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domingo, 5 de abril de 2020

O ícone da entrada de Jesus em Jerusalém

“Levando tua cruz cantamos em coro: Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!” [1]

Primeira das 12 grandes festas litúrgicas bizantinas com data móvel, a entrada de Jesus em Jerusalém, celebrada no domingo anterior à Páscoa, introduz-nos na Semana Santa, o coração do Ano Litúrgico. Meditemos, pois, sobre o ícone do Domingo de Ramos.

Origem e conteúdo da festa:

A celebração do Domingo de Ramos tem sua origem no século IV, com diferentes matizes no Oriente e no Ocidente. Em Roma, o domingo anterior à Páscoa era conhecido como Dominica de Passionis Domini (Domingo da Paixão do Senhor), sem qualquer referência à entrada de Jesus em Jerusalém.

No Oriente, por sua vez, esse domingo era conhecido como Domingo de Ramos, celebrando festivamente a entrada messiânica de Jesus na cidade santa. O primeiro testemunho é do célebre Itinerarium ad loca sancta da peregrina Etéria (ou Egéria), que descreve a procissão solene do Monte das Oliveiras até a Basílica do Santo Sepulcro.

Com o tempo as igrejas ocidentais absorveram o elemento festivo, sobretudo na forma da procissão com ramos no início da celebração. É este caráter festivo em honra de Cristo Rei que está representado no ícone da festa, influenciado diretamente pelo relato de Etéria sobre a Liturgia da Jerusalém do século IV [2].

A entrada de Jesus em Jerusalém foi interpretada desde o início da Igreja como cumprimento da profecia de Zacarias: “Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que vem teu rei ao teu encontro, ele é justo, ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta” (Zc 9,9).

A cor litúrgica para este dia no rito bizantino é digna de nota: o verde, usado pouquíssimas vezes ao longo do ano. Esta cor quer nos recordar aqui que Jesus vem nos trazer a vida, como estão vivos os ramos verdes levantados em sua honra nesta festa.

Para acessar nossa postagem sobre a história completa do Domingo de Ramos, clique aqui.

O ícone


O ambiente: O ícone situa-se entre uma montanha e uma cidade, tendo uma palmeira ao centro. Tais elementos retomam os relatos bíblicos do episódio (cf. Mt 21,1-11 e paralelos), além de recordar o itinerário da procissão descrita por Etéria.

O monte, à esquerda, representa a “montanha messiânica” da profecia de Isaías: “o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas. A ele acorrerão todas as nações” (Is 2,2).

A montanha, na Bíblia, é sempre o lugar do encontro com Deus. Em nosso ícone, à luz da profecia de Isaías, é um convite dirigido a todas as nações para, reunidas no Espírito Santo, seguir a Cristo rumo ao Pai.

Em algumas versões do ícone na base da montanha há uma gruta, da qual saem os Apóstolos, que acompanham Jesus. É mais uma leitura das profecias messiânicas de Isaías: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1).

Do outro lado do ícone, por sua vez, vemos a cidade de Jerusalém, com suas muralhas e o domo que representa o templo. Este aguarda a purificação que será realizada por Jesus na sequência (cf. Mt 21,12-16 e paralelos).

A cidade, como no ícone da ressurreição de Lázaro, encarna aqui ao mesmo tempo a “Jerusalém terrestre”, que não acolheu o Salvador, e a “Jerusalém celeste”, à qual o novo Povo de Deus, a Igreja, é chamado.

Por fim, a palmeira, árvore que possui um aspecto sempre positivo na Bíblia - como no Sl 91,13: “o justo crescerá como a palmeira” -, exatamente no centro do ícone, atrás de Cristo, recorda a árvore da vida e o tronco que brotou da raiz de Jessé, imagens recorrentes nos ícones bizantinos.

Além disso, esta árvore simboliza aqui a ponte construída por Cristo entre o divino e o humano: “A palmeira é imagem de Cristo que cobre o vazio (o vão) entre o monte de Deus (a divindade) e a cidade (a humanidade)” [3].

