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terça-feira, 27 de abril de 2021

Leitura litúrgica dos Livros de Samuel (2)

“Porque Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente” (2Sm 7,29)

Em nossa série sobre a leitura litúrgica da Sagrada Escritura, iniciamos na postagem anterior o estudo dos Livros de Samuel (que na Bíblia hebraica são um só, razão pela qual os contemplamos juntos). Após uma breve introdução, consideramos sua leitura nas celebrações do Rito Romano a partir do critério da composição harmônica. Passemos agora a analisar o critério da leitura semicontínua.

3. Leitura litúrgica dos Livros de Samuel: Leitura semicontínua

A leitura semicontínua, mencionada no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa [1], consiste na leitura dos principais textos de um livro na sequência, de modo a oferecer aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus.

a) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística, a leitura semicontínua dos Livros de Samuel situa-se entre a I e a IV semanas do Tempo Comum do ano par. Com efeito, nos dias de semana do Tempo Comum leem-se alternadamente livros tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, várias semanas cada um (segundo sua extensão), oferecendo uma visão de conjunto dos principais acontecimentos da história da salvação [2].

As perícopes escolhidas dos nossos livros são:

I semana do Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: 1Sm 1,1-8;
Terça-feira: 1Sm 1,9-20;
Quarta-feira: 1Sm 3,1-10.19-20;
Quinta-feira: 1Sm 4,1-11;
Sexta-feira: 1Sm 8,4-7.10-22a;
Sábado: 1Sm 9,1-4.17-19; 10,1a [3].

Davi translada a Arca da Aliança para Jerusalém
(Pieter van Lint - séc. XVII)

II semana do Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: 1Sm 15,16-23;
Terça-feira: 1Sm 16,1-13;
Quarta-feira: 1Sm 17,32-33.37.40-51;
Quinta-feira: 1Sm 18,6-9; 19,1-7;
Sexta-feira: 1Sm 24,3-21;
Sábado: 2Sm 1,1-4.11-12.19.23-27 [4].

III semana do Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: 2Sm 5,1-7.10;
Terça-feira: 2Sm 6,12b-15.17-19;
Quarta-feira: 2Sm 7,4-17;
Quinta-feira: 2Sm 7,18-19.24-29;
Sexta-feira: 2Sm 11,1-4a.5-10a.13-17;
Sábado: 2Sm 12,1-7a.10-17 [5].

IV semana do Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: 2Sm 15,13-14.30; 16,5-13a;
Terça-feira: 2Sm 18,9-10.14b.24-25a.30–19,3;
Quarta-feira: 2Sm 24,2.9-17 [6].

A partir da quinta-feira da IV semana a leitura prossegue com os Livros dos Reis, os quais concluem a literatura deuteronomista, como veremos nas próximas postagens.

b) Liturgia das Horas

Também a Liturgia das Horas segue a mesma lógica, com as leituras longas de textos do Antigo e do Novo Testamento no Ofício das Leituras. Aqui os Livros de Samuel nos acompanham da XII até a XIV semanas do Tempo Comum.

A leitura de Samuel na Liturgia das Horas, como vimos em sua postagem própria, sucede o Livro dos Juízes (lido durante a XI semana), prosseguindo assim a história deuteronomista.

Cabe ressaltar que essa leitura demonstra a unidade entre os dois Livros de Samuel, como veremos na segunda-feira da XIII semana, quando se lê em um texto contínuo tanto o final de 1Sm como o início de 2Sm.

A história aqui se centra na figura de Davi, iniciando diretamente com a sua unção como rei em 1Sm 16:

Ofício das Leituras da XII semana do Tempo Comum:
Domingo: 1Sm 16,1-13 - “Davi é ungido rei”;
Segunda-feira: 1Sm 17,1-10.32.38-51 - “Davi trava combate com Golias”;
Terça-feira: 1Sm 17,57–18,9.20-30 - “Inveja de Saul contra Davi”;
Quarta-feira: 1Sm 19,8-10; 20,1-17 - “Amizade entre Davi e Jônatas”;
Quinta-feira: 1Sm 21,2-10; 22,1-5 - “Fuga de Davi”;
Sexta-feira: 1Sm 25,14-24.28-39 - “Davi e Abigail”;
Sábado: 1Sm 26,5-25 - “Davi mostra-se magnânimo para com Saul” [7].

