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sábado, 11 de junho de 2022

O Símbolo Atanasiano ou Quicumque

“Permaneçamos firmes na fé que professamos!” (Hb 4,4).

Atualmente são duas as fórmulas de profissão de fé presentes na Liturgia (cf. Missal Romano, pp. 400-402): o Símbolo dos Apóstolos, credo batismal da Igreja romana no século III; e o Símbolo Niceno-Constantinopolitano, fruto dos Concílios de Niceia (325) e Constantinopla (381).

Escudo da Trindade ou escudo da fé (Scutum fidei)

“A palavra grega symbolon significava a metade de um objeto quebrado (por exemplo, um selo) que era apresentada como sinal de reconhecimento. As duas partes quebradas eram juntadas para se verificar a identidade do portador. O ‘símbolo da fé’ é, pois, um sinal de reconhecimento e de comunhão entre os crentes. Symbolon também significa coletânea, coleção ou sumário. O ‘Símbolo da fé’ é a coletânea das principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de referência primário e fundamental da catequese” (Catecismo da Igreja Católica, n. 188. Para saber mais, cf. os nn. 185-197).

O Catecismo da Igreja Católica atesta ainda a existência de outros Símbolos ou profissões de fé ao longo da história, sendo o mais recente o “Credo do Povo de Deus” pronunciado pelo Papa São Paulo VI em 1968.

Dessas fórmulas, a que teve a maior expressão litúrgica foi o chamado Símbolo Atanasiano ou Quicumque.

1. Origem do Símbolo Atanasiano

O termo latino Quicumque refere-se ao início do texto: “Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est, ut teneat catholicam fidem” (“Todo o que quiser ser salvo, antes de tudo é necessário que mantenha a fé católica”).

O nome de “Atanasiano”, por sua vez, remete a Santo Atanásio de Alexandria (†373), um dos grandes defensores da fé do Concílio de Niceia contra o arianismo, heresia do presbítero Ário (†336), o qual afirmava que o Filho possuía um grau inferior de divindade em relação ao Pai.

A referência a Atanásio, porém, mais do que autoria, é uma “homenagem” (pseudoepigrafia), de modo que esse Símbolo é referido às vezes como “Credo Pseudo-Atanasiano”. Com efeito, este não é mencionado nem por Atanásio nem por seus contemporâneos, sendo-lhe atribuído apenas a partir dos séculos VII-VIII: por exemplo, é chamado de “Fides Athanasii” pelo Sínodo de Autun (França) de 670.

Além disso, o Símbolo Quicumque foi escrito em latim, e não em grego como faria Atanásio, e sobretudo sua 2ª parte, como veremos, remete às definições dos Concílios de Éfeso (431) e Calcedônia (451), celebrados após a morte do Patriarca de Alexandria.

As primeiras referências a esse Símbolo são de autores como São Vicente de Lérins (†450) e São Cesáreo de Arles (†543), que citam algumas frases do Símbolo em suas obras. Também a profissão de fé do IV Sínodo de Toledo (Espanha) de 633 possui alguns paralelos com o Quicumque.

Assim, a maioria dos estudiosos defende que o Símbolo Atanasiano é obra de um autor anônimo do sul da Gália (atual França), no final do século V ou na primeira metade do século VI.

Ícone de Santo Atanásio de Alexandria

2. Estrutura do Símbolo Atanasiano

Como atesta Mario Righetti (†1975), grande historiador da Liturgia, esse Símbolo, “mais do que uma profissão de fé formal, quer ser uma expressão teológica popular, uma espécie de catecismo dos dois grandes mistérios: da Trindade e da Encarnação”.

Com efeito, diferentemente dos Símbolos estruturados em 12 artigos em alusão aos Apóstolos, o Quicumque divide-se em duas grandes partes, emolduradas por uma breve introdução e uma breve conclusão:

- a 1ª parte trata do mistério da Trindade, tanto sobre a Unidade da divindade quanto sobre a distinção das Pessoas;

- a 2ª parte trata da Encarnação, enfatizando a “união hispostática”, isto é, a dupla natureza de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e concluindo com uma breve referência ao Mistério Pascal e à última vinda de Cristo (parusia).

No célebre Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, mais conhecido pelo nome do seu organizador, Heinrich Denzinger (†1883), o Quicumque aparece dividido em 42 artigos (outras versões, conforme a divisão das frases, oscilam entre 40 e 44 artigos): 1-2: Introdução; 3-28: Trindade; 29-41: Encarnação; 42: Conclusão.

3. Uso na Liturgia

Dada a sua linguagem simples e seu ritmo “repetitivo”, que facilita a memorização, o Quicumque logo se tornou muito popular, sendo utilizado primeiramente na catequese e na oração privada.

