Páginas

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A celebração da Quarta-feira de Cinzas

“Deixai-vos reconciliar com Deus: é agora o momento favorável, é agora o dia da salvação!” (2Cor 5,20; 6,2).

A Quarta-feira de Cinzas marca, no Rito Romano, o início do Tempo da Quaresma, tempo batismal e penitencial em preparação à Páscoa do Senhor.

Nesse dia, conforme a tradição bíblica e eclesial, os fiéis recebem o sinal das cinzas sobre suas cabeças, no qual “é significada a condição do homem pecador; confessando exteriormente a sua culpa diante do Senhor, exprime assim a vontade de conversão, confiado em que o Senhor seja benigno e compassivo para com ele, paciente e cheio de misericórdia” (Cerimonial dos Bispos, n. 253).

Para acessar nossa postagem sobre a história da Quarta-feira de Cinzas, clique aqui.


1. O que se deve preparar:

- Todo o necessário para a celebração da Missa
- Turíbulo com naveta do incenso e colher
- Cruz processional
- Dois castiçais com velas
- Missal Romano
- Recipientes para as cinzas
- Caldeirinha de água benta e aspersório

O uso do incenso é sempre facultativo na Missa (cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano [IGMR], 3ª edição, nn. 276-277), incluindo as Missas de Advento e Quaresma. Portanto, o incenso pode ser usado na Quarta-feira de Cinzas, como indica o Cerimonial dos Bispos (n. 255).

Durante toda a Quaresma é proibido ornamentar o altar com flores (exceto no IV Domingo da Quaresma, chamado Laetare, nas solenidades e festas) e os instrumentos musicais devem ser usados de maneira sóbria, apenas para sustentar o canto (cf. Cerimonial dos Bispos, n. 252; IGMR, n. 305).

Papa Francisco incensa o altar na Quarta-feira de Cinzas

Sobre o toque das sinetas durante a consagração nas Missas da Quaresma:
Cerimonial dos Bispos indica no n. 300 que o toque dos sinos é previsto no Glória da Missa da Ceia do Senhor (Quinta-feira Santa) e no Glória da Vigília Pascal, sendo proibido nesse intervalo.
Sobre as demais celebrações, os livros litúrgicos não se pronunciam. Portanto, valem os costumes locais: a comunidade pode tocar os sinos durante a consagração nas Missas da Quaresma, omitindo-os apenas no Tríduo Pascal; ou omitir o toque dos sinos durante toda a Quaresma.

As cinzas são preparadas através da queima dos ramos abençoados na Semana Santa do ano anterior. Podem estar dispostas na credência ou numa mesa em um lugar adequado do presbitério - não porém no altar, sobre o qual se coloca apenas o estritamente necessário para a celebração (cf. IGMR, n. 306).

2. Ritos iniciais

A celebração inicia-se como de costume, com a procissão de entrada do sacerdote acompanhado dos ministros e a incensação do altar.

O sacerdote inicia a Missa com o sinal-da-cruz e a saudação. Omitidos o Ato Penitencial (substituído pela imposição das cinzas) e o Glória (omitido durante a Quaresma), recita-se logo a oração do dia ou coleta: “Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum...” (Missal Romano, p. 175).

Papa Francisco recita a oração do dia da Quarta-feira de Cinzas

3. Liturgia da Palavra e imposição das cinzas

A Liturgia da Palavra celebra-se como de costume, até a homilia inclusive. Apesar de ser um dia de semana, são indicadas duas leituras, além do salmo e do Evangelho: Jl 2,12-18; Sl 50 (51); 2Cor 5,20–6,2; Mt 6,1-6.16-18.

Vale recordar que durante toda a Quaresma omite-se o Aleluia (cf. Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 28; Missal Romano, p. 105). Assim, antes do Evangelho entoa-se uma aclamação a Cristo (como: “Louvor e glória a ti, Senhor, Cristo, Palavra de Deus!”) unida ao versículo do dia indicado no Lecionário.

Após a homilia, aproximam-se do sacerdote os acólitos ou outros ministros com os recipientes com as cinzas a serem abençoadas. Os recipientes podem também dispor-se sobre uma mesa preparada em lugar adequado do presbitério (não, porém, sobre o altar, como indicamos anteriormente).