Ofício das Leituras da XIII semana do Tempo Comum:
Domingo: 1Sm 28,3-25 - “Saul consulta a necromante de Endor”;
Segunda-feira: 1Sm 31,1-4; 2Sm 1,1-16 - “A morte de Saul”;
Terça-feira: 2Sm 2,1-11; 3,1-5 - “Davi é ungido rei de Judá em Hebron”;
Quarta-feira: 2Sm 4,2–5,7 - “Davi reina sobre Israel. Conquista de Jerusalém”;
Quinta-feira: 2Sm 6,1-23 - “A arca é levada a Jerusalém”;
Sexta-feira: 2Sm 7,1-25 - “Profecia messiânica de Natã”;
Sábado: 2Sm 11,1-17.26-27 - “O pecado de Davi” [8].

Saul consulta a necromante de Endor
(Edward Henry Corbould - séc. XIX)

Ofício das Leituras da XIV semana do Tempo Comum:
Domingo: 2Sm 12,1-25 - “Arrependimento de Davi”;
Segunda-feira: 2Sm 15,7-14.24-30; 16,5-13 - “Revolta de Absalão e fuga de Davi”;
Terça-feira: 2Sm 18,6-17.24–19,5 - “Morte de Absalão e luto de Davi”;
Quarta-feira: 2Sm 24,1-4.10-18.24b-25 - “Recenseamento do povo e construção de um altar” [9].

Após um interlúdio do Livro das Crônicas - “Davi prepara a construção do templo” (1Cr 22,5-19) -, na sexta-feira começa a leitura semicontínua dos Livros dos Reis, os quais concluem a literatura deuteronomista.

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, nossos livros são proclamados por cerca de cinco semanas, da XII até a XVI semanas do Tempo Comum no ano ímpar, igualmente entre Jz e 1Rs.

Diferentemente do ciclo anual, centrado na história de Davi, aqui leem-se também textos da história do profeta Samuel e do rei Saul. Indicamos a seguir em negrito os dias com leituras “inéditas” de Samuel [10]:

XII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Terça: 1Sm 1,1-19 - “Oração de Ana”;
Quarta: 1Sm 1,20-28; 2,11-21 - “Nascimento e consagração de Samuel”;
Quinta: 1Sm 2,22-36 - “Condenação da família de Eli”;
Sexta: 1Sm 3,1-21 - “Vocação de Samuel”;
Sábado: 1Sm 4,1-18 - “Captura da arca e morte de Eli”.

XIII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Domingo: 1Sm 5,1.6–6,5a.10-12.19–7,1 - “A arca é devolvida a Israel”;
Segunda: 1Sm 7,15–8,22 - “Israel quer um rei”;
Terça: 1Sm 9,1-6.14–10,1 - “Saul, eleito rei, é ungido por Samuel”;
Quarta: 1Sm 11,1-15 - “Saul vence os amonitas e é aclamado rei pelo povo”;
Quinta: 1Sm 12,1-25 - “Advertências de Samuel ao povo”;
Sexta: 1Sm 15,1-23 - “O Senhor rejeita Saul por sua desobediência”;
Sábado: como no domingo da XII semana no ciclo anual.

O profeta Samuel repreende Saul
(John Singleton Copley - séc. XVIII-XIX)

XIV semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Como no ciclo anual, da segunda-feira da XII semana ao domingo da XIII semana.

XV semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Como no ciclo anual, da segunda-feira da XIII semana ao domingo da XIV semana.

XVI semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Domingo a terça-feira: como no ciclo anual, de segunda a quarta-feira da XIV semana.

Além das leituras longas do Ofício, temos de considerar também as leituras breves distribuídas nas outras horas. Aqui encontramos duas perícopes de 1Sm ao longo das quatro semanas do Saltério:

- na Hora Média (15h) da quarta-feira da II semana: 1Sm 16,7b [11], um texto sapiencial no qual Deus mesmo toma a palavra para exortar-nos a não julgar pelas aparências, pois Ele vê o coração;

- na Hora Média (9h) do sábado da III semana: 1Sm 15,22 [12], uma crítica de Samuel à separação entre o culto e a vida (tema retomado pelos profetas Amós e Oseias e pelo próprio Jesus no Evangelho): mais do que sacrifícios, o que agrada a Deus é a obediência à sua Palavra.

4. Leitura litúrgica dos Livros de Samuel: Cântico (1Sm 2,1-10)

Não poderíamos concluir nosso estudo sobre a presença dos Livros de Samuel nas celebrações litúrgicas sem contemplar o cântico de Ana (1Sm 2,1-10), entoado tanto na Celebração Eucarística quanto na Liturgia das Horas.