Segundo Righetti, Haito (†836), Abade do mosteiro beneditino de Reichenau (Alemanha) e Bispo de Basileia (Suíça), foi o primeiro a propor a recitação do Símbolo Atanasiano aos domingos, durante a hora Prima, a primeira oração da Liturgia das Horas, no início da manhã (ao redor das 6h).

O Papa São Pio X (†1914), por sua vez, reduziu a recitação do Quicumque aos Domingos após a Epifania e após o Pentecostes (os atuais Domingos do Tempo Comum). São João XXIII (†1963), em 1960, o restringiu ao Domingo da Santíssima Trindade.

A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II suprimiu a hora Prima, uma vez que esta se confundia com as Laudes. Assim, o Credo Atanasiano ficou excluído da Liturgia, embora possa ser recitado como ato de devoção pessoal.

Com efeito, mesmo algumas comunidades eclesiais protestantes mais tradicionais, como anglicanos ou luteranos, costumam recitá-lo no Domingo da Trindade, o 1º domingo após o Pentecostes, além de conservá-lo em seus livros de orações.

Antes da reforma litúrgica o Símbolo Atanasiano era recitado ainda:
- no final do Ritual dos Exorcismos (Ritus exorcizandi), junto a alguns salmos;
- e, em alguns lugares, nas procissões das Rogações (no dia 25 de abril e nos três dias antes da Ascensão), junto à Ladainha de Todos os Santos e os salmos penitenciais.

Vitral da Santíssima Trindade
(Catedral de Petrópolis, RJ)

4. Texto do Símbolo Atanasiano

A seguir, publicamos o texto do Símbolo Atanasiano ou Quicumque, em português e em latim, conforme consta no já mencionado Denzinger, o Compêndio dos Símbolos:

Símbolo Atanasiano

1. Todo o que quiser ser salvo, antes de tudo é necessário que mantenha a fé católica.
2. Se alguém não a conservar íntegra e inviolada, sem dúvida perecerá para sempre.

3. A fé católica é que veneremos um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade,
4. Não confundindo as pessoas, nem separando a substância;
5. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a [pessoa] do Filho, outra a [pessoa] do Espírito Santo;
6. Mas uma só é a divindade do Pai e do Filho e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade.
7. Qual o Pai, tal o Filho, [e] tal o Espírito Santo:
8. Incriado o Pai, incriado o Filho, incriado o Espírito Santo;
9. Incomensurável o Pai, incomensurável o Filho, incomensurável o Espírito Santo;
10. Eterno o Pai, eterno o Filho, eterno o Espírito Santo;
11. E, no entanto, não três eternos, mas um só eterno;
12. Como também não três incriados nem três incomensuráveis, mas um só incriado e um só incomensurável.
13. Semelhantemente, onipotente o Pai, onipotente o Filho, onipotente o Espírito Santo;
14. E, no entanto, não três onipotentes, mas um só onipotente.
15. Assim Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo;
16. E, no entanto, não três deuses, mas um só Deus.
17. Assim Senhor o Pai, Senhor o Filho, Senhor o Espírito Santo,
18. E, no entanto, não três Senhores, mas um só é o Senhor:
19. Pois, como somos obrigados pela verdade cristã a professar cada pessoa em sua singularidade como Deus e Senhor,
20. Assim a religião católica nos proíbe falar de três Deuses ou Senhores.
21. O Pai não foi feito por ninguém, nem criado nem gerado;
22. O Filho é só pelo Pai, nem feito nem criado, mas gerado;
23. E Espírito Santo [é] do Pai e do Filho, nem feito, nem criado, nem gerado, mas procedente.
24. Portanto, um só Pai, não três Pais; um só Filho, não três Filhos; um só Espírito Santo, não três Espíritos Santos.
25. E nesta Trindade nada é antes ou depois, nada maior ou menor,
26. Mas todas as três pessoas são entre si coeternas e coiguais.
27. De modo que, em tudo, como já foi dito acima, deve ser venerada e a unidade na Trindade e a Trindade na unidade.
28. Quem, pois, quiser ser salvo pense assim a respeito da Trindade.

29. Mas é necessário para a salvação eterna que também creia fielmente na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo.
30. É, portanto, reta fé que creiamos e professemos que nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, é Deus e homem:
31. É Deus gerado antes dos séculos da substância do Pai, e é homem nascido no século da substância da mãe;
32. Perfeito Deus, perfeito homem, subsistente de alma racional e carne humana;
33. Igual ao Pai segundo a divindade, inferior ao Pai segundo a humanidade;
34. Ele, apesar de ser Deus e homem, contudo não é dois mas um só Cristo;
35. Um só, porém não pela transformação da divindade em carne, mas pela assunção da humanidade em Deus;
36. Absolutamente um só, não por confusão da substância mas pela unidade da pessoa.
37. Pois, como o homem uno é alma racional e carne, assim o Cristo uno é Deus e homem.
38. Ele padeceu pela nossa salvação, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressurgiu dos mortos,
39. Subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
40. À sua vinda, todos os homens devem ressuscitar com seus corpos e hão de prestar contas de suas ações;
41. E os que fizeram o bem irão para a vida eterna, aqueles, porém, que fizeram o mal, para o fogo eterno.

