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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Hinos da Solenidade de Todos os Santos: Ofício das Leituras

“Ao Senhor glorificado na assembleia de seus santos, vinde todos, adoremos!”.

No contexto da Solenidade de Todos os Santos, celebrada no Rito Romano no dia 01 de novembro (ou, no Brasil, transferida para o domingo seguinte), em nossa postagem anterior começamos a apresentar seus três hinos próprios para a Liturgia das Horas:
I e II Vésperas: Christe, redémptor ómnium, consérva tuos fámulos (Redentor de todos, Cristo);
Ofício das Leituras: Christe, caelórum habitátor alme (Dos santos todos fostes caminho);
Laudes: Iesu, salvátor saeculi (Jesus, que o mundo salvastes).

Confira também nossa postagem sobre a história dessa Solenidade, clicando aqui.

Pala de Todos os Santos
(Atribuída a Antonio Boselli - Basílica de Santa Maria, Bérgamo - séc. XVI)

Após o hino das Vésperas, trazemos aqui o hino do Ofício das Leituras, Christe, caelórum habitátor alme (Dos santos todos fostes caminho), composição anônima do século X.

Confira a seguir seu texto original em latim e sua tradução oficial para o português do Brasil, além de alguns comentários sobre a sua teologia.

Ofício das Leituras: Christe, caelórum habitátor alme

Christe, caelórum habitátor alme,
vita sanctórum, via, spes salúsque,
hóstiam clemens, tibi quam litámus,
súscipe laudis.

Omnium semper chorus angelórum
in polo temet benedícit alto,
atque te sancti simul univérsi
láudibus ornant.

Vírginis sanctae méritis Maríae
atque cunctórum páriter piórum,
cóntine poenam, pie, quam merémur
daque medélam.

Hic tuam praesta celebráre laudem,
ut tibi fidi valeámus illam
prósequi in caelis Tríadi canéntes
iúgiter hymnos. Amen [1].

Ofício das Leituras: Dos santos todos fostes caminho

Dos santos todos fostes caminho,
vida, esperança, Mestre e Senhor:
ouvi agora nossos louvores,
ó Redentor.

No céu, aos coros dos anjos todos
juntam os santos a sua voz:
todos unidos, a bendizer-vos,
pedem por nós.

Ouvindo as preces da Virgem Santa,
dos santos todos a intercessão,
afaste as penas, que merecemos,
vosso perdão.

Com o Pai e o Espírito, aqui na terra,
dai-nos louvar-vos, único Deus,
e auxiliados por tantos santos
subir aos céus [2].

Jesus: Caminho, Verdade e Vida

Comentário:

Diferentemente do hino das Vésperas, que já estava presente no Breviarium Romanum anterior à reforma litúrgica (embora em uma versão ligeiramente distinta), o hino do Ofício das Leituras da Solenidade de Todos os Santos é mais um dos tesouros do patrimônio histórico e litúrgico da Igreja redescobertos após o Concílio Vaticano II.

Com efeito, o grupo encarregado da revisão dos hinos, coordenado pelo Padre Anselmo Lentini, O.S.B. [3], resgatou essa composição poética anônima do século X. Como testemunha Félix Arocena, o hino foi composto originalmente para a dedicação de igreja, sendo agora adaptado para a celebração do dia 01 de novembro [4].

a) 1ª estrofe:

A primeira das quatro estrofes do hino está inteiramente dirigida àquele que é a “coroa de todos os santos”: Cristo, referido como “habitante benigno do céu” (caelórum habitátor alme).

O adjetivo almus, usado aqui, pode ser traduzido como “benigno” ou como “santo”. A tradução espanhola opta por “glorioso”, enquanto a tradução para o inglês usa “amoroso”: “O Christ, loving dweller in the heavens” [5].

O segundo verso dessa 1ª estrofe, por sua vez, é aquele que foi adaptado, uma vez que originalmente fazia referência à igreja a ser dedicada: “hec domus fulget sub honore” - “esta casa refulge em tua honra”.

Como testemunha Arocena, o verso foi substituído pelo início de outro hino da Liturgia das Horas: “Vita sanctórum, via, spes salúsque” (Vida dos santos, caminho, esperança e salvação), hino do Ofício das Leituras das semanas II e IV do Saltério [6].

