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quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Catequeses sobre os Salmos (42): Vésperas da terça-feira da II semana

Nesta postagem propomos as Catequeses do Papa João Paulo II sobre os salmos e o cântico das Vésperas da terça-feira da II semana do Saltério, proferidas nos dias 20 de outubro (Sl 48,2-13), 27 de outubro (Sl 48,14-21) e 03 de novembro de 2004 (Ap 4,11; 5,9-10.12).

122. A ilusão das riquezas I: Sl 48(49),2-13
20 de outubro de 2004

1. A nossa meditação acerca do Salmo 48 será marcada por duas etapas, precisamente como faz a Liturgia das Vésperas, que o propõe em dois tempos. Comentaremos agora de maneira essencial a primeira parte, na qual a reflexão se inspira numa situação de mal-estar, como no Salmo 72. O justo deve enfrentar “dias maus e infelizes”, porque o circunda “a malícia dos perversos”, que “se gloriam na abundância de seus bens” (vv. 6-7).
A conclusão a que chega o justo é formulada como uma espécie de provérbio, que se reencontrará também no final do Salmo. Ela sintetiza de modo límpido a mensagem dominante da composição poética: “Não dura muito o homem rico e poderoso; é semelhante ao gado gordo que se abate” (vv. 13.21). Em outras palavras, a “grande riqueza” não é uma vantagem, ao contrário! É melhor ser pobre e unido a Deus.

2. No provérbio parece ressoar a voz austera de um antigo sábio bíblico, o Eclesiastes ou Qhoelet, quando descreve o destino aparentemente igual de cada criatura viva, o da morte, que torna completamente vão o apego frenético às coisas terrenas: “Assim como saiu nu do ventre de sua mãe, de novo nu partirá como veio, e nada levará do seu esforço, nada nas mãos quando se for... Porque é o mesmo o destino dos filhos dos homens e o destino dos animais; um mesmo fim os espera... Todos vão para um mesmo lugar” (Ecl 5,14; 3,10-20).

"Poderosos e humildes escutai-me; ricos e pobres, todos juntos, sede atentos" (Sl 48,3)
(Sermão da Montanha - Carl Bloch)

3. Uma profunda obtusidade se apodera do homem quando se ilude que pode evitar a morte preocupando-se por acumular bens materiais: não é casualmente que o salmista fala de um “não compreender” com uma marca quase grosseira.
Contudo, o tema será explorado por todas as culturas e espiritualidades e será expresso na sua substância de maneira definitiva por Jesus que declara: “Guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens” (Lc 12,15). Depois ele narra a famosa parábola do rico insensato, que acumula bens sem medida não pensando na cilada que a morte lhe está preparando (cf. Lc 12,16-21).

4. A primeira parte do Salmo centra-se completamente nesta ilusão que conquista o coração do rico. Ele está convencido que consegue “comprar” também a morte, procurando quase corrompê-la, um pouco como fez para obter todas as outras coisas, ou seja, o sucesso, o triunfo sobre o próximo no âmbito social e político, a prevaricação impune, a saciedade, os confortos, os prazeres.
Mas o salmista não hesita em qualificar esta pretensão estulta. Ele recorre a uma palavra que tem um valor também financeiro, “resgate”: “Ninguém se livra de sua morte por dinheiro nem a Deus pode pagar o seu resgate. A isenção da própria morte não tem preço; não há riqueza que a possa adquirir, nem dar ao homem uma vida sem limites e garantir-lhe uma existência imortal” (vv. 8-10).

5. O rico, apegado às suas imensas fortunas, está convencido de que consegue dominar também a morte, do modo como dispôs de tudo e de todos com o dinheiro. Mas por maior que seja a cifra que está disposto a oferecer, o seu destino será inexorável. De fato, ele, como todos os homens e mulheres, ricos ou pobres, sábios ou estultos, deverá encaminhar-se para o túmulo, assim como aconteceu também com os poderosos, e deverá deixar na terra aquele ouro tão amado, aqueles bens materiais tão idolatrados (vv. 11-12).
Jesus insinua aos seus ouvintes esta pergunta perturbadora: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?” (Mt 16,26). Não é possível mudança alguma porque a vida é dom de Deus, que “tem em suas mãos a vida de todo o ser vivo, e o sopro de vida de todos os homens” (12,10).

