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quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Leitura litúrgica do Livro do Deuteronômio (3)

Vos propus a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19)

Já dedicamos duas postagens aqui em nosso blog ao estudo da leitura litúrgica do Livro do Deuteronômio (Dt), tema do “Mês da Bíblia” neste ano de 2020. Após analisar as celebrações em que sua leitura segue o critério da composição harmônica, consideramos agora sua leitura semicontínua.

[Para acessar a primeira parte clique aqui / Para acessar a segunda parte, clique aqui]

3. Leitura litúrgica de Dt: Leitura semicontínua

A leitura semicontínua [1] consiste na leitura dos principais textos do livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Sagrada Escritura.

a) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística, a leitura semicontínua do Dt está localizada entre a XVIII e a XIX semanas do Tempo Comum nos anos ímpares, situada, seguindo a ordem da Escritura, entre a leitura do Livro dos Números e do Livro de Josué. As cinco perícopes escolhidas do nosso livro são:

XVIII semana do Tempo Comum (ano ímpar):

Sexta-feira: Dt 4,32-40 (Moisés recorda os grandes feitos do Senhor em favor do seu povo);

Sábado: Dt 6,4-13 (o célebre texto do “Shemá, Israel” - vide abaixo -, seguido da exortação a não esquecer-se do Senhor nos tempos de fartura).

XIX semana do Tempo Comum (ano ímpar):

Segunda-feira: Dt 10,12-22 (exortação à “circuncisão do coração”, ou “abertura do coração” na tradução brasileira para a Liturgia);

Terça-feira: Dt 31,1-8 (narração da eleição de Josué como sucessor de Moisés) - neste dia o salmo é tomado do cântico de Dt 32, como veremos adiante;

Quarta-feira: Dt 34,1-12 (narração da morte de Moisés).

Moisés levado pelos anjos (Joaquín Espalter y Rull, séc. XIX)

b) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas, por sua vez, o Deuteronômio é lido por duas semanas inteiras, no Ofício das Leituras da II e III semanas do Tempo Comum. Aqui sua leitura é precedida pelo Livro do Eclesiástico e sucedida pela Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses. As quatorze perícopes selecionadas do Dt são [2]:

Ofício das Leituras da II semana do Tempo Comum:
Domingo: Dt 1,1.6-18 - “Últimas palavras de Moisés em Moab”;
Segunda-feira: Dt 4,1-8.32-40 - “Discurso de Moisés ao povo”;
Terça-feira: Dt 6,4-25 - “A lei do amor”;
Quarta-feira: Dt 7,6-14; 8,1-6 - “Israel, o povo escolhido”;
Quinta-feira: Dt 9,7-21.25-29 - “Os pecados do povo e a intercessão de Moisés”;
Sexta-feira: Dt 10,12–11,9.26-28 - “Deus é a única escolha”;
Sábado: Dt 16,1-17 - “As festas a serem celebradas”.

Ofício das Leituras da III semana do Tempo Comum:
Domingo: Dt 18,1-22 - “Os levitas. Os verdadeiros e os falsos profetas”;
Segunda-feira: Dt 24,1–25,4 - “Preceitos em relação ao próximo”;
Terça-feira: Dt 26,1-19 - “Profissão de fé dos filhos de Abraão”;
Quarta-feira: Dt 29,1-5.9-28 - “Maldição sobre os transgressores da aliança”;
Quinta-feira: Dt 30,1-20 - “Promessa de perdão depois do exílio”;
Sexta-feira: Dt 31,1-15.23 - “Últimas palavras de Moisés”;
Sábado: Dt 32,48-52; 34,1-12 - “A morte de Moisés”.

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, nosso livro é lido por pouco mais de duas semanas, da quinta-feira após as Cinzas até o sábado da III semana da Quaresma no ano ímpar. Indicamos a seguir em negrito os dias com leituras “inéditas” de Dt [3]:

Quinta e sexta após as Cinzas: Como acima, no domingo e segunda da II semana;
Sábado após as Cinzas: Dt 5,1-22 - “O Decálogo”.

I semana da Quaresma (ano ímpar)
Domingo a quarta: Como acima, de terça a sexta da II semana;
Quinta-feira: Dt 12,1-14 - “A lei do único templo”;
Sexta-feira: Dt 15,1-18 - “Remissão das dívidas”;
Sábado: Como acima, no sábado da II semana.

II semana da Quaresma (ano ímpar)
Como acima, na III semana do Tempo Comum no ciclo anual.

Além das leituras longas do Ofício, temos ainda oito leituras breves do Dt distribuídas ao longo das quatro semanas do Saltério (isto é, as quatro semanas nas quais foi distribuída a recitação dos salmos), proferidas na Hora Média e nas Laudes.

