Páginas

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Meditações da Via Sacra no Coliseu 2017

No dia 14 de setembro celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Aproveitamos a ocasião para propor as meditações da Via Sacra presidida pelo Papa Francisco junto ao Coliseu romano na Sexta-feira Santa de 2017.

As meditações, preparadas pela teóloga francesa Anne-Marie Pelletier, seguiram o esquema da “Via Sacra Bíblica”, com algumas modificações.

Como ilustrações, propomos as doze esculturas que compõem a Via Sacra do Santuário de Nossa Senhora de Ta’ Pinu, em Malta, que também seguem um esquema sui generis.


Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Sexta-feira Santa
Via Sacra presidida pelo Papa Francisco
Coliseu, Roma - 14 de abril de 2017

Meditações: Sra. Anne-Marie Pelletier

Versículo introdutório
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per tuam Sanctam Crucem redemisti mundum. Domine, miserere nobis.

Santo Padre: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Introdução
Por fim, a Hora chegou. O caminho de Jesus pelas estradas poeirentas da Galileia e da Judeia, ao encontro dos corpos e dos corações atribulados, impelido pela urgência de anunciar o Reino... esse caminho detém-se aqui, hoje. Na colina do Gólgota. Hoje a cruz atravanca a estrada. Jesus não irá mais longe.
Impossível ir mais longe!
Aqui o amor de Deus obtém a sua medida plena: amor sem medida.
Hoje, o amor do Pai, que deseja que todos os homens se salvem por intermédio do Filho, vai até ao extremo, onde deixamos de ter palavras, onde ficamos desorientados, onde a nossa religiosidade é ultrapassada pelo excesso dos desígnios de Deus.
Com efeito, o sucedido no Gólgota é, contra todas as aparências, questão de vida, de graça e de paz. Trata-se, não do reino do mal que conhecemos demasiado bem, mas da vitória do amor.
E, precisamente sob a mesma cruz, trata-se do nosso mundo, com todas as suas quedas e os seus sofrimentos, os seus apelos e as suas revoltas, tudo aquilo que clama a Deus, hoje, a partir das terras de miséria ou de guerra, nas famílias dilaceradas, nas prisões, nas barcaças sobrecarregadas de migrantes...
Tantas lágrimas, tanta miséria no cálice que o Filho bebe por nós.
Tantas lágrimas, tanta miséria que não acabam perdidas no oceano do tempo, mas são recolhidas por Ele, para ser transfiguradas no mistério de um amor em que o mal é consumido.
É da invencível fidelidade de Deus à nossa humanidade que se trata no Gólgota.
É um nascimento que lá se realiza!
Devemos ter a coragem de dizer que a alegria do Evangelho é a verdade deste momento!
Se o nosso olhar não alcança esta verdade, então continuamos prisioneiros nas redes do sofrimento e da morte. E tornamos vã, para nós, a Paixão de Cristo.


Oração
Senhor, os nossos olhos estão ofuscados. Como acompanhar-Vos tão longe?
“Misericórdia” é o vosso nome. Mas este nome é uma loucura.
Rompam-se os odres velhos dos nossos corações!
Curai o nosso olhar para que se ilumine com a boa notícia do Evangelho, na hora em que estamos ao pé da Cruz do vosso Filho.
E nós poderemos celebrar “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade” (Ef 3,18) do amor de Cristo, com o coração consolado e encandeado.

I Estação: Jesus é condenado à morte

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,66)
Ao amanhecer, os anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os mestres da Lei reuniram-se em conselho e levaram Jesus ao tribunal deles.

Do Evangelho segundo Marcos (Mc 14,64-65)
Então todos o julgaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir em Jesus. Cobrindo-lhe o rosto, o esbofeteavam e diziam: “Profetiza!”. Os guardas também davam-lhe bofetadas.


Meditação
Não foram necessários muitos debates para se pronunciarem os homens do Sinédrio. Já há muito tempo que a causa estava decidida. Jesus deve morrer!
Já pensavam assim aqueles que queriam atirá-Lo pela encosta abaixo da colina, quando, na sinagoga de Nazaré, Jesus abrira o livro e aplicara a Si mesmo as palavras de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para... proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18.19).
Já quando curara o paralítico na piscina de Betesda, inaugurando o sábado de Deus que liberta de todas as escravidões, se multiplicaram as murmurações homicidas contra Ele (cf. Jo 5,1-18).
E ao longo do último trecho de estrada, enquanto subia a Jerusalém para a Páscoa, o nó fora-se apertando inexoravelmente: Ele não escaparia mais aos seus inimigos (cf. Jo 11,45-57).
Mas devemos ir, com a memória, ainda mais longe, começando em Belém. Desde os dias do seu nascimento, Herodes decretara que Ele devia morrer. A espada dos esbirros do rei usurpador massacrou os meninos de Belém. Então Jesus escapou à sua fúria; mas só durante certo tempo. A verdade é que a sua não passava de uma vida pendente. No pranto de Raquel pelos seus filhos que já não existem, ressoa, intermitente, a dolorosa profecia que Simeão anunciará a Maria (cf. Mt 2,16-18; Lc 2,34-35).