6. Entre os Padres que comentaram o Salmo 48 merece uma atenção particular Santo Ambrósio, que alarga o seu sentido segundo uma visão mais ampla, precisamente a partir do convite inicial do salmista: “Ouvi isto, povos todos do universo, muita atenção, ó habitantes deste mundo” (v. 2).
O antigo Bispo de Milão comenta: “Reconhecemos aqui, precisamente no início, a voz do Senhor Salvador que chama os povos para a Igreja, para que renunciem ao pecado, se tornem seguidores da verdade e reconheçam a vantagem da fé”. De resto, “todos os corações das várias gerações humanas eram impuros com o veneno da serpente e a consciência humana, escrava do pecado, não era capaz de se afastar dele”. Por isso o Senhor “promete, por sua iniciativa, o perdão na generosidade da sua misericórdia, para que o culpado não tenha mais receio, mas, em total consciência, se alegre por ter que oferecer agora os seus ofícios de servo ao Senhor bom, que soube perdoar os pecados, premiar as virtudes” (Comentário a doze salmos, n. 1: Saemo, VIII, Milão-Roma, 1980, p. 253).

7. Sente-se ressoar, nessas palavras do Salmo, o convite evangélico: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo...” (Mt 11,28-29). Ambrósio continua: “Como quem virá para visitar os doentes, como um médico que virá para curar as nossas feridas dolorosas, assim Ele nos oferece a cura, para que os homens o ouçam bem e todos corram com solicitude confiante para receber o remédio da cura... Chama todos os povos à nascente da sabedoria e do conhecimento, a todos promete a redenção, para que ninguém viva na angústia, para que ninguém viva no desespero” (n. 2: ibid., pp. 253.255).

123. A ilusão das riquezas II: Sl 48(49),14-21
27 de outubro de 2004

1. A Liturgia das Vésperas, no seu desenvolvimento progressivo, apresenta-nos de novo o Salmo 48, de tipo sapiencial, do qual agora foi proclamada a segunda parte (vv. 14-21). Como a precedente (vv. 1-13) sobre a qual já refletimos, também esta parte do Salmo condena a ilusão gerada pela idolatria da riqueza. Esta é uma das tentações constantes da humanidade: apegando-se ao dinheiro, considerado dotado de uma força invencível, se ilude de poder “comprar também a morte”, afastando-a de si.

2. Na realidade, a morte irrompe com a sua capacidade de arrasar qualquer ilusão, destruindo todos os obstáculos, humilhando qualquer confiança em si mesmo (v. 14) e encaminhando ricos e pobres, soberanos e súditos, estultos e sábios para o além. Eficaz é a imagem que o salmista esboça, apresentando a morte como um pastor que conduz com mão firme o rebanho das criaturas corruptíveis (v. 15). Por conseguinte, o Salmo 48 propõe-nos uma meditação realista e severa sobre a morte, meta iniludível e fundamental da existência humana.
Com frequência nós procuramos de todas as formas ignorar esta realidade, afastando o seu pensamento do nosso horizonte. Mas esta fadiga, além de ser inútil, é também inoportuna. A reflexão sobre a morte, de fato, revela-se benéfica porque relativiza tantas realidades secundárias que infelizmente absolutizamos, precisamente como a riqueza, o sucesso, o poder... Por isso, um sábio do Antigo Testamento, Ben Sirac, admoesta: “Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim, e jamais haverás de pecar” (Eclo 7,36).

3. Mas eis no nosso Salmo uma mudança decisiva. Se o dinheiro não consegue “resgatar-nos” da morte (v. 8-9), há, contudo, alguém que nos pode redimir daquele horizonte obscuro e dramático. De fato, diz o salmista: “Deus, porém, me salvará das mãos da morte e junto a si me tomará em suas mãos” (v. 16).
Abre-se assim, para o justo, um horizonte de esperança e de imortalidade. À pergunta feita no início do salmo - “Por que temer?” (v. 6) -, é agora dada a resposta: “Não te inquietes quando um homem fica rico” (v. 17).