Na II semana do Saltério encontramos três leituras:

- na Hora Média (9h) da quarta-feira: Dt 1,16-17a [4], exortando à justiça e não fazer acepção de pessoas;

- na Hora Média (9h) da sexta-feira: Dt 1,31b [5], uma recordação de que Deus nos guia pelo caminho;

- na Hora Média (9h) do sábado: Dt 8,5b-6 [6], quase que complementando a leitura anterior, aqui se recorda que Deus nos ensina o caminho de seus mandamentos.

Moisés e Aarão com os Dez Mandamentos (Aaron de Chaves, séc. XVII)

A III semana do Saltério traz-nos outras duas leituras:

- na Hora Média (12h) da terça-feira: Dt 15,7-8 [7], trecho que exorta a não “endurecer o coração” diante do sofrimento do pobre;

- na Hora Média (12h) da quinta-feira: Dt 4,7 [8], uma recordação da proximidade de Deus ao seu povo.

Na IV semana do Saltério, enfim, lemos três textos do nosso escrito:

- na Hora Média (12h) do domingo: Dt 10,12 [9], exortando a amar e servir ao Senhor;

- na Hora Média (12h) da terça-feira: Dt 30,11.14 [10], a exortação a conservar a Palavra na boca e no coração;

- nas Laudes da quarta-feira: Dt 4,39-40a [11], a afirmação de que o Senhor é o único Deus.

Temos ainda uma perícope do Dt presente todas as semanas na recitação das Completas: o célebre texto do “Shemá, Israel” (“Ouve, Israel”), Dt 6,4-7 [12], proclamado nas Completas do sábado, recitada também nas vésperas das solenidades.

Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E trarás gravadas em  teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno” (Dt 6,4-6)

4. Leitura litúrgica de Dt: Cânticos

Por fim, não poderíamos concluir nosso estudo sobre a presença do Livro do Deuteronômio nas celebrações litúrgicas do Rito Romano sem considerar as ocasiões em que este é proclamado na forma de cântico.

Já vimos na primeira postagem, em uma breve introdução ao livro, que o capítulo 32 contém um longo cântico de Moisés (vv. 1-44) exaltando o poder de Deus e suas ações em favor do povo, e ao mesmo tempo repreendendo este por sua desobediência.

Nas celebrações litúrgicas encontramos vários trechos do cântico. Começamos aqui pela Liturgia das Horas, que é o lugar por excelência dos salmos e cânticos:

Os primeiros doze versículos do texto - Dt 32,1-12 - compõem o cântico das Laudes do sábado da II semana do Saltério [13], intitulado justamente “Os benefícios de Deus ao povo”.

Moisés contempla a Terra Prometida (James Tissot, séc. XIX)

Na Celebração Eucarística, por sua vez, encontramos cinco ocasiões em que trechos do nosso cântico são entoados como “salmos”, sempre nos dias de semana do Tempo Comum.

Nos anos ímpares encontramos o cântico em apenas uma celebração: na Missa da terça-feira da XIX semana do Tempo Comum, quando se entoam os vv. 3-4a.7-9.12. Aqui o cântico acompanha a leitura do Dt, como vimos acima.

Nos anos pares temos as outras quatro ocorrências do texto. Primeiramente na segunda-feira da XVII semana do Tempo Comum entoam-se os vv. 18-21, nos quais Moisés repreende o povo por sua desobediência. Tal temática está presente na leitura (Jr 13,1-11), na qual o próprio Deus repreende o povo por sua infidelidade.

A mesma perícope do cântico (vv. 18-21) é entoada na segunda-feira da XX semana do Tempo Comum, acompanhando desta vez a profecia de Ezequiel (Ez 24,15-24).

Na sexta-feira da XVIII semana do Tempo Comum, por sua vez, entoa-se Dt 32,35cd-36ab.39.41, trecho no qual se exalta a justiça de Deus. O cântico ilustra a profecia de Naum lida na celebração (Na 2,1.3; 3,1-3.6-7), que anuncia a restauração de Israel e a destruição dos opressores (no caso, o Império Assírio, representado pela cidade de Nínive).

A última perícope do nosso cântico entoada nas celebrações é Dt 32,26-28.30.35cd-36ab, na terça-feira da XX semana do Tempo Comum dos anos pares. Como na celebração anterior, o texto canta a justiça de Deus, enquanto a leitura - mais uma vez do profeta Ezequiel (Ez 28,1-10) - vaticina a ruína do rei de Tiro.

* * *

Concluímos assim nosso percurso pelas leituras do Livro do Deuteronômio nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Nossas próximas postagens desta série, complementando este