Oração
Senhor Jesus, Filho predileto, que viestes visitar-nos, passando entre nós a fazer o bem, trazendo de volta à vida aqueles que habitam na sombra da morte, vós conheceis os nossos corações tortuosos.
Afirmamos ser amigos do bem e de querer a vida; mas somos pecadores e cúmplices da morte.
Proclamamo-nos vossos discípulos, mas tomamos estradas que se perdem longe dos vossos pensamentos, longe da vossa justiça e da vossa misericórdia.
Não nos abandoneis às nossas violências.
Que não se esgote a vossa paciência para conosco.
Livrai-nos do mal!

Pai nosso...

Povo meu, que te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me” (cf. Mq 6,3).


II Estação: Jesus é renegado por Pedro

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,59-62)
Passou mais ou menos uma hora, e outro insistia: “Certamente, este aqui também estava com ele, porque é galileu!”. Mas Pedro respondeu: “Homem, não sei o que estás dizendo!”. Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou. Então o Senhor se voltou e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito: “Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás”. Então Pedro saiu e chorou amargamente.


Meditação
No pátio do Sinédrio, ao redor de um braseiro, Pedro e mais alguém se aquecem naquelas horas frias da noite, entrecortadas por idas e vindas febris. No interior, a sorte de Jesus está prestes a ser decidida, frente a frente com os seus acusadores. Pedirão a sua morte.
Como uma maré que sobe, ao redor cresce a hostilidade. Como se incendeia o restolho, assim cresce e se multiplica o ódio. Bem depressa uma multidão vociferante vai exigir de Pilatos a graça para Barrabás e a condenação de Jesus.
Difícil declarar-se amigo de um condenado à morte sem ser transpassado por um arrepio de terror. A intrépida fidelidade de Pedro não consegue resistir às suspeitas da criada, a porteira do lugar.
Reconhecer que é discípulo do rabi galileu seria dar mais peso à fidelidade a Jesus do que à própria vida! Quando se exige tal coragem, a verdade tem dificuldade em encontrar testemunhas... Os homens estão feitos de um modo tal, que muitos preferem a mentira à verdade; e Pedro pertence à nossa humanidade. Trai, por três vezes. Depois se cruza com o olhar de Jesus. E as suas lágrimas caem, amargas e contudo doces, como água que lava a imundície.
Brevemente, alguns dias mais tarde, junto de outras brasas acesas, na margem do lago, Pedro reconhecerá o seu Senhor Ressuscitado, que lhe confiará o cuidado das suas ovelhas. Pedro aprenderá o perdão sem medida que o Ressuscitado pronuncia sobre todas as nossas traições. E terá parte em uma fidelidade que, a partir de então, lhe fará aceitar a própria morte como uma oferta unida à de Cristo.

Oração
Senhor, nosso Deus, quisestes que fosse Pedro, o discípulo renegado e perdoado, a receber o encargo de guiar o vosso rebanho.
Imprimi nos nossos corações a confiança e a alegria de saber que, em Vós, podemos atravessar os precipícios do medo e da infidelidade.
Fazei que, instruídos por Pedro, todos os vossos discípulos sejam as testemunhas do olhar que Vós pousais sobre as nossas quedas. Que jamais as nossas durezas ou os nossos desesperos tornem vã a Ressurreição do vosso Filho!

Pai nosso...

Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida, nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

Cuius ánimam geméntem, / contristátam et doléntem, / pertransívit gládius.

III Estação: Jesus e Pilatos

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,1.3.15)
Logo pela manhã, os sumos sacerdotes, com os anciãos, os mestres da Lei e todo o Sinédrio, reuniram-se e tomaram uma decisão. Levaram Jesus amarrado e o entregaram a Pilatos. (...) E os sumos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus. (...) Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus e o entregou para ser crucificado.

Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,24)
Pilatos viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: “Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Este é um problema vosso!”.

Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,6)
Todos nós vagávamos como ovelhas desgarradas, cada qual seguindo seu caminho; e o Senhor fez recair sobre ele o pecado de todos nós.