Os recipientes com as cinzas preparados na credência

O sacerdote, em pé diante da cadeira ou na frente do altar, convida o povo a orar, proferindo a monição indicada no Missal: “Caros irmãos e irmãs, roguemos instantemente a Deus Pai que abençoe com a riqueza de sua graça estas cinzas...” (p. 175).

Após alguns instantes de silêncio, o sacerdote recita uma das duas orações indicadas no Missal: “Ó Deus, que vos deixais comover pelos que se humilham...” ou “Ó Deus, que não quereis a morte do pecador, mas a sua conversão...” (pp. 175-176).

Em seguida, um acólito entrega-lhe o aspersório e o sacerdote asperge as cinzas em silêncio. Segue-se a imposição das cinzas: um concelebrante, um diácono ou outro ministro aproxima-se do sacerdote que, inclinado, recebe as cinzas sobre a cabeça.

Papa Francisco asperge as cinzas

O sacerdote impõe então as cinzas aos ministros e aos fiéis, ajudado por concelebrantes, diáconos ou outros ministros. Por exemplo, reforçando o caráter batismal da Quaresma (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 109), na ausência de ministros ordenados o sacerdote poderia ser ajudado na imposição das cinzas pelos catequistas.

O sacerdote e os ministros podem impor as cinzas em pé aos fiéis inclinados ou sentados aos fiéis ajoelhados. Se estiver sentado, o sacerdote pode utilizar um gremial.

Aquele que impõe as cinzas diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15) ou “Lembra-te de que és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19). Enquanto isso se entoa um canto adequado, preferencialmente inspirado nas antífonas indicadas no Missal (pp. 176-177), à luz dos próprios textos bíblicos da celebração (Jl 2; Sl 50).

Imposição das cinzas

Terminada a imposição, o sacerdote e os ministros que distribuíram as cinzas lavam as mãos. Não se reza o Creio, mas sim as Preces ou Oração dos Fiéis (Cerimonial dos Bispos, n. 259).

4. Liturgia Eucarística e ritos finais

A Liturgia Eucarística celebra-se como de costume. Reza-se o Prefácio da Quaresma III, “Os frutos da abstinência”, ou IV, “Os frutos do jejum” (Missal Romano, pp. 416-417), próprios para os dias de jejum. Recomenda-se recitar a Oração Eucarística II, indicada para os dias de semana (cf. IGMR, n. 365).

Confira nossa postagem sobre quando usar cada Oração Eucarística clicando aqui.

No final da celebração convém utilizar a bênção do Tempo da Quaresma: “Deus, Pai de misericórdia...” (Missal Romano, pp. 521-522).

A 3ª edição típica do Missal Romano (2002), por sua vez, trará uma “oração sobre o povo” para cada dia da Quaresma, incluindo a Quarta-feira de Cinzas. Essa edição do Missal, porém, ainda não foi traduzida para o Brasil.

Para saber mais sobre a 3ª edição do Missal Romano e as suas mudanças, clique aqui.

Liturgia Eucarística - Quarta-feira de Cinzas

Confira nossa postagem sobre em que momento cantar o hino da Campanha da Fraternidade clicando aqui.

5. Liturgia estacional

Na Quarta-feira de Cinzas (assim como nos domingos ou mesmo em outros dias da Quaresma) pode ser celebrada a “Liturgia estacional”, marcada pela procissão penitencial, como vimos em nossa postagem sobre as estações quaresmais romanas (cf. Cerimonial dos Bispos, nn. 260-262; Missal Romano, p. 174).

a) Procissão penitencial

Os fiéis se reúnem em uma igreja menor ou em outro lugar adequado fora da igreja onde se celebrará a Missa.

O sacerdote, revestido de pluvial roxo ou, na sua falta, já com a casula roxa, dirige-se ao lugar onde estão os fiéis, acompanhado dos acólitos e demais ministros. Esses levam o turíbulo e a naveta, a cruz, os castiçais com velas e o Missal Romano. Se há diácono, convém que este leve o Livro dos Evangelhos (Evangeliário).

À chegada do sacerdote entoa-se uma antífona, isto é, um breve canto ou refrão quaresmal. A celebração inicia-se então com o sinal da cruz e a saudação, após a qual o sacerdote pode proferir uma monição, introduzindo os fiéis no sentido da celebração.

