas Maiores. Os cônegos encarregam-se de garantir a celebração da Missa, da Liturgia das Horas e do sacramento da Reconciliação, ofícios que na Basílica de São Paulo estão a cargo dos próprios monges beneditinos.

A Basílica também não possuía um Arcipreste até 2005, quando o Papa Bento XVI instituiu este ofício, de modo a vincular ainda mais a igreja do “Apóstolo das Nações” ao Bispo de Roma.

Mosaicos da abside da Basílica de São Paulo

A Memória facultativa do dia 18 de novembro

Como vimos acima, a data de 18 de novembro foi a escolhida para a dedicação da Basílica Vaticana em 1626. Porém, essa data é testemunhada desde os séculos XI-XII.

O Cardeal Alfredo Ildefonso Schuster, como vimos em nossa postagem anterior, grande historiador da Liturgia, observa que os antigos Martirológios e Sacramentários não mencionam o aniversário da dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo.

Não está clara, portanto, a razão da escolha dessa data, embora o Cardeal Schuster proponha que esta tenha sido escolhida em relação à dedicação da Basílica do Latrão, celebrada no dia 09 de novembro.

Assim como essa celebração, com efeito, a dedicação das basílicas dos Apóstolos só foi inserida no Calendário Romano Geral após o Concílio de Trento, no Missal promulgado por São Pio V (†1572) em 1570.

Nave da Basílica de São Pedro

Até a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II não haviam orações próprias para esse dia, tomando-se os textos do Comum da dedicação de uma igreja. O Missal Romano promulgado por São Paulo VI, porém, propõe novas orações, ressaltando as figuras dos dois Apóstolos.

Como testemunha Enzo Lodi, a oração do dia dessa Memória é inspirada em dois textos do Sacramentário Veronense ou Leoniano (século VI); a oração sobre as oferendas é tomada do Missale parisiense de 1738; e a oração após a Comunhão é inspirada em uma antiga oração para a Festa da Conversão de São Paulo (25 de janeiro). Toma-se o Prefácio dos Apóstolos I.

As leituras também são próprias: At 28,11-16.30-31; Sl 97(98),1-6 (R.: 2b); Mt 14,22-33. As mesmas leituras são indicadas para a Missa votiva dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo (as orações da Missa votiva, porém, tomam-se da Vigília da Solenidade de 29 de junho).

Destaque também para o hino das Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, com três estrofes: a primeira em honra de São Pedro (Iam, bone pastor, Petre - Ó Pedro, pastor piedoso); a segunda em honra de São Paulo (Doctor egrégie, Paule - Ó Paulo, mestre dos povos); e a terceira em honra da Trindade.

Enquanto na Festa da Conversão de São Paulo (25 de janeiro) entoa-se a 2ª e a 3ª estrofes e na Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) a 1ª e a 3ª, na Memória da dedicação das duas Basílicas entoa-se o hino completo [3].

Nave da Basílica de São Paulo

Com efeito, como indica o “elogio” dessa celebração no Martirológio Romano, “(...) nesta comum comemoração é simbolicamente evocada a fraternidade dos Apóstolos e a unidade da Igreja” [4].

Concluímos com a oração do dia dessa Memória:

“Ó Deus, guardai sob a proteção dos Apóstolos Pedro e Paulo a vossa Igreja, que deles recebeu a primeira semente do Evangelho, e concedei que por eles receba até o fim dos tempos a graça que a faz crescer. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém”

(Missal Romano, p. 703).

Notas:

[1] MISSAL ROMANO, Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 703.

[2] EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, 2000, p. 111 (Coleção: Patrística, vol. 15).

[3] cf. OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV: , p. 1461.

[4] Fonte: Secretariado Nacional de Liturgia - Portugal.

Referências:

ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 134-136.

LODI, Enzo. Os Santos do Calendário Romano: Rezar com os Santos na Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, pp. 539-543.

SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber sacramentorum, v. IX: Le Feste dei Santi dalla Dedicazione di S. Michele all'Avvento. Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 156-163.

Para a história e a arquitetura das Basílicas utilizamos sobretudo suas respectivas seções no site da Santa Sé: São Pedro; São Paulo.