Meditação
Roma de César Augusto, a nação civilizadora, cujas legiões se propõem como missão conquistar os povos para lhes levar os benefícios do seu justo ordenamento.
Roma, presente também na Paixão de Jesus na pessoa de Pilatos, o representante do Imperador, o garante do direito e da justiça em terra estrangeira.
E, contudo, o próprio Pilatos, que declara não encontrar qualquer culpa em Jesus, é aquele que ratifica a sua condenação à morte. No Pretório, onde Jesus é processado, a verdade vem à luz: a justiça dos gentios não é superior à do Sinédrio dos judeus!
Sem dúvida este Justo, que, por estranhos motivos, atrai sobre si os pensamentos homicidas do coração humano, reconcilia judeus e gentios. Por agora, porém, fá-lo tornando-os igualmente cúmplices da sua própria morte. Todavia vai chegar o momento - antes, está perto - em que este Justo os reconciliará de outra forma, por meio da Cruz e de um perdão que os alcançará a todos, judeus e gentios, e juntos os curará das suas covardias e os libertará da sua violência comum.
Única condição para se ter parte neste dom será confessar a inocência do único Inocente, Cordeiro de Deus imolado pelo pecado do mundo; será renunciar à presunção que murmura dentro de nós: “Eu não sou responsável pelo sangue deste homem”; será declarar-se culpado, confiando que um amor infinito envolve a todos, judeus e gentios, e que Deus chama a todos para se tornarem seus filhos.

Oração
Senhor, nosso Deus, diante de Jesus entregue e condenado, nada mais sabemos fazer que desculpar-nos e acusar os outros. Durante muito tempo nós, cristãos, atribuímos a Israel, vosso povo, o peso da vossa condenação à morte. Durante muito tempo, ignoramos que devíamos reconhecermo-nos todos cúmplices no pecado, para sermos todos salvos pelo sangue de Jesus Crucificado.
Concedei-nos a graça de reconhecer, no vosso Filho, o Inocente: o único em toda a história. Ele que aceitou ser “feito pecado por nós” (cf. 2Cor 5,21), para que, por seu intermédio, pudésseis reencontrar-nos a nós, humanidade recriada na inocência em que nos criastes e na qual nos constituís vossos filhos.

Pai nosso...

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 21,2).

O quam tristis et afflícta / fuit illa benedícta / Mater Unigéniti!

IV Estação: Jesus, rei da glória

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,16-18)
Então os soldados o levaram para dentro do palácio, isto é, o pretório, e convocaram toda a tropa. Vestiram Jesus com um manto vermelho, teceram uma coroa de espinhos e a puseram em sua cabeça. E começaram a saudá-lo: “Salve, rei dos judeus!”.

Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,2-4)
Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível era, não fazíamos caso dele. A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um chagado, golpeado por Deus e humilhado!


Meditação
Banalidade do mal. São inúmeros os homens, as mulheres e até as crianças abusados, humilhados, torturados, assassinados, sob todas as dimensões do céu e em cada momento da história.
Sem buscar proteção na condição divina que lhe é própria, Jesus integra-se no terrível cortejo dos sofrimentos que o homem inflige ao homem. Conhece o abandono dos humilhados e dos mais desvalidos.
Mas, que ajuda nos pode dar o sofrimento de mais um inocente?
Aquele que é um de nós é, antes de tudo, o Filho predileto do Pai, que vem cumprir toda a justiça com a sua obediência.
E, de repente, todos os sinais se invertem. Eis que as palavras e os gestos de zombaria dos seus torturadores nos desvendam - ó paradoxo absoluto! - a verdade insondável: a verdadeira e única realeza, manifestada como um amor que nada mais quis saber senão a vontade do Pai e o seu desejo que todos os homens se salvem. “Sacrifício e oblação não quisestes... e então eu vos disse: ‘Eis que venho!’. Sobre mim está escrito no livro: ‘Com prazer faço a vossa vontade’” (Sl 39,7.8).
Proclama-o esta hora de Sexta-feira Santa: há apenas uma glória neste mundo e no próximo, a glória de conhecer e cumprir a vontade do Pai. Nenhum de nós pode aspirar a uma dignidade maior do que ser filho n’Aquele que, por nós, se fez obediente até à morte de cruz.

Oração
Senhor, nosso Deus, nós vos pedimos: neste dia santo que leva a cumprimento a revelação, derrubai os ídolos em nós e no nosso mundo. Vós conheceis o seu poder sobre as nossas mentes e os nossos corações.
Derrubai em nós as figuras enganadoras do sucesso e da glória.
Derrubai em nós as imagens que sempre reaparecem de um Deus à medida dos nossos pensamentos, um Deus distante, tão diferente do rosto revelado na Aliança e que se manifesta hoje em Jesus, para além de toda a previsão, acima de toda a esperança. Ele que confessamos como o “esplendor da vossa glória” (Hb 1,3).
Fazei que entremos na alegria eterna, que nos faz aclamar, em Jesus vestido de púrpura e coroado de espinhos, o rei da glória que é cantado no Salmo: “Ó portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o rei da glória possa entrar!” (Sl 23,9).

Pai nosso...

Ó portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o rei da glória possa entrar! (Sl 23,9).

Quae moerébat et dolébat, / pia Mater, dum vidébat / Nati poenas ínclyti.

V Estação: Jesus carrega a cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Livro das Lamentações (Lm 1,12)
Ó vós todos que passais pelo caminho, parai um instante e vede se há dor igual à minha dor, que o Senhor me reservou e com que me aflige no dia de sua indignação.

