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terça-feira, 6 de julho de 2021

Leitura litúrgica do Livro de Amós

“Jorre o direito como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca” (Am 5,24)

Em abril de 2019 iniciamos nossa série de postagens sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura com a obra do profeta Joel, após o qual analisamos, dentre os "profetas menores” (assim chamados pela menor extensão da obra), também a profecia de Miqueias.

Nesta postagem e na próxima retomaremos esse grupo de escritos bíblicos com seus dois primeiros representantes e os únicos que atuaram do Reino do Norte (Israel): Amós (Am) e Oseias (Os).

1. Breve introdução ao Livro de Amós

O primeiro versículo da obra nos apresenta Amós como um pastor de Técua, uma vila a 09 quilômetros a sudoeste de Belém (portanto, no Reino do Sul, Judá). Em Am 7,14 o profeta acrescenta que é também um cultivador de sicômoros, uma espécie de figo.

Sua atuação profética situa-se no séc. VIII a. C., durante o reinado de Jeroboão II em Israel (782-753), o que o torna o primeiro dos “profetas escritores”. O período, marcado por relativa tranquilidade, leva à corrupção, à grande desigualdade social e ao culto hipócrita, desvinculado do compromisso de conversão.

"Profeta Amós" de Aleijadinho
(Santuário de Bom Jesus de Matosinhos - MG)

O livro possui dois grandes gêneros literários:
- os “oráculos”, isto é, as “palavras” nos cap. 1–6 (Am 1,3: “Assim falou o Senhor...”);
- e as “visões” nos cap. 7–9 (Am 7,1: “Assim me fez ver o Senhor...”).

Não obstante, a obra pode ser assim dividida:
a) Oráculos contra as nações: Am 1,3–2,16;
b) Oráculos contra Israel: Am 3,1–6,14;
c) Visões: Am 7,1–9,10;
d) Oráculos de salvação: Am 9,11-15.

Os oráculos contra as nações, constituídos de acusação (crimes) e sentença (castigo) são oito, dirigidos não apenas às nações estrangeiras, mas também a Judá e Israel. Alguns autores, porém, teorizam que alguns desses oráculos são interpolações posteriores (assim como os oráculos de salvação no final da obra).

O Reino do Norte torna-se o centro das advertências do profeta a partir do cap. 3. Os oráculos contra Israel são nove, marcados pelos convites “Ouvi esta palavra...” e “Buscai o Senhor...” e pelo lamento “Ai daqueles que...”, intercalados por doxologias (fórmulas de louvor) a Deus como criador.

As visões, por fim, são cinco, em uma escala crescente:
- nas duas primeiras, que anunciam pragas (gafanhotos e seca), o profeta intercede a Deus pelo povo;
- na terceira e na quarta, de caráter mais alegórico (fio de prumo e cesto de frutos), o profeta se cala;
- e na quinta, que é uma teofania, isto é, uma manifestação de Deus, o Senhor intervém para destruir o santuário do culto hipócrita e punir os pecadores.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem [1].

Vale recordar ainda, como vimos em nossas postagens sobre o culto dos santos do Antigo Testamento, que o profeta Amós é comemorado pelo Martirológio Romano no dia 15 de junho.

2. Leitura litúrgica do Livro de Amós: Composição harmônica

Nossa análise da presença do Livro de Amós nas celebrações litúrgicas segue os dois critérios de seleção dos textos indicados no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa [2]. Começamos pela composição harmônica, isto é, a escolha do texto por sua sintonia com o tempo ou a festa litúrgica.

Seguindo este critério, temos quatro ocorrências de Amós nas celebrações do Rito Romano: três como 1ª leitura em domingos do Tempo Comum e uma como leitura ad libitum (à escolha) para um formulário de Missas para diversas necessidades.

"O Senhor rugirá de Sião, de Jerusalém levantará a sua voz" (Am 1,2)
(Brasão da cidade de Jerusalém com o "Leão de Judá")

Nos domingos do Tempo Comum as leituras do Antigo Testamento foram selecionadas em “relação às perícopes evangélicas” [3]. Assim:

- no XV Domingo do Tempo Comum do ano B lemos Am 7,12-15 [4], o diálogo entre Amós e Amasias, sacerdote de Betel, no qual o profeta relata sua vocação. Esse tema é retomado no Evangelho (Mc 6,7-13), no qual Jesus envia os Doze em missão;

- no XXV Domingo do Tempo Comum do ano C lê-se Am 8,4-7 [5], a advertência do profeta contra a corrupção e a opressão dos pobres, que complementa a parábola do administrador infiel do Evangelho (Lc 16,1-13);

- no XXVI Domingo do Tempo Comum do ano C lemos Am 6,1a.4-7 [6], o lamento de Amós sobre os ricos que depositam toda a sua confiança nos bens materiais, que se relaciona com outra parábola evangélica: o rico e Lázaro (Lc 16,19-31).