Cristo: Na frente da palmeira, sua imagem, encontramos Jesus Cristo, montado no burrinho da profecia de Zacarias, como recorda São Romanos, o Melode:

Eis aqui o nosso rei, manso e pacífico, montado em um burrinho, correndo para padecer sua Paixão e assim desarraigar nossas paixões. O Verbo montado num animal, porque quer salvar os seres racionais. Sobre a garupa do burrinho podia-se contemplar Aquele que é transportado por Querubins, Aquele que havia arrebatado Elias ao céu num carro de fogo, o rico por natureza que voluntariamente se fez pobre, o fraco por escolha que sabe tornar fortes todos que o aclamam: Bendito o que vem para chamar Adão!” [4].

O tema das paixões purificadas por Cristo está diretamente relacionado ao burrinho que, como animal, representa o aspecto “instintivo” do homem, uma vida meramente terrena, material, sensível. Ao montar sobre o burrinho, Jesus, que é o Logos, a Sabedoria de Deus, sobrepõe aos instintos a dimensão racional, espiritual, mística.

Montado sobre o burrinho, Cristo faz brilhar sobre nós sua face, resplandecente do clarão da glória do Pai. Revestido da túnica vermelha da nossa humanidade, sobre ela faz repousar o manto azul da sua divindade. Com a mão direita abençoa, enquanto com a esquerda sustenta o rolo onde estão escritos nossos pecados, para apagá-los: “Consente ser elevado na cruz, e despedaça aquela nota de acusação” [5].

Os Apóstolos e a multidão: No ícone desta festa encontramos dois grupos: atrás de Cristo estão os Apóstolos, e às portas da cidade está a multidão.

Os Apóstolos (às vezes representados apenas 11, prefigurando a traição de Judas) aparecem em uma atitude desconcertada, conversando entre si. Em muitas versões deste ícone Jesus está voltado para eles, para encorajá-los a prosseguir.

Não obstante sua dificuldade para compreender, aqui os Apóstolos simbolizam os coros angélicos, que ladeiam o Messias em seu cortejo triunfal, como canta o “Hino dos Querubins”, o qual acompanha o rito da Grande Entrada (procissão com o pão e o vinho) na Divina Liturgia bizantina:

Nós, que misticamente representamos os Querubins e cantamos o hino três vezes santo à Trindade vivificante, afastemos de nós todo pensamento mundano; para que possamos receber o Rei do universo, invisivelmente escoltado por legiões de Anjos. Aleluia, aleluia, aleluia!” [6].

A multidão, por sua vez, tem o mesmo simbolismo paradoxal do ícone da ressurreição de Lázaro: nela estão aqueles que realmente acolhiam a Cristo como o “Filho de Davi”, como “Aquele que vem em nome do Senhor”, e aqueles que tramam a sua morte.

As crianças: Por fim, o último elemento e um dos mais significativos deste ícone é a presença das crianças. “O Domingo de Ramos é a festa das crianças!” [7]. Embora os relatos evangélicos não lhes deem este protagonismo, em Mt 21,15-16, no contexto da purificação do Templo, encontramos sua menção, retomada no apócrifo Evangelho de Nicodemos e no próprio relato da peregrina Etéria, o que inspirou o nosso ícone.

O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos” (Sl 8,3). As crianças, representadas em proporções bastante reduzidas em relação aos demais personagens, cortam os ramos da palmeira, que algumas pessoas da multidão levam consigo, e estendem suas vestes no chão para acolher o Senhor.

Enquanto as vestes estendidas são de muitas cores, as crianças trajam por baixo uma túnica branca, símbolo de sua pureza e, no contexto cristão, da graça batismal. Contudo, uma das crianças costuma ser representada retirando um espinho do pé: mesmo os puros estão sujeitos aos espinhos do caminho...

Nos céus assentado num trono, aqui na terra montado num jumentinho, ó Cristo Deus, acolhe os louvores dos anjos e as aclamações das crianças que gritam: Bendito és tu que vens soerguer o Adão decaído
 Kontákion do dia [8]

Notas:
[1] PASSARELLI, Gaetano. O ícone da entrada em Jerusalém. São Paulo: Ave Maria, 1996, p. 35. Coleção: Iconostásio, 18.
[2] Sobre a história desta festa confira:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 79-83.
DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 68-71.
RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1945, pp. 777-785.
[3] PASSARELLI, op. cit., p. 24.
[4] ibid., p. 16.
[5] ibid., p. 25.
[6] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.). Hieratikon: Pequeno Missal bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 47.
[7] PASSARELLI, op. cit., p. 27.
[8] DONADEO, op. cit., p. 70.

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