Do Livro dos Salmos (Sl 145,5.7-8.9)
É feliz todo homem que busca seu auxílio no Deus de Jacó, e que põe no Senhor a esperança... É o Senhor quem liberta os cativos. O Senhor abre os olhos aos cegos o Senhor faz erguer-se o caído... É o Senhor quem protege o estrangeiro. Ele ampara a viúva e o órfão.


Meditação
Ao longo do duro caminho do Gólgota, Jesus não carregou a cruz como um troféu! Não se parece nada com os heróis da nossa fantasia que abatem, triunfantes, os seus inimigos malvados. Passo a passo foi caminhando, o corpo sempre mais pesado e mais lento. Sentiu a sua carne ferida pelo madeiro do suplício, as pernas enfraquecidas sob a carga.
De geração em geração, a Igreja meditou sobre este caminho marcado por tropeços e quedas.
Jesus cai, levanta-se; depois cai de novo, retoma o caminho desgastante, provavelmente sob os golpes dos guardas que o escoltam, porque é assim que são tratados, maltratados, os condenados neste mundo.
Aquele que fez levantar os corpos do leito, endireitar a mulher encurvada, arrancar do leito de morte a filha de Jairo, pôs de pé tantos aflitos, ei-lo hoje afundado no pó.
O Altíssimo está caído por terra.
Fixemos o olhar em Jesus. Através d’Ele, o Altíssimo ensina-nos - lição incrível! - que é ao mesmo tempo o mais Humilde, pronto a descer até nós, e ainda mais abaixo se necessário, para que ninguém se perca nas profundezas da própria miséria.

Oração
Senhor, nosso Deus, vós desceis nas profundezas da nossa noite, sem pôr limites à vossa humilhação, porque é nela que alcançais a terra, frequentemente ingrata, por vezes devastada, das nossas vidas.
Nós vos suplicamos: fazei que a vossa Igreja possa testemunhar que, em vós, o Altíssimo e o mais Humilde são um único rosto. Concedei-lhe a graça de levar, a todos aqueles que caem, a boa-nova do Evangelho: não há queda que possa subtrair-se à vossa misericórdia; não há perda, nem abismo de tal forma profundo onde vós não possais reencontrar quem se extraviou.

Pai nosso...

Eis que venho, Senhor, com prazer faço a vossa vontade (Sl 39,8).

Quis est homo qui non fleret, / Matrem Christi si vidéret / in tanto supplício?

VI Estação: Jesus e Simão de Cirene

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,26)
Enquanto levavam Jesus, pegaram certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus.

Do Evangelho segundo Mateus (Mt 25,37-39)
“Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?”.


Meditação
Jesus tropeça ao longo do caminho, os ombros esmagados sob o peso da cruz. Mas é preciso avançar, caminhar mais e mais, porque a meta da tropa que pressiona Jesus é o Gólgota, o sinistro “Lugar da Caveira”, fora das muralhas da cidade.
Naquele momento passa por ali um homem, de braços robustos. Parece alheio aos acontecimentos do dia. Está regressando a casa, desconhecendo totalmente a história do rabi Jesus, quando se vê recrutado pelos guardas para levar a cruz.
Que terá ele sabido do condenado impelido pelos guardas para o suplício? Que poderia conhecer d’Aquele que “já não tinha aspecto humano”, como o servo desfigurado de Isaías (Is 52,14).
Da sua surpresa, talvez de uma recusa inicial, da compaixão que o tocou, nada nos é dito. O Evangelho conservou apenas a recordação do seu nome: Simão, originário de Cirene. Porém o Evangelho quis trazer até nós o nome deste líbio e o seu gesto humilde de ajuda, nomeadamente para nos ensinar que, ao aliviar as dores due m condenado à morte, Simão aliviou a dor de Jesus, o Filho de Deus, que cruzou a sua estrada na condição de escravo que assumira por nós, que assumira por ele, para a salvação do mundo. Sem que ele o soubesse.

Oração
Senhor, nosso Deus, nos revelastes que, em cada pobre que está nu, preso, sedento, sois vós que nos apareceis, e sois vós que nós acolhemos, visitamos, vestimos, saciamos: “Eu era estrangeiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; estava doente e cuidastes de mim; estava na prisão e fostes me visitar” (Mt 25,35-36). Mistério do vosso encontro com a nossa humanidade! Assim vindes ter com cada homem! Ninguém está excluído deste encontro, se aceitar ser homem de compaixão.
Nós vos apresentamos, como uma oferta santa, todos os gestos de bondade, hospitalidade e dedicação que dia a dia são feitos neste mundo. Dignai-vos reconhecê-los como a verdade da nossa humanidade, que fala mais alto que todos os gestos de rejeição e de ódio. Dignai-vos abençoar os homens e as mulheres de compaixão que vos dão glória, mesmo que não saibam ainda pronunciar o vosso nome.

