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domingo, 25 de julho de 2021

Hinos de São Joaquim e Santa Ana: Vésperas

As últimas postagens do nosso blog foram dedicadas à Memória de São Joaquim e Santa Ana, no dia 26 de julho: após percorrer brevemente a história do culto a estes dois santos, venerados no Oriente e no Ocidente como os pais da Virgem Maria (e, portanto, os avós de Jesus), começamos a apresentar os seus hinos na Liturgia das Horas.

Após apresentar o hino das Laudes (oração da manhã), Nocti succedit lucifer (A estrela d'alva já brilha), composição anônima do século XV centrada em Santa Ana, passamos agora ao hino das Vésperas (oração da tarde), indicado também para o Ofício das Leituras: Dum tuas festo, pater (Enquanto uma coroa em tua honra).

Esta composição, também de autoria anônima, remonta provavelmente ao século XVII e destaca a figura de São Joaquim.

São Joaquim
(Igreja da Natividade de Maria - Madley, Inglaterra)

Confira a seguir o texto do hino no original em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, seguidos de alguns comentários sobre sua teologia:

Vésperas (e Ofício das Leituras): Dum tuas festo, pater

Dum tuas festo, pater o colénde,
cántico laudes habet haec coróna,
vocis ac mentis, Ióachim, benígne
áccipe munus.

Longa te regum séries avórum
Abrahae prolem tulit atque David;
clárior mundi dómina corúscas
prole María.

Sic tuum germen benedícta ab Anna
éditum, patrum repetíta vota
implet, et maesto próperat reférre
gáudia mundo.

Laus tibi, Prolis Pater increátae;
laus tibi, summi Súboles Paréntis;
summa laus, compar, tibi sit per omne,
Spíritus, aevum. Amen [1].

O anjo anuncia a Joaquim, no deserto entre os pastores, o nascimento de Maria
(Giotto - Cappella degli Scrovegni, Pádua)

Vésperas (e Ofício das Leituras): Enquanto uma coroa em tua honra

Enquanto uma coroa em tua honra
celebra o teu louvor festivamente,
recebe, São Joaquim, pai venerável,
a voz dos corações em prece ardente.

Dos reis antepassados és linhagem:
Davi e Abraão, és deles filho.
Mas é por tua filha, a Soberana
do mundo, que adquires maior brilho.

Assim, a tua prole abençoada,
nascida de Sant’Ana em belo dia,
dos pais, todos os votos realiza
e traz ao mundo triste a alegria.

Louvor ao Pai do Filho incriado.
A vós, Filho de Deus, louvor também.
Igual louvor a vós, Espírito Santo,
agora e pelos séculos. Amém [2].

Comentário:

Diferentemente da maioria dos hinos da Liturgia das Horas, que possuem cinco estrofes, nosso hino possui apenas quatro: após uma introdução ou convite ao louvor (1ª estrofe), narram-se os motivos do louvor (2ª e 3ª estrofes) e conclui-se, como de costume, com uma doxologia (fórmula de louvor) em honra da Trindade.

a) 1ª estrofe:

Assim como o célebre hino das Vésperas de São José (Te, Ioseph, célebrent), este hino está dirigido diretamente ao santo em cuja honra foi composto, referido na 2ª pessoa do singular.

A primeira estrofe, mais do que um convite ao louvor, é um “oferecimento” do hino a Joaquim, unido à súplica para que o acolha.

Os primeiros dois versos integram o “oferecimento” do hino, comparado a uma “coroa”: “Dum tuas festo, pater o colénde, cántico laudes habet haec coróna...”, que em uma tradução livre seria: “Enquanto em tua honra, ó pai venerável, entoamos esse cântico de louvor como uma coroa...”.

Ícone do encontro entre Joaquim e Ana (séc. XVII)

Os dois versos seguintes, por sua vez, são um pedido a Joaquim para que acolha a oferta desse hino: “vocis ac mentis, Ióachim, benígne áccipe munus” - “Acolhe benigno, ó Joaquim, o dom de nossas vozes e mentes”.