42. Esta é a fé católica: se alguém não crer nela fiel e firmemente, não poderá ser salvo.

Vitral da Santíssima Trindade
(Igreja de Santo Domingo, Cidade do México)

Symbolum Athanasianum

1. Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est, ut teneat catholicam fidem:
2. Quam nisi quis que integram inviolatamque servaverit, absque dubio in aeternum peribit.

3. Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur,
4. Neque confundentes personas, neque substantiam separantes:
5. Alia est enim persona Patris, alia [persona] Filii, alia [persona] Spiritus Sancti;
6. Sed Patris et Filii et Spiritus Sancti una est divinitas, aequalis gloria, coaeterna maiestas.
7. Qualis Pater, talis Filius, talis [et] Spiritus Sanctus:
8. Increatus Pater, increatus Filius, increatus Spiritus Sanctus;
9. Immensus Pater, immensus Filius, immensus Spiritus Sanctus;
10. Aeternus Pater, aeternus Filius, aeternus Spiritus Sanctus;
11. Et tamen non tres aeterni, sed unus aeternus;
12. Sicut non tres increati nec tres immensi, sed unus increatus et unus immensus.
13. Similiter omnipotens Pater, omnipotens Filius, omnipotens Spiritus Sanctus;
14. Et tamen non tres omnipotentes, sed unus omnipotens.
15. Ita Deus Pater, Deus Filius, Deus Spiritus Sanctus;
16. Et tamen non tres Dii, sed unus Deus.
17. Ita Dominus Pater, Dominus Filius, Dominus Spiritus Sanctus;
18. Et tamen non tres Domini, sed unus est Dominus:
19. Quia, sicut singillatim unamquamque personam Deum ac Dominum confiteri christiana veritate compellimur,
20. Ita tres Deos aut Dominos dicere catholica religione prohibemur.
21. Pater a nullo est factus nec creatus nec genitus;
22. Filius a Patre solo est, non factus nec creatus, sed genitus;
23. Spiritus Sanctus a Patre et Filio, non factus nec creatus nec genitus, sed procedens.
24. Unus ergo Pater, non tres Patres; unus Filius, non tres Filii; unus Spiritus Sanctus, non tres Spiritus Sancti.
25. Et in hac Trinitate nihil prius aut posterius, nihil maius aut minus,
26. Sed totae tres personae coaeternae sibi sunt et coaequales.
27. Ita ut per omnia, sicut iam supra dictum est, et unitas in Trinitate et Trinitas in unitate veneranda sit.
28. Qui vult ergo salvus esse, ita de Trinitate sentiat.

29. Sed necessarium est ad aeternam salutem, ut incarnationem quoque Domini nostri Iesu Christi fideliter credat.
30. Est ergo fides recta, ut credamus et confiteamur, quia Dominus noster Iesus Christus, Dei Filius, Deus et homo est:
31. Deus est ex substantia Patris ante saecula genitus, et homo est ex substantia matris in saeculo natus;
32. Perfectus Deus, perfectus homo ex anima rationali et humana carne subsistens;
33. Aequalis Patri secundum divinitatem, minor Patre secundum humanitatem;
34. Qui, licet Deus sit et homo, non duo tamen, sed unus est Christus;
35. Unus autem non conversione divinitatis in carnem, sed assumptione humanitatis in Deum;
36. Unus omnino, non confusione substantiae, sed unitate personae.
37. Nam sicut anima rationalis et caro unus est homo, ita Deus et homo unus est Christus.
38. Qui passus est pro salute nostra, descendit ad inferos, tertia die resurrexit a mortuis,
39. Ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Patris, inde venturus est iudicare vivos et mortuos.
40. Ad cuius adventum omnes homines resurgere habent cum corporibus suis, et reddituri sunt de factis propriis rationem;
41. Et qui bona egerunt, ibunt in vitam aeternam, qui vero mala, in ignem aeternum.

42. Haec est fides catholica: quam nisi quisque fidelliter firmiterque crediderit, salvus esse non poterit.


A triquetra ou "nó da Trindade"

Referências:

DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Traduzido com base na 40ª edição alemã (2005), aos cuidados de Peter Hünermann. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007, pp. 40-42.

RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955, pp. 217-219.

SULLIVAN, James. The Athanasian Creed. in: Catholic Encyclopedia, vol. 2, 1907. Disponível em: New Advent.

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