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quarta-feira, 14 de julho de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 01

“Na sua doutrina, vida e culto a Igreja perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo aquilo em que acredita” (cf. Diretório para a Catequese, n. 28).

Em nossa postagem anterior apresentamos o novo Diretório para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização no dia 23 de março de 2020 [1].

Agora começaremos a analisar o Diretório sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular. Nesta primeira parte abordaremos a Apresentação, a Introdução (nn. 1-10) e o capítulo I: “A Revelação e a sua transmissão” (nn. 11-54).

Apresentação

Já na Apresentação do Diretório, assinada pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Dom Rino Salvatore Fisichella, e pelo então Secretário, Dom Octavio Ruiz Arenas, encontramos três referências à Liturgia.

Capa da tradução brasileira do Diretório (Edições CNBB)

Recordando a “caminhada” da Catequese desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), que apresentamos brevemente em nossa postagem anterior, a Apresentação cita o n. 14 do Decreto Christus Dominus sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja.

Ao exortar os Bispos a cuidar da instrução catequética em suas Dioceses, o documento conciliar recorda que esta deve ser fundamentada “na Sagrada Escritura, na Tradição, na Liturgia, no Magistério e na vida da Igreja”. Fica claro desde o início, portanto, que a Liturgia é uma das fontes primordiais da Catequese (tema aprofundado nos nn. 95-98).

Na sequência, apresentando as contribuições específicas do novo Diretório, citam-se os fenômenos da globalização e da cultura digital, que podem levar ao individualismo. Portanto, se propõe uma formação para a vida da fé que valorize a esfera da comunidade.

Essa dimensão comunitária da Catequese exprime-se, com efeito, na Liturgia e no exercício da caridade: “A exigência de exprimir a fé com a oração litúrgica e de testemunhá-la com a força da caridade exige saber ultrapassar o caráter fragmentário das propostas para recuperar a unidade originária do ser cristão”.

Por fim, a última referência à Liturgia na Apresentação diz respeito ao querigma, isto é, ao núcleo fundamental da mensagem cristã: o Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo.

Tanto Catequese quanto Liturgia têm o seu núcleo no querigma, o que se exprime no célebre adágio lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da fé), recordado aqui: “a lex credendi abandona-se à lex orandi e, juntas, realizam o estilo de vida do fiel como testemunho de amor que torna o anúncio credível” [2].

Ou seja, a fé acreditada é a fé celebrada: a Igreja crê aquilo que celebra e celebra aquilo que crê. Catequese e Liturgia, mais uma vez, como “irmãs gêmeas” inseparáveis.

Junto ao querigma será importante também ao longo do documento o conceito de mistagogia, palavra que significa conduzir ao mistério. Catequese e Liturgia são como uma espiral ascendente: girando em torno do seu núcleo fundamental, o querigma, nos conduzem gradativamente pelos mistérios de Cristo rumo à santidade.

“A santidade”, com efeito, “é a palavra decisiva que se pode pronunciar ao apresentar um novo Diretório para a Catequese”, recordando aqui mais uma contribuição do Papa Francisco: a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo atual (2018).

A espiral ascendente, símbolo da mistagogia que gira ao redor do querigma

Introdução (nn. 1-10)

Entrando no texto do Diretório propriamente dito, começamos identificando duas referências à Liturgia nos dez parágrafos que compõem a Introdução.

Já no primeiro parágrafo do documento afirma-se a estreita relação entre Catequese, Liturgia e caridade, “tríade” que remete ao tríplice múnus de Cristo (profeta, sacerdote e rei-pastor), do qual todos participamos pelo Batismo:“A Catequese se relaciona com a Liturgia e com a caridade para evidenciar a unidade constitutiva da vida nova emanada do Batismo” (n. 01).

Na sequência, o número 02 recolhe a dupla dimensão da Catequese proposta pelo Papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nn. 164-166): catequese querigmática e catequese como iniciação mistagógica.