Sobre a relação entre “voz” e “mente” na Liturgia, vale recordar o n. 11 da Constituição Sacrosanctum Concilium do Concílio Vaticano II: “É necessário que os fiéis celebrem a Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam” (mentem suam voci accommodent).

Trata-se de uma paráfrase do capítulo 19 da Regra de São Bento, “Da maneira de salmodiar” (De disciplina psallendi): “tal seja a nossa presença na salmodia, que nossa mente concorde com nossa voz” (sic stemus ad psallendum, ut mens nostra concordet voci nostrae).

Esta é uma exortação fundamental não apenas para a recitação dos salmos e hinos, mas para a oração litúrgica em geral: que tomemos consciência do que estamos celebrando, para que não aconteça, como continua a Sacrosanctum Concilium, que "recebamos em vão a graça de Deus" (cf. 2Cor 6,1).

b) 2ª estrofe:

A 2ª e a 3ª estrofes, como vimos, compõem o corpo do hino, elencando os motivos do louvor a São Joaquim.

Os primeiros dois versos da 2ª estrofe recordam a ascendência de Joaquim: “Longa te regum séries avórum Abrahae prolem tulit atque David” - “Procedes de uma série de reis antepassados, és prole de Abraão e de Davi”.

Como vimos em nossa postagem sobre o hino das Laudes , a tradição judaica estipulava que a mulher casasse com um homem da mesma tribo do seu pai (cf. Nm 36). Assim, uma vez que José era da descendência de Davi (Mt 1,1-17; Lc 1,27; 3,23-38), é razoável supor que Maria e Joaquim também o fossem.

Árvore de Jessé
(Livro de Horas de Spinola, séc. XVI)

O hino, porém, afirma que a descendência de Joaquim é ainda maior que seus antepassados: clárior mundi dómina coruscas prole María - “resplandeces mais claramente por tua prole, Maria, senhora do mundo”.

Maria, com efeito, é invocada na Ladainha Lauretana como “Rainha dos Patriarcas”, sendo portanto “senhora” de seus antepassados Abraão e Davi. Se isto se diz de Maria, quanto mais de Jesus, “filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1,1), também Ele descendente de Joaquim (cf. Jo 8,57; Mt 22,41-46).

c) 3ª estrofe:

Prosseguindo com os motivos do louvor a Joaquim, a 3ª estrofe continua celebrando sua descendência, mencionando também sua esposa Ana: “Sic tuum germen benedícta ab Anna...” - “Assim, tua prole bendita, nascida de Ana...”.

Dessa “prole bendita” de Joaquim e Ana, isto é, a Virgem Maria, o hino diz que:

- “éditum, patrum repetíta vota implet” - “enche de alegria a incessante oração dos pais”. Os “pais” aqui são todos os justos do Antigo Testamento, que rezavam aguardando a vinda do Messias prometido, a qual realiza-se através do “sim” de Maria;

- “et maesto próperat reférre gáudia mundo” - “e apressa-se a trazer a alegria ao mundo abatido”. O anúncio do anjo a Maria começa justamente com esta exortação: “Alegra-te” (Lc 1,28), que nos remete às profecias de Sf 3,14-15 e Zc 2,14.

Joaquim e Ana com a Virgem Maria
(Monte Athos, Grécia)

d) 4ª estrofe:

Por fim, a quarta e última estrofe é, como vimos, uma doxologia (fórmula de louvor), dirigida diretamente a cada um das Pessoas da Santíssima Trindade na 2ª pessoa do singular:

- “Laus tibi, Prolis Pater increátae” - “Louvor a ti, Pai do Filho incriado”. Como rezamos no Símbolo da fé, o Filho é “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”;

- “Laus tibi, summi Súboles Paréntis” - “Louvor a ti, Rebento do supremo Genitor”, isto é, o Filho;

- “Summa laus, compar, tibi sit per omne, Spíritus, aevum” - “Sumo louvor igualmente a ti, Espírito, para sempre”. O Símbolo Niceno-Constantinopolitano atesta que o Espírito “com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”.


Notas:


[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, p. 1452.

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