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sábado, 4 de abril de 2020

Homilia: Domingo de Ramos - Ano A

São João Crisóstomo
Sermão 67 sobre São Mateus
Ainda há muitos que vão ao leito esfomeados

O celebremos com hinos e demos nossas vestes aos que o trazem. De que perdão seremos dignos se outros cobrem com seus mantos o jumento onde Jesus se sentava e outros lançam as suas vestes aos seus pés, e nós vendo-o despido e, não nos ordenando despojar-nos de tudo, mas somente gastar um pouco, nem sequer essa pequena generosidade demonstramos? Aqueles o seguem à sua frente e atrás, enquanto nós, mesmo que estejamos próximos dele, o rejeitamos e o injuriamos. De que castigo, de que vingança não é digno tudo isto?
O Senhor necessitado se aproxima de ti e nem sequer queres escutar a sua súplica, mas o censuras, o repreendes; e o fazes após ter escutado as palavras desta passagem. Pois ao dar uma miséria de pão ou uma insignificância de dinheiro, ainda te mostras tão apegado, tão avaro, tão tardo, o que serias se tivesses que dar tudo o que tens? Não tens observado como lá no teatro aqueles homens generosos esbanjam quantias para as meretrizes? Porém, tu nem sequer dá a metade do que eles dão, melhor ainda, nem mesmo gastas uma pequena parte. O demônio, por sua vez, ordena dar a quem quer que seja, e com isso nos conduz à Geena e, contudo, tu dás mesmo assim. Cristo ordena dar aos pobres e promete o Reino dos céus; e tu, não somente não dás, mas ainda injurias; e preferes obedecer aos demônios para ser atormentado antes que Cristo possa conseguir a tua salvação. O que haverá de pior do que semelhante estupidez? Aquele te conduz à Geena, este ao Reino; e, contudo, deixas este e corres para aquele. A este que se aproxima o rejeitas; a aquele que anda longe o chamas. É como se um rei vestido de púrpura e adornado com o diadema não te persuadisse, e, porém, um ladrão que vibra a espada e te ameaça com a morte facilmente te persuadisse.
Pensando nestas coisas, caríssimos, por fim abramos os olhos e sejamos vigilantes. Já tenho vergonha de falar-vos de esmola, tendo discorrido tantas vezes sobre este assunto, sem conseguir grande fruto de minhas admoestações. Certamente já dais um pouco mais do que antes, mas não quanto eu desejaria. Vejo que semeais, mas não com generosidade; por isso temo que recolhereis pouco. Examinemos, se vos parece, como é pouco o que damos; e se existe na cidade mais pobres do que ricos, e os que não são pobres nem ricos, mas estão em um lugar intermediário. Coloquemos a décima parte como sendo rica, outra décima parte como os que nada têm, e os demais os coloquemos na classe média. Dividamos a multidão inteira da cidade entre os números dos pobres e observareis quanto seja a infâmia.
Muito ricos são poucos; os que vêm em seguida são muitíssimos; os pobres em muito menor número. Contudo, sendo tantos os que podem alimentar os pobres, ainda há muitos que vão ao leito esfomeados; e não porque os abastados não podem conceder-lhes o necessário, mas porque são excessivamente endurecidos e inumanos. Se dividem entre si os ricos e os que gozam de mediano bem-estar aos que necessitam de pão e vestes, se concluirá que a um pobre tenham de alimentar a cinquenta ou cem daqueles. E, apesar disso, havendo tão grande abundância de quem pode subministrar o necessário, diariamente andam os pobres chorando sua penúria. E para que compreendas sua inumanidade e frieza, observa que a Igreja mal possui o que um destes ricos e um destes medianos tem; mas, apesar disso, a quantas viúvas e quantas virgens alimenta a cada dia: seu número chega a umas três mil. E acrescenta os que estão presos nos cárceres, aos enfermos nos hospitais e aos demais que, apesar da boa saúde, são peregrinos, ou estão mutilados de algum de seus membros, e a outros que estão sempre chegando e que ela socorre todo dia. Entretanto, sua posse não tem diminuído. De forma que, com dez ricos que quisessem fornecer tanto como a Igreja, não ficaria nenhum pobre sem socorro.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 72-74. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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