4. O justo, pobre e humilhado na história, quando chega à última fronteira da vida, não possui bens, não tem nada para depositar como “resgate” para deter a morte e subtrair-se ao seu abraço gélido. Mas eis a grande surpresa: o próprio Deus deposita um resgate e arranca das mãos da morte o seu fiel, porque Ele é o único que pode vencer a morte, inexorável em relação às criaturas humanas.
Por isto o salmista convida a “não temer” e a não invejar o rico sempre mais arrogante na sua glória (ibid.), porque, quando chegar a morte, será despojado de tudo, não poderá levar consigo nem ouro nem prata, nem fama nem sucesso (vv. 18-19). O fiel, ao contrário, não será abandonado pelo Senhor, que lhe indicará “o caminho para a vida” e irá saciá-lo de “felicidade sem limites, delícia eterna e alegria” ao seu lado (cf. Sl 15,11).
E então poderíamos citar, como conclusão da meditação sapiencial do Salmo 48, as palavras de Jesus, que nos ilustra o verdadeiro tesouro que desafia a morte: “Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de roubá-los. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6,19-21).

6. Em continuidade com as palavras de Cristo, Santo Ambrósio, no seu Comentário ao Salmo 48, recorda de maneira clara e firme a inconsistência das riquezas: “Todas elas são coisas caducas que se vão mais depressa do que vieram. Um tesouro deste tipo não passa de um sonho. Quando acordas, já desapareceu, porque o homem que consegue curar a embriaguez deste mundo e apropriar-se da sobriedade da virtude despreza todas estas coisas e não dá valor algum ao dinheiro” (Comentário a doze salmos, n. 23: Saemo, VIII, Milão-Roma, 1980, p. 275).

7. Por conseguinte, o Bispo de Milão convida a não se deixar atrair ingenuamente pelas riquezas e pela glória humana: “Não tenhas receio, nem sequer quando sentires que engrandeceu a glória de alguma família poderosa! Saiba olhar profundamente, com atenção, e ela se mostrará vazia se não tiver consigo um mínimo da plenitude da fé”. De fato, antes que Cristo viesse, o homem estava arruinado e vazio: “A queda desastrosa daquele antigo Adão esvaziou-nos, mas encheu-nos da graça de Cristo. Ele despojou-se a si mesmo para nos encher e para fazer habitar na carne do homem a plenitude da virtude”. Santo Ambrósio conclui que, precisamente por isto, podemos exclamar agora, com São João: “Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1,16) (cf. ibid.).

124. Hino dos remidos: Ap 4,11; 5,9-10.12
03 de novembro de 2004

1. O cântico agora proposto assinala a Liturgia das Vésperas com a simplicidade e a intensidade de um louvor coral. Ele pertence à solene visão de abertura do Apocalipse, que apresenta uma espécie de Liturgia celestial a que também nós, ainda peregrinos sobre a terra, nos associamos durante as nossas celebrações eclesiais.
O hino, composto por alguns versículos tirados do Apocalipse e unificados pelo uso litúrgico, baseia-se em dois elementos fundamentais. O primeiro, delineado brevemente, é a celebração da obra do Senhor: “Todas as coisas criastes, é por vossa vontade que existem” (v. 11). Com efeito, a criação revela o imenso poder de Deus. Como diz o Livro da Sabedoria, “na grandeza e na beleza das criaturas contempla-se, por analogia, o seu Criador” (Sb 13,5). De modo semelhante, o Apóstolo Paulo observa: “O que é invisível nele (no mundo), o seu poder e divindade tornou visível à inteligência, desde a criação do mundo” (Rm 1,20). Por isso é necessário o cântico de louvor elevado ao Criador, para celebrar a sua glória.