Os anjos e santos em adoração ao Cordeiro
(Hubert e Jan van Eyck - Retábulo da Catedral de Ghent, Bélgica - séc. XV)

Os dois últimos versos da estrofe, por fim, compõem uma espécie de oferecimento do hino a Cristo: “hóstiam clemens, tibi quam litámus, súscipe laudis” - “acolhe, clemente, este sacrifício de louvor que Te oferecemos”. Com efeito, o louvor (laus) é aqui literalmente uma “vítima”, hóstia, a ser oferecida em sacrifício (litámen).

b) 2ª estrofe:

A 2ª estrofe remete-nos à conclusão do Prefácio da Oração Eucarística, que precede imediatamente o canto do “Sanctus”, uma vez que recorda o louvor oferecido a Deus pelos Anjos e Santos.

Os primeiros dois versos são dedicados aos Anjos: “Omnium semper chorus angelórum in polo temet benedícit alto” - “Todo o coro dos anjos Te bendiz para sempre no alto do céu”.

Seguem-nos, nos versos seguintes, os Santos: “atque te sancti simul univérsi láudibus ornant” - “junto com todos os santos, que Te adornam com louvores”.

c) 3ª estrofe:

Após as duas primeiras estrofes centradas no “sacrifício de louvor” a ser oferecido a Deus, na 3ª estrofe Lhe apresentamos uma súplica, na qual invocamos a intercessão dos Santos, particularmente daquela que é “rainha de todos os Santos”: a Virgem Maria.

Com efeito, a estrofe começa invocando “os méritos da santa Virgem Maria” (Vírginis sanctae méritis Maríae), unidos aos méritos de “todos os devotos” (atque cunctórum páriter piórum), isto é, de todos os Santos.

Cristo, no colo de Maria, venerado por anjos e santos
(Duccio di Buoninsegna - "Maestà" da Catedral de Siena - séc. XIV)

Unidos às “almas piedosas”, invocamos aquele que é o Piedoso por excelência: Deus Misericordioso e Clemente (cf. Ex 34,6-7), o “Santo” na tradução inglesa (O holy one). A Ele, pois, suplicamos que “reduza a pena que merecemos” e “conceda-nos o perdão” (ou a cura, medéla): “cóntine poenam, Pie, quam merémur daque medélam”.

d) 4ª estrofe:

Por fim, a conclusão do poema, como na grande maioria dos hinos da Liturgia das Horas, é uma doxologia (breve fórmula de louvor) em honra da Santíssima Trindade.

Hic tuam praesta celebráre laudem, ut tibi fidi valeámus illam prósequi in caelis Tríadi canéntes iúgiter hymnos” - “Faz com que aqui [na terra] celebremos Teu louvor, para que, fiéis a Ti, possamos prosseguir [esse louvor] no céu, cantando continuamente hinos à Trindade”.

O termo usado aqui para “continuamente”, iúgiter, remete à água corrente, ao fluxo perene de um rio (jugis). Recordemos, neste sentido, o rio de água viva que brota do trono do Cordeiro no capítulo 22 do Livro do Apocalipse.

Na tradução brasileira, por sua vez, a doxologia é dirigida diretamente ao Filho que, com efeito, é o destinatário de todo o hino, como fica claro na 1ª estrofe. A nossa tradução também recorda novamente os santos nessa doxologia:

“Com o Pai e o Espírito, aqui na terra, dai-nos louvar-vos, único Deus, e auxiliados por tantos santos subir aos céus. Amém”.

Ícone oriental de Todos os Santos (séc. XVI)

Para saber mais sobre o ícone bizantino de Todos os Santos, clique aqui

Notas:


[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, p. 1416.

[3] cf. BUGNINI, Annibale. A reforma litúrgica: 1948-1975. São Paulo: Paulinas; Paulus; Loyola, 2018, pp. 461-463.

[4] AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, p. 313.

[5] Domini res gestas narrare laudare est: Hymns of the Liturgia Horarum: All Saints.

[6] AROCENA, op. cit., p. 313. Para o hino Vita sanctórum, composto no século IX pelo monge beneditino Valafrido Estrabão (Walafridus Strabo), cf. pp. 75-76. 

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