Particularmente em relação à mistagogia, destaca-se a Catequese como “experiência formativa progressiva e dinâmica; rica em sinais e linguagens; favorável à integração de todas as dimensões da pessoa”. Dentre esses sinais e linguagens está a Liturgia, como será aprofundado adiante.

Vale recordar desde já que “riqueza de sinais” não significa “multiplicar os sinais”, mas sim valorizar os já existentes, compreendendo seu sentido e linguagem próprios.

PRIMEIRA PARTE: A CATEQUESE NA MISSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA

Capítulo I: A Revelação e a sua transmissão

Com o capítulo I entramos na primeira parte do Diretório, que se estende até o capítulo IV e oferece os fundamentos da Catequese.

O primeiro capítulo, subdividido em quatro seções, trata da Revelação e da sua transmissão, recolhendo sobretudo as reflexões da Constituição Dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II (1965); e da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini, do Papa Bento XVI (2010).

1.1 Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai (nn. 11-16)
1.2 A fé em Jesus Cristo: A resposta a Deus que se revela (nn. 17-21)

As primeiras duas seções do capítulo apresentam a dinâmica própria da Revelação: a iniciativa de Deus que se dá a conhecer e a resposta do homem através da fé.

Essa dinâmica verifica-se também na ação litúrgica. Deus sempre toma a iniciativa: nos reúne, nos fala, nos santifica e nos envia em missão. Nós respondemos com nosso louvor, nossa ação de graças, nossa profissão de fé, nossas súplicas...

Ícone de Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai

Destaque para o título da primeira seção: “Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai”. Fica claro que Jesus não é apenas o conteúdo da mensagem (revelação), mas também o seu sujeito (revelador).

Vale recordar aqui a afirmação fundamental do Papa Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Encíclica Deus caritas est, n. 01). Catequese e Liturgia estão a serviço do mesmo fim: o encontro com Cristo.

Também na ação litúrgica Cristo é “conteúdo” e “sujeito” ao mesmo tempo, “sacerdote, altar e cordeiro” (Prefácio da Páscoa V; Missal Romano, p. 425).

Comumente se discute sobre “quem celebra” a Liturgia. A resposta é muito clara: quem celebra é Cristo! A Liturgia é definida pelo Concílio como “obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja” (Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 07). Assim, os fiéis leigos celebram enquanto unidos a Cristo pelo sacramento do Batismo; e os sacerdotes celebram enquanto unidos a Ele pelos sacramentos do Batismo e da Ordem.

E além de sujeito, Cristo é também “objeto" da Liturgia. O que celebramos? A “obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus” realizada por Cristo em toda a sua vida [3], “principalmente pelo Mistério Pascal da sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão” (ibid., n. 05).

Prosseguindo com o texto do Diretório, concluindo a segunda seção, o n. 21 recorda o sacramento do Batismo, pelo qual a fé, que é ato pessoal e ao mesmo tempo possui um caráter relacional e comunitário, é acolhida e participa na fé da Igreja:

“A fé do discípulo de Cristo é acesa, sustentada e transmitida somente na comunhão da fé eclesial, na qual o ‘eu creio’ do Batismo se conjuga com o ‘nós cremos’ de toda a Igreja” [4].

"Eu creio, nós cremos"
Mosaico do Batismo de Cristo circundado pelos Doze Apóstolos

[Para acessar nossa postagem sobre a relação entre os Doze Apóstolos e os doze artigos do Creio, clique aqui]

1.3 A transmissão da Revelação na fé da Igreja (nn. 22-37)
1.4 A evangelização no mundo contemporâneo (nn. 38-54)

Passando à terceira seção do capítulo I, sobre a transmissão da Revelação, tema que prossegue na quarta seção, identificamos outras cinco referências à Liturgia e aos sacramentos.