Por fim, a última leitura de Amós em composição harmônica é proposta ad libitum (à escolha) para a Missa pela reconciliação: Am 5,4.14-15.21-24 [7]. Trata-se da exortação do profeta a buscar o bem e não o mal, concluindo com sua crítica ao culto desvinculado da vida.

3. Leitura litúrgica do Livro de Amós: Leitura semicontínua

O segundo critério para a escolha dos textos bíblicos é a leitura semicontínua, isto é, a leitura dos principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus.

a) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística a leitura semicontínua de Amós está distribuída ao longo da XIII semana do Tempo Comum no ano par, logo após a leitura dos Livros dos Reis e antes da leitura de Oseias.

Nos dias de semana do Tempo Comum, com efeito, leem-se o Antigo e o Novo Testamento, oferecendo uma visão de conjunto dos principais acontecimentos da história da salvação [8]. As perícopes selecionadas aqui são:

XIII semana do Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: Am 2,6-10.13-16;
Terça-feira: Am 3,1-8; 4,11-12;
Quarta-feira: Am 5,14-15.21-24;
Quinta-feira: Am 7,10-17;
Sexta-feira: Am 8,4-6.9-12;
Sábado: Am 9,11-15 [9].

"Profeta Amós"
(Melozzo da Forlì - séc. XV)

b) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas, por sua vez, a leitura semicontínua de Amós está concentrada no Ofício das Leituras de quatro dias da XVIII semana do Tempo Comum. Nos outros três dias, como veremos na próxima postagem, inicia-se a leitura de Oseias.

Ofício das Leituras da XVIII semana do Tempo Comum:
Domingo: Am 1,1–2,3 - “Sentenças do Senhor contra as nações”;
Segunda-feira: Am 2,4-16 - “Sentenças do Senhor sobre Judá e Israel”;
Terça-feira: Am 7,1-17 - “Visões de ruínas”;
Quarta-feira: Am 9,1-15  - “A salvação dos justos” [10].

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, a profecia de Amós é lida na íntegra por nove dias, cerca de um capítulo por dia, entre a XXII e a XXIII semanas do Tempo Comum no ano ímpar, igualmente sucedido por Os.

Sua leitura é precedida, no domingo da XXII semana, por um prelúdio do Segundo Livro dos Reis, como vimos na sua postagem própria, que apresenta o contexto histórico do reinado de Jeroboão II em Israel (2Rs 14,1-27).

Indicamos a seguir em negrito as leituras “inéditas” em relação ao ciclo anual [11]:

XXII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Segunda e terça: como no domingo e na segunda-feira da XVIII semana no ciclo anual;
Quarta: Am 3,1-15 - “Visita do Senhor a Samaria e Betel”;
Quinta: Am 4,1-13 - “Contra as mulheres de Samaria e o culto de Israel”;
Sexta: Am 5,1-17 - “Lamentações e exortações”;
Sábado: Am 5,18–6,14 - “O Dia do Senhor. Contra o culto exterior e a falsa segurança”.

XXIII semana do Tempo Comum (ano ímpar)
Domingo: como na terça-feira da XVIII semana no ciclo anual;
Segunda: Am 8,1-14 - “Outras visões”;
Terça: como na quarta-feira da XVIII semana no ciclo anual

Por fim, além das leituras longas, temos ainda três leituras breves de Amós nos três momentos da Hora Média da quinta-feira da I semana do Saltério, tomadas das doxologias ao Deus criador:
9h: Am 4,13 - “Ei-lo que forma as montanhas e cria o vento...”;
12h: Am 5,8 - “Aquele que fez as estrelas das Plêiades e o Órion...”;
15h: Am 9,6  - “Senhor é o nome daquele que constrói no céu...” [12].

Vale lembrar que essas leituras são proferidas apenas no Tempo Comum, uma vez que os Tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa possuem leituras próprias.

"Aquele que fez as estrelas... seu nome é Senhor" (Am 5,8)
(Mosaico da Catedral de Monreale - séc. XII)

Concluímos assim este breve percurso pelas leituras do Livro de Amós nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Como afirmamos acima, na próxima postagem contemplaremos o outro profeta do Reino do Norte no século VIII a. C.: Oseias.

[Atualização: Para acessar a postagem sobre o Livro de Oseias, publicada no dia 09 de julho, clique aqui]

Notas:
[1] DE LACY, J. M. Abrego. Os livros proféticos. 2ª ed. São Paulo: Ave Maria, pp. 52-72. in: Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia, v. 4.
BUTTICAZ, Simon. Amós. in: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo Testamento: História, Escritura e Teologia. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 491-503.
[2] ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[3] ibid., p. 103.
[4] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, p. x.
[5] ibid., p. x.
[6] ibid., p. x.
[7] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. x.
[8] cf. ALDAZÁBAL, op. cit., pp. 105-106.
[9] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. x.
[10] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, pp. 40.46.50.54.
[11] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[12] OFÍCIO DIVINO, v. III, pp. 709-710; v. IV, pp. 663-664.

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