Pai nosso...

Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.

Quis non posset contristári / Christi Matrem contemplári / doléntem cum Fílio?

VII Estação: Jesus e as filhas de Jerusalém

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,27-28.31)
Seguia-o uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele. Jesus, porém, voltou-se e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?”.


Meditação
O pranto que Jesus confia às filhas de Jerusalém como uma obra de compaixão, esse pranto das mulheres nunca falta neste mundo.
Desce silenciosamente pelas faces das mulheres. E ainda mais vezes, provavelmente, de forma invisível, no seu coração, como as lágrimas de sangue de que fala Catarina de Sena.
Não que as lágrimas estejam reservadas às mulheres, como se a sua sorte fosse a de chorar, passivas e impotentes, dentro de uma história que só os homens deveriam escrever.
Na verdade, os seus lamentos são também, e antes de tudo, todos aqueles que elas recolhem, longe de todo o olhar e de toda a celebração, em um mundo onde há muito para se chorar. Pranto das crianças aterrorizadas, dos feridos nos campos de batalha que invocam uma mãe, pranto solitário dos doentes e dos moribundos no limiar do desconhecido. Pranto de desvario, que corre pela face deste mundo que foi criado, no primeiro dia, para lágrimas de alegria, na exultação comum do homem e da mulher.
Etty Hillesum, mulher forte de Israel, que se manteve de pé na tempestade da perseguição nazista e que defendeu até ao último momento a bondade da vida, nos sugere ao ouvido este segredo que ela intuiu no fim da sua estrada: há lágrimas para consolar no rosto de Deus, quando chora pela miséria dos seus filhos. No inferno que submerge o mundo, ela ousa rezar a Deus: “Procurarei ajudar-te”, diz-lhe. Audácia tão feminina e tão divina!

Oração
Senhor, nosso Deus, Deus de ternura e de compaixão, Deus cheio de amor e fidelidade, ensinai-nos, nos nossos dias felizes, a não desprezar as lágrimas dos pobres que clamam por vós e que nos pedem ajuda. Ensinai-nos a não passar indiferentes junto deles. Ensinai-nos a ter a coragem de chorar com eles. Ensinai-nos também, na noite dos nossos sofrimentos, das nossas solidões e das nossas decepções, a ouvir a palavra de graça que vós nos revelastes na montanha: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4).

Pai nosso...

Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.

Pro peccátis suae gentis / vidit Iésum in torméntis, / et flagéllis súbditum.

VIII Estação: Jesus é despojado das suas vestes

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,23)
Depois que crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro partes, uma parte para cada soldado. Quanto à túnica, esta era tecida sem costura, em peça única de alto a baixo.

Do Livro de Jó (1,21)
“Nu eu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá”.


Meditação
O corpo humilhado de Jesus acaba desnudado. Exposto aos olhares de escárnio e desprezo. O corpo de Jesus, coberto de chagas e destinado ao suplício extremo da crucifixão. Humanamente falando, que mais se poderia fazer senão baixar os olhos para não aumentar a sua desonra?
Mas o Espírito vem em ajuda da nossa confusão. Ensina-nos a compreender a linguagem de Deus, a linguagem da kenosis, este abaixamento de Deus para nos alcançar onde estamos. É esta linguagem de Deus que nos fala o teólogo ortodoxo Christos Yannaras: “Linguagem da kenosis: Jesus menino nu na manjedoura; despojado no rio enquanto recebe o batismo como um servo; suspenso na árvore da cruz, nu, como um malfeitor. Através de tudo isso, Ele manifestou o seu amor por nós”.
Entrando neste mistério de graça, podemos voltar a abrir os olhos sobre o corpo martirizado de Jesus. Então começamos a vislumbrar o que os nossos olhos não podem ver: a sua nudez refulge a mesma luz que irradiavam as suas vestes no momento da Transfiguração.
Luz que afugenta todas as trevas.
Luz irresistível do amor levado até ao extremo.

Oração
Senhor, nosso Deus, colocamos diante dos vossos olhos a multidão imensa dos homens que sofrem a tortura, a massa assustadora dos corpos maltratados, tremendo de angústia ao aproximarem-se os golpes, agonizantes em abismos miseráveis.
Nós vos suplicamos, acolhei o seu gemido.
O mal deixa-nos sem voz nem ajuda.
Mas vós sabeis o que nós não sabemos. Sabeis encontrar uma saída no caos e na escuridão do mal. Sabeis fazer brilhar, já na Paixão do vosso Filho predileto, a vida da Ressurreição.
Aumentai em nós a fé!
Nós vos apresentamos também a loucura dos torturadores e de quem os comanda.
Também esta nos deixa sem palavras... senão para vos suplicar e implorar, por entre lágrimas, com as palavras da oração que nos ensinastes: “Livrai-nos do mal!”.

Pai nosso...

Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.

Eia, Mater, fons amóris / me sentíre vim dolóris / fac, ut tecum lúgeam.