Primeiramente, no conjunto de parágrafos intitulado “Revelação e evangelização” (nn. 28-30), cita-se o n. 08 da Dei Verbum, que retoma a tríade Catequese-Liturgia-caridade, expressa aqui como doutrina, culto e vida:

“A Igreja, sacramento universal de salvação, obediente às indicações do Espírito Santo, na escuta da Revelação, transmite e sustenta a resposta de fé; ‘na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo aquilo em que acredita’” (n. 28).

O título “O processo da evangelização” (nn. 31-37), por sua vez, descreve no n. 31 o processo da evangelização em três grandes etapas: primeiro anúncio, itinerário catecumenal e na educação permanente da fé.

O primeiro anúncio, embora não mencione diretamente a Liturgia, deve nos fazer refletir sobre a “diaconia” (serviço ou ministério) da acolhida em nossas celebrações. O itinerário catecumenal e a educação permanente da fé, por sua vez, relacionam-se diretamente aos sacramentos:

“A Igreja (...) inicia à fé e à vida cristã, mediante o itinerário catecumenal (catequese, sacramentos, testemunho de caridade, experiência de fraternidade)”; e “mediante a educação permanente da fé, a celebração dos sacramentos e o exercício da caridade, alimenta nos fiéis o dom da comunhão e suscita a missão” (n. 31).

Ainda sobre o itinerário catecumenal (catequese de iniciação), os nn. 34 e 35 apresentam as suas duas grandes etapas, que fazem a “moldura” à recepção dos sacramentos da Iniciação Cristã: o catecumenato e o tempo da purificação e iluminação que os preparam; e o tempo da mistagogia que os aprofunda.

34. “Na comunidade cristã, a catequese, juntamente com os ritos litúrgicos, as obras de caridade e a experiência da fraternidade, ‘inicia no conhecimento da fé e no aprendizado da vida cristã, favorecendo um caminho espiritual que provoca uma ‘progressiva transformação de mentalidade e de costumes’ (Decreto Ad Gentes, n. 13) feita de renúncias e de lutas, mas também de alegrias que Deus concede sem medida’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n. 56c). O discípulo de Jesus Cristo está, então, pronto para a profissão de fé quando, por meio da celebração dos sacramentos de iniciação, é enxertado em Cristo. Esta etapa corresponde ao tempo do catecumenato e ao tempo da purificação e iluminação do itinerário catecumenal (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, nn. 07; 14-36)”;

35. “A ação pastoral alimenta a fé dos batizados e os ajuda no processo permanente de conversão da vida cristã. Na Igreja, ‘o batizado, impulsionado sempre pelo Espírito Santo, alimentado pelos sacramentos, pela oração e pelo exercício da caridade, e ajudado pelas múltiplas formas de educação permanente da fé, procura tornar seu o desejo de Cristo: ‘Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5,48)’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n. 56d). Nisso consiste o chamamento à santidade para entrar na vida eterna. O início dessa etapa corresponde ao tempo da mistagogia no itinerário catecumenal (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, nn. 07; 37-40)”.


Por fim, a última referência à Liturgia no capítulo I encontra-se no n. 37, que elenca várias formas através das quais a Igreja anuncia a Palavra de Deus. Dentre essas se encontram “a homilia e a pregação” e “a piedade popular”. A piedade popular será aprofundada no capítulo X (nn. 336-340), enquanto sobre a homilia remetemos à Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nn. 135-159).

[Atualização: Para acessar a 2ª parte dessa pesquisa, dedicada à primeira seção do capítulo II, clique aqui]

Notas:

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.

[2] Expressão de São Próspero de Aquitânia (séc. VI); cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1124.

[3] “Toda a vida de Cristo é mistério”: Catecismo da Igreja Católica, nn. 512-521.

[4] Sobre este tema, o Diretório remete aos nn. 166-167 do Catecismo da Igreja Católica. Vale recordar também o documento “A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental”, promulgado pela Comissão Teológica Internacional em 2020, que recentemente publicamos aqui em nosso blog.

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