2. Neste contexto, pode ser interessante recordar que o imperador Domiciano, sob cujo reino talvez tenha sido composto o Apocalipse, se fazia chamar com o título de Dominus et Deus noster”, e exigia que só se dirigissem a ele com estes apelativos (cf. Suetônio, Domiciano, XIII).
Obviamente, os cristãos recusavam-se a tributar semelhantes títulos a uma criatura humana, por mais poderosa que fosse, e só dirigiam as suas aclamações de adoração ao verdadeiro “Senhor e Deus nosso”, Criador do universo (v. 11) e Àquele que é, juntamente com Deus, “o Primeiro e o Último” (Ap 1,17), sentado com Deus, seu Pai, no trono celeste (Ap 3,21): Cristo morto e ressuscitado, simbolicamente representado como um “Cordeiro de pé”, embora tenha sido “imolado” (Ap 5,6).

3. De fato, este é o segundo elemento, amplamente desenvolvido, do hino que estamos comentando: Cristo, Cordeiro imolado. Os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos aclamam-no com um cântico que começa com esta aclamação: “Vós sois digno, Senhor nosso Deus, de o livro nas mãos receber e de abrir suas folhas lacradas, porque fostes por nós imolado” (Ap 5,9).
Por isso, o centro do louvor é Cristo, com a sua histórica obra de redenção. Precisamente por isso, Ele é capaz de decifrar o sentido da história: é Ele que “abre os selos” do livro que contém o projeto desejado por Deus.

4. Contudo, a sua não é somente uma obra de interpretação, mas também um ato de realização e de libertação. Porque foi “imolado”, Ele pôde “remir”, “resgatar” (ibid.) homens que provêm das origens mais diversas.
O verbo grego utilizado não remete explicitamente para a história do êxodo, em que nunca se fala de “resgatar” os israelitas; todavia, a continuação da frase contém uma alusão evidente à célebre promessa feita por Deus ao Israel do Sinai: “Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,6).

5. Pois bem, esta promessa tornou-se realidade: de fato, o Cordeiro constituiu-nos para Deus “sacerdotes e povo de reis, e iremos reinar sobre a terra” (v. 10), e este reino está aberto à humanidade inteira, chamada a formar a comunidade dos filhos de Deus, como recordará São Pedro: “Vós, porém, sois linhagem escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido em propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável” (1Pd 2,9).
O Concílio Vaticano II faz referência explícita a estes textos da Primeira Carta de Pedro e do Livro do Apocalipse quando, apresentando o “sacerdócio comum” que pertence a todos os fiéis, explica as modalidades com que eles o exercem: “Os fiéis têm uma parte na oblação da Eucaristia, por virtude do seu sacerdócio régio, e exercem-no na recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças, no testemunho de uma vida santa, pela abnegação e por uma caridade ativa” (Lumen Gentium, n. 10).

6. O hino do Livro do Apocalipse, que hoje meditamos, conclui-se com uma aclamação final, proclamada por “miríades de miríades” de anjos (v. 11). Ele diz respeito ao “Cordeiro imolado”, a quem é atribuída a mesma glória destinada a Deus Pai, porque “é digno de receber honra, glória e poder, sabedoria, louvor, divindade” (v. 12). É o momento da contemplação pura, do louvor jubiloso, do cântico de amor a Cristo no seu Mistério Pascal.
Esta imagem luminosa da glória celeste é antecipada na Liturgia da Igreja. Efetivamente, como recorda o Catecismo da Igreja Católica, a Liturgia é “ação” do Cristo todos (“Christus totus”). Aqueles que aqui a celebram já vivem, de certa forma, para além dos sinais, na Liturgia celeste, onde a celebração é totalmente comunhão e festa. É desta Liturgia eterna que o Espírito e a Igreja nos tornam participantes quando celebramos, nos sacramentos, o mistério da salvação (cf. nn. 1136.1139).

"O Cordeiro imolado é digno e receber honra, glória e poder..." (Ap 5,12)
(Cordeiro de Deus sobre o trono, tendo diante de si o livro de sete selos - Basílica dos Santos Cosme e Damião, Roma)

Fonte: Santa Sé (20 de outubro, 27 de outubro e 03 de novembro de 2004).

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