IX Estação: Jesus é crucificado

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,33-34)
Quando chegaram ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”.

Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,5)
A punição a ele imposta era o preço da nossa paz; por suas chagas fomos curados.


Meditação
Verdadeiramente Deus está lá onde não deveria estar!
O Filho predileto, o Santo de Deus, é aquele corpo exposto em uma cruz de infâmia, abandonado à desonra, no meio de dois malfeitores. Homem das dores, de quem nos afastamos; para falar verdade, como nos afastamos de muitos seres humanos desfigurados que cruzam as nossas estradas.
O Verbo de Deus, em quem tudo foi criado, não passa de uma carne muda e sofredora. A crueldade da nossa humanidade assanhou-se contra Ele, e venceu.
Sim, Deus está lá onde não deveria estar, mas onde nós precisamos tanto que esteja!
Viera para partilhar conosco a sua vida. “Tomai!”, disse Ele sem cessar enquanto oferecia a sua cura aos doentes, o seu perdão aos corações transviados, o seu corpo na ceia pascal.
Mas viu-se caído em nossas mãos, em território de morte e violência: a violência que nos deixa atônitos na atualidade do mundo; e a que se insinua em cada um. Bem o sabiam os monges assassinados em Tibhrine, que, à prece “Desarmai-os!”, acrescentavam a súplica: “Desarmai-nos!”.
Era necessário que a doçura de Deus visitasse o nosso inferno; era a única maneira de nos livrar do mal.
Era necessário que Jesus Cristo trouxesse a ternura infinita de Deus até ao coração do pecado do mundo.
Era necessário isto para que a morte, colocada perante a vida de Deus, recuasse e caísse, como um inimigo que encontrou alguém mais forte do que ele, e desaparece no nada.

Oração
Senhor, nosso Deus, acolhei o nosso louvor silencioso.
Como os reis que ficam boquiabertos diante da obra do Servo revelada pela profecia de Isaías (cf. Is 52,15), assim permanecemos estupefatos diante do Cordeiro imolado pela nossa vida e pela vida do mundo; e confessamos que, pelas vossas chagas, fomos curados. “Que poderei retribuir ao Senhor Deus, por tudo aquilo que ele fez em meu favor? (...) oferto um sacrifício de louvor, invocando o nome santo do Senhor” (Sl 115,12.17).

Pai nosso...

Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.

Fac, ut árdeat cor meum / in amándo Christum Deum / ut sibi compláceam.

X Estação: Jesus é escarnecido na cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,35-39; 4,3.9-11)
Os chefes zombavam, dizendo: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”. Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”. Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus.” Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”.
“Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. (...) “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos (...) e eles te levarão nas mãos”.


Meditação
Não poderia Jesus ter descido da cruz? Dificilmente ousamos pôr-nos esta pergunta: porventura não a põe o Evangelho na boca dos ímpios?
E todavia ela persegue-nos, na medida em que nós ainda fazemos parte do mundo da tentação, que Jesus enfrentou durante aqueles quarenta dias no deserto, prelúdio e início do seu ministério: “Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão, atira-Te abaixo do pináculo do templo, porque Deus vela por quem é seu amigo”. Mas, na medida em que, batizados na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, o seguimos no seu caminho, os desafios do Maligno já não têm poder sobre nós, ficam reduzidos a nada, a sua mentira é desvendada.
Descobre-se então a imperiosa necessidade daquele “era necessário” (Lc 24,26) que Jesus ensina com paciência e ardor àqueles que caminhavam pela estrada de Emaús.
“Era necessário” que Cristo entrasse nesta obediência e nesta impotência, para nos alcançar na impotência a que nos reduziu a nossa desobediência.
Começamos, assim, a entender que “só o Deus sofredor pode salvar”, como escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer poucos meses antes de morrer assassinado, quando, experimentando até ao fundo o poder do mal, pôde resumir, em tal verdade simples e vertiginosa, a profissão de fé cristã.

Oração
Senhor nosso Deus, quem nos livrará das ciladas do poder segundo o mundo? Quem nos livrará da tirania das mentiras, que nos fazem exaltar os poderosos e, por nossa vez, correr atrás das falsas glórias?
Só vós podeis converter os nossos corações.
Só vós podeis fazer-nos amar as sendas da humildade.
Só vós... que nos revelais que não há vitória senão no amor, e tudo o resto não passa de palha que o vento leva, miragem que desaparece face à vossa verdade.
Nós vos pedimos, Senhor: dissipai as mentiras que aspiram a reinar nos nossos corações e no mundo.
Fazei-nos viver segundo os vossos caminhos, para que o mundo reconheça o poder da Cruz.

Pai nosso...

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 21,2).

Sancta Mater, istud agas, / Crucifíxi fige plagas / cordi meo válide.

XI Estação: Jesus e sua Mãe

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,25-27)
Perto da cruz de Jesus estavam, de pé, a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.