Este cântico possui muitos paralelos com o Magnificat, o cântico da Virgem Maria no Novo Testamento (Lc 1,46-55): ambos são a ação de graças da mãe a Deus pelo dom do seu filho. Antonio González Lamadrid (um dos autores que usamos na postagem anterior para a breve introdução aos livros) faz notar também as antíteses que se repetem nos dois cânticos: “fortes-fracos, fartos-famintos, mulher estéril-mãe de muitos filhos, morte-vida, empobrece-enriquece, humilha-exalta” [13].

Ana apresenta Samuel no Templo
(Speculum Humanae Salvationis - séc. XIV)

a) Liturgia das Horas

Comecemos pela Liturgia das Horas, na qual os cânticos do Antigo Testamento estão distribuídos nas Laudes das quatro semanas do Saltério. Assim, nosso cântico aparece nas Laudes da quarta-feira da II semana do Saltério [14], intitulado “Os humildes se alegram em Deus” e com uma epígrafe justamente do Magnificat (Lc 1,52-53).

Para ler uma Catequese do Papa João Paulo II sobre esse cântico no contexto da Liturgia das Horas, clique aqui.

Além das Laudes, os cânticos veterotestamentários aparecem nas Vigílias. Estas não fazem parte da recitação ordinária da LH, podendo ser rezadas de modo facultativo junto ao Ofício das Leituras dos domingos e solenidades.

O nosso cântico consta, pois, na Vigília da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, dividido em duas partes: os vv. 1-5 como II cântico - “Os humildes se alegram em Deus” - e os vv. 6-10 como III cântico - “Deus exalta os pobres” [15]. Sua escolha aqui se dá não apenas pela referência ao coração no v. 1 - “Exulta no Senhor meu coração” -, mas também pela ação de Deus em favor dos pobres e fracos, que faz um excelente paralelo com Mt 11,25-30, um dos Evangelhos desta Solenidade.

b) Celebração Eucarística

Passando à Celebração Eucarística, encontramos uma versão ligeiramente mais breve do nosso cântico - 1Sm 2,1.4-8 -, que aparece em três celebrações:

- no dia 22 de dezembro [16]: como vimos na postagem anterior, neste dia a leitura de 1Sm 1,24-28 precede o cântico de Ana, entoado como salmo, fazendo um paralelo com o Evangelho do Magnificat;

- na terça-feira da I semana do Tempo Comum do ano par [17], também aqui acompanhando a leitura de 1Sm, como vimos acima (1Sm 1,9-20);

- na Memória do Imaculado Coração de Maria [18], celebrada no sábado da semana seguinte à Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, servindo aqui mais uma vez como paralelo ao Magnificat.

O nosso cântico aparece ainda dentre os formulários ad libitum das celebrações ligadas à Virgem Maria: no Comum de Nossa Senhora [19] e no Apêndice do Lecionário para Missas de Nossa Senhora [20].

Encerramos assim nosso percurso pelas leituras dos Livros de Samuel nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Como afirmamos acima, na sequência analisaremos os Livros dos Reis, completando assim o bloco da literatura deuteronomista que iniciamos com as análises dos Livros do Deuteronômio, de Josué e dos Juízes.

O jovem profeta Samuel e o sacerdote Eli
(John Singleton Copley - séc. XVIII-XIX)

[A primeira postagem sobre os Livros dos Reis será publicada na próxima terça-feira, 04 de maio]

Notas:
[1] ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] cf. ibid., pp. 105-106.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, pp. x.
[4] ibid., pp. x.
[5] ibid., pp. x.
[6] ibid., pp. x.
[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, pp. 344.348.352.356.360.363.368.
[8] ibid., pp. 373.378.382.386.390.394.398.
[9] ibid., pp. 402.408.412.417.
[10] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[11] OFÍCIO DIVINO, v. III, p. 829; v. IV, p. 783.
[12] ibid., v. III, p. 1025; v. IV, p. 979.
[13] LAMADRID, Antonio González. Os Livros de Samuel: Dos juízes à monarquia. in: LAMADRID, Antonio González et al. História, narrativa, apocalíptica. São Paulo: Ave-Maria, 2004, p. 138 (Coleção: Introdução ao estudo da Bíblia, v. 3b).
[14] OFÍCIO DIVINO, v. I, p. 755; v. II, p. 1139; v. III, p. 821; v. IV, p. 775.
[15] ibid., v. III, p. 1807. O I cântico proposto para esta Vigília é Is 12,1-6.
[16] LECIONÁRIO II, p. x.
[17] ibid., p. x.
[18] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. x.
[19] ibid., p. x.
[20] LECIONÁRIO para Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 201.

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