Papa Francisco dá início à "estação quaresmal" da Quarta-feira de Cinzas

Recita-se a oração inicial, que pode ser:
- a oração do dia da Missa votiva da Santa Cruz, que é a mesma oração da Festa da Exaltação da Santa Cruz (Missal Romano, p. 656);
- uma das orações da Missa pelo perdão dos pecados (p. 932);
- uma das orações das Missas pela Igreja (pp. 876-880);
- uma das “orações sobre o povo” (pp. 531-534).

O diácono ou o próprio sacerdote convida então à procissão com essas palavras: “Vamos em paz, ao encontro do Senhor” ou outras semelhantes. Forma-se a procissão, como de costume: acólitos com o incenso, a cruz e as velas; demais ministros; o sacerdote; e os fiéis.

Nessa procissão, seria importante valorizar a cruz processional, que depois é colocada junto ao altar, demonstrando a unidade entre os dois momentos da celebração (procissão e Missa). Se, porém, já houver uma cruz no presbitério, a cruz processional é colocada na sacristia, preservando a autenticidade do sinal: uma cruz, assim como também foi único o sacrifício de Cristo (cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, nn. 117.122.308; Cerimonial dos Bispos, n. 129).

Durante a procissão se entoa a Ladainha de Todos os Santos, na qual podem inserir-se alguns santos, como o santo titular da igreja ou o padroeiro do lugar [1]. Se o trajeto da procissão for mais longo, podem entoar-se também um ou mais “Salmos Penitenciais” (Sl 6; 31; 37; 50; 101; 129; 142), ou mesmo cantos quaresmais adequados.


Chegando à igreja, após incensar o altar, o sacerdote depõe o pluvial, se o usou, e reveste a casula (ou, se preferir, pode também trocar o pluvial pela casula antes de incensar o altar). Recita-se então a oração do dia e a Missa prossegue como indicado acima.

b) Entrada solene

Na impossibilidade de realizar a procissão, a Liturgia estacional pode também ser celebrada na forma de uma “entrada solene”: o sacerdote dirige-se à porta da igreja com os ministros, onde inicia a celebração com o sinal da cruz, a saudação e a oração inicial, como indicado acima.

Forma-se então a procissão de entrada ao canto da Ladainha de Todos os Santos. Após incensar o altar, o sacerdote recita a oração do dia e a Missa prossegue como indicamos acima.

Nos domingos e no Tempo Pascal (a partir da Vigília Pascal inclusive) todos recitam a Ladainha em pé, e, nos demais dias, ajoelhados (cf. Cerimonial dos Bispos, nn. 359.507.529 et al.). Porém, uma vez que aqui a Ladainha substitui a procissão de entrada, todos a recitam em pé.

Papa Francisco concede a bênção no final da Missa da Quarta-feira de Cinzas

Nota:

[1] A forma “básica” da Ladainha de Todos os Santos é aquela entoada na Vigília Pascal (Missal Romano, pp. 284-285), no Batismo e nas Exéquias, com versões ligeiramente distintas para outras celebrações: ordenações, profissão religiosa, dedicação de igreja...
Para as procissões solenes, como é o caso das “estações quaresmais”, há uma versão mais longa da Ladainha, indicada no Graduale Romanum (1974). Esta, porém, infelizmente não possui uma tradução oficial para o português do Brasil.

Referências:

ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre o Missal Romano - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007.

CERIMONIAL DOS BISPOS. Cerimonial da Igreja. Tradução portuguesa da edição típica. São Paulo: Paulus, 1988.

MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991.

Confira também a Carta Circular Paschalis Sollemnitatis, promulgada pela Congregação para o Culto Divino em 1988, particularmente o cap. I (nn. 6-26), dedicado à Quaresma.

Postagem publicada originalmente em 20 de fevereiro de 2012. Revista e ampliada em 02 de janeiro de 2022.

22 comentários:

  1. Obrigado me ajudou muito.

    ResponderExcluir
  2. É correto incensar a cruz velada na quaresma?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não. Nas comunidades que, segundo o costume, velam-se a cruz e as imagens desde o V Domingo da Quaresma (e não desde o início da Quaresma; cf. Carta Circular Paschalis Sollemnitatis, n. 26), convém conservar a cruz do altar descoberta, a fim de que possa ser incensada nas Missas solenes. Inclusive no Domingo de Ramos a cruz é ornada com um ramo.
      Não faz sentido incensar uma cruz ou imagem coberta, uma vez que a incensação é um gesto de veneração, enquanto que a velação das imagens é um gesto de despojamento e de luto.
      Lembrando que as novas rubricas orientam velar cruz e imagens apenas no final da Missa da Ceia do Senhor.

      Excluir
  3. É obrigatório uso do Turíbulo na missa de cinzas

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É obrigatório uso do Turíbulo na missa de cinzas

      sim ou nao

      Excluir
    2. O n. 276 da Introdução Geral do Missal Romano afirma que o incenso pode ser usado facultativamente em qualquer Missa. Portanto, não é obrigatório.

      Excluir
  4. é liturgico enfeitar o altar com flores.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Durante o tempo da Quaresma é proibido ornar o altar com flores (Cerimonial dos Bispos, n. 252).

      Excluir
  5. pode um ministro que não seja ordenado distribuir as cinzas ? por motivos práticos como só ter na celebração um Padre.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim. Sendo a imposição das cinzas um sacramental, o sacerdote pode associar a si acólitos ou leitores instituídos, religiosos ou outros ministros leigos, como catequistas ou Ministros da Sagrada Comunhão.

      Excluir
  6. Bom dia. O que fazee com as cinzas que sobraram do ano anterior?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Se já foram abençoadas, convém ser descartadas de maneira digna: por exemplo, lançando-as em água corrente ou dissolvendo-as em água e lançando esta em plantas.

      Excluir
  7. André, você diz no início sobre o costume local de tocar os sinos no Glória no tempo quaresmal. Mas logo em seguida diz que não tem glória nesse tempo. Tenho certeza de que foi erro de interpretação da minha parte. Pode me explicar melhor?

    Na Quarta-feira de Cinzas tem ou não o Glória? Nas solenidades e festas - como nos Domingos ou dia de São José - da Quaresma tem o Glória?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De fato, durante a Quaresma não se canta o Glória, exceto em eventuais solenidades e festas, como São José (19 de março) e a Anunciação do Senhor (25 de março).
      Na postagem eu me referia ao toque das sinetas na consagração. Vou reelaborar a frase para ficar mais claro.

      Excluir
  8. GOSTARIA DE COMPARTILHAR VIA WHATAPP. GRATA

    ResponderExcluir
  9. E nas missas em que o número de fiéis é muito grande? Como proceder com a. Distribuição das cinzas?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O sacerdote pode associar a si mais ministros para ajudar na imposição das cinzas: catequistas ou outros ministros devidamente instruídos.

      Excluir
  10. Boa tarde André.
    Onde não houver a missa, se faz a celebração da palavra...neste caso o Ato Penitencial também é omitido ?
    Você tem algum post onde se fala somente sobre Celebração ?
    O que pode e não pode ?
    Obrigado!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim. A imposição das cinzas substitui o Ato Penitencial. A Celebração da Palavra na Quarta-feira de Cinzas segue basicamente a mesma estrutura da Missa até as Preces, como indica o Missal Romano (na 2ª edição, na p. 178).

      Excluir
  11. Obrigado André...mas no caso por ser celebração da Palavra pode tb fazer um rito penitencial né por exemplo o Confesso a Deus seguido de um refrão?
    Como fica a questão da benção das cinzas, quem deve fazer neste caso?

    Você tem algum posto sobre celebração ao da Palavra?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. No caso da Quarta-feira de Cinzas não há Ato Penitencial. O Missal deixa claro que após o sinal da cruz e a saudação passa-se diretamente à coleta.

      Se a celebração é presidida por um diácono, este abençoa as cinzas. Se é presidida por outro ministro, não há uma normativa clara. Creio que neste caso o mais adequado é impor as cinzas previamente abençoadas por um sacerdote.

      Pretendo preparar algumas postagens sobre a Celebração da Palavra no futuro, mas não há uma normativa muito clara. No Brasil a principal referência é o Documento n. 108 da CNBB, "Ministério e celebração da Palavra".

      Excluir