Jesus encontra sua Mãe no caminho do Calvário

Meditação
Maria, também ela, chegou ao fim do caminho. Ei-la chegada àquele dia de que falava o velho Simeão. Quando levantara com seus braços trêmulos o Menino, e a sua ação de graças se prolongou em palavras misteriosas, que entrelaçavam conjuntamente drama e esperança, dor e salvação.
“Este menino - proclamara - vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” (Lc 2,34-35).
Já a visita do anjo tinha feito ressoar no seu coração o anúncio incrível: Deus escolhera a sua vida para fazer desabrochar a novidade prometida a Israel, “o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram” (1Cor 2,9; cf. Is 64,3). E ela consentira naquele projeto divino, que começou transformado a sua carne e que, depois, levaria por caminhos imprevisíveis o Filho nascido do seu ventre.
Durante os dias tão comuns de Nazaré, depois, no tempo da vida pública, quando houve necessidade de dar espaço a outra família, a dos discípulos, aqueles estranhos que Jesus fazia seus irmãos, irmãs, mães, ela conservara estas coisas no seu coração. Tinha-as confiado à grande paciência da sua fé.
Hoje é o tempo da realização. A lâmina que perfurou o lado do Filho perfura também o seu coração. Também Maria mergulha na confiança sem apoio, na qual Jesus vive profundamente a obediência ao Pai.
De pé, ela não deserta. Stabat Mater. Na escuridão, mas com a certeza de que Deus mantém as promessas. Na escuridão, mas com a certeza de que Jesus é a promessa e o seu cumprimento.

Oração
Maria, Mãe de Deus e mulher da nossa raça, tu que nos geras maternamente n’Aquele que geraste, sustenta em nós a fé nas horas tenebrosas, ensina-nos a esperança contra toda a esperança.
Guarda a Igreja inteira em uma vigilância fiel, como foi a tia fidelidade, humildemente dócil aos desígnios de Deus, que nos atraem para onde não pensaríamos em ir; que nos associam, para além de todas as previsões, à obra da salvação.

Pai nosso...

Salve, Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve.

Tui Nati vulneráti, / tam dignáti pro me pati, / poenas mecum dívide.

XII Estação: Jesus morre na cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,28-30.33-35)
Jesus disse: “Tenho sede”. Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram em uma vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (...) Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu, dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também acrediteis.


Meditação
Agora tudo está consumado. A tarefa de Jesus está concluída. Saíra do Pai para a missão da misericórdia. Esta foi cumprida com uma fidelidade levada até ao extremo do amor. Tudo está consumado. Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai.
É verdade que, aparentemente, tudo parece cair no silêncio da morte que desce sobre o Gólgota e as três cruzes lá erguidas. Neste dia da Paixão que está para terminar, quem passa por aquele caminho que pode compreender senão a derrota de Jesus, o colapso de uma esperança que havia encorajado a muitos, consolado os pobres, erguido os humilhados, dando a entender aos discípulos que chegara o tempo em que Deus realizaria as promessas anunciadas pelos profetas? Tudo isto parecia perdido, destruído, caído por terra.
No meio de tanta decepção, porém, o evangelista João faz-nos fixar os olhos em um pequeno detalhe, detendo-se nele com solenidade: água e sangue escorrem do peito do Crucificado. Ó maravilha! A ferida aberta pela lança do soldado permite passar água e sangue que nos falam de vida e de nascimento.
A mensagem é extremamente discreta, mas muito eloquente para os corações que têm um pouco de memória. Do corpo de Jesus brota a fonte que o profeta viu sair do Templo. A fonte que cresce e se torna um rio pujante, cujas águas curam e fecundam tudo aquilo que tocam à sua passagem. Não definira Jesus, um dia, o seu corpo como o novo templo? E o “sangue da aliança” acompanha a água. Não falara Jesus da sua carne e do seu sangue como alimento para a vida eterna?

Oração
Senhor Jesus, nestes dias sagrados do Mistério Pascal, renovai em nós a alegria do nosso Batismo.
Contemplando a água e o sangue que escorrem do vosso peito, ensinai-nos a reconhecer de que fonte é gerada a nossa vida, de que amor está edificada a vossa Igreja, para qual esperança nos escolhestes e enviastes a partilhar com o mundo.
Aqui está a fonte de vida que lava todo o universo, jorrando da chaga de Cristo. O nosso Batismo seja para nós a única glória, numa ação de graças cheia de admiração.

Pai nosso...

O Cordeiro imolado é digno de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor pelos séculos dos séculos (Ap 5,12).

Vidit suum dulcem Natum, moriéndo desolátum, / dum emísit spíritum.

XIII Estação: Jesus é descido da cruz

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,53)
José de Arimateia desceu o corpo da cruz, enrolou-o em um lençol e colocou-o em um túmulo escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado.


Meditação
Gestos de ternura e consideração pelo corpo profanado e humilhado de Jesus. Encontram-se ao pé da cruz alguns homens e mulheres. José, natural de Arimateia, homem “bom e justo” (Lc 23,50), que pede o corpo a Pilatos, como refere São Lucas; Nicodemos, aquele que fora ter com Jesus de noite, acrescenta São João; e algumas mulheres que, obstinadamente fiéis, observam.
A meditação da Igreja quis juntar-lhes a Virgem Maria, também ela muito provavelmente presente naquele momento.
Maria, Mãe de piedade, que recebe nos seus braços o corpo nascido da sua carne e que, ternamente, discretamente, acompanhou no decorrer dos anos, como sempre cuida do próprio filho uma mãe.
Agora o corpo que ela recolhe é imenso, como a sua dor, como a nova criação que tem origem da Paixão de amor que atravessou o coração do filho e da mãe.
Agora, no grande silêncio que desceu depois dos gritos dos soldados, das zombarias dos transeuntes e dos rumores da crucificação, os gestos são apenas de doçura, de respeitosa carícia. José desce o corpo, que se abandona entre os seus braços. Envolve-o em um lençol, depõe-no dentro em um sepulcro inteiramente novo, que no jardim, ao lado, aguardava o seu hóspede.
Jesus é arrancado das mãos dos seus assassinos. Agora, na morte, encontra-se entre as mãos da ternura e da compaixão.
A violência dos homens homicidas recuou para muito longe. Voltou, ao lugar do suplício, a doçura.
Doçura de Deus e daqueles que lhe pertencem, os mansos de coração a quem Jesus prometeu um dia que haveriam de possuir a terra. Doçura vinda da criação e do homem à imagem de Deus. Doçura do fim, quando todas as lágrimas forem enxugadas, quando o lobo habitar com o cordeiro, porque o conhecimento de Deus terá chegado a toda a carne (cf. Is 11,6.9).

Cântico a Maria
Não chores mais, Maria! O teu filho, nosso Senhor, adormeceu na paz. E o seu Pai, na glória, abre as portas da vida!
Alegra-te, Maria! Jesus ressuscitado venceu a morte!

Pai nosso...

Eu me deito e adormeço bem tranquilo; acordo em paz, pois o Senhor é meu sustento (Sl 3,6).

Fac me tecum pie flere, / Crucifíxo condolére, / donec ego víxero.

XIV Estação: Jesus no sepulcro e as mulheres

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,55-56)
As mulheres, que tinham vindo da Galileia com Jesus, foram com José, para ver o túmulo e como o corpo de Jesus ali fora colocado. Depois voltaram para casa e prepararam perfumes e bálsamos. E, no sábado, elas descansaram, conforme ordenava a Lei.


Meditação
As mulheres foram-se embora. Aquele que tinham acompanhado, caminhando tenazes e solícitas pelas estradas da Galileia, já não está aí. Por companhia, nesta tarde, Ele não lhes deixa senão a visão que nelas se gravou do seu túmulo e do lençol onde descansa agora. Recordação pobre e preciosa de dias ardorosos que se foram. Solidão e silêncio. Aproxima-se aliás o shabbat, que convida Israel a cessar o trabalho, como Deus o cessou quando completou a criação, realizada sob a sua bênção.
Hoje se trata de outra coisa que é levada a cumprimento, por ora oculta e impenetrável. Shabbat, dia em que devem permanecer imóveis, no recolhimento do coração e da memória velada pelas lágrimas. E também preparando os perfumes e aromas com que prestarão a sua última homenagem ao corpo d’Ele, amanhã, bem de madrugada.
Mas, com aquele gesto, preparam-se apenas para embalsamar a sua esperança? E se Deus tivesse preparado para a sua solicitude uma resposta que elas não podem sequer prever, imaginar, intuir: a descoberta de um túmulo vazio... o anúncio de que Ele já não está ali, porque despedaçou as portas da morte?

Oração
Senhor, nosso Deus, dignai-vos ver e abençoar todos os gestos das mulheres que honram, neste mundo, a fragilidade dos corpos que elas circundam de doçura e consideração.
E a nós, que vos acompanhamos ao longo deste caminho de amor até ao fim, dignai-vos guardar-nos, com as mulheres do Evangelho, na oração e na esperança que sabemos correspondidas pela Ressurreição de Jesus, que a vossa Igreja se prepara para celebrar no júbilo da Noite Pascal.

Pai nosso...

A Vós o louvor e a honra, a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém (cf. Ap 5,13-14; 7,12).

Quando corpus moriétur, / fac, ut ánimae donétur / Paradísi glória. Amen.

Oração do Papa Francisco: Ó Cristo, deixado sozinho e traído...

Bênção Apostólica

Anne-Marie Pelletier

Fonte: Santa Sé.

Para acessar outros modelos de meditações, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

Confira também algumas imagens e o vídeo da Via Sacra no Coliseu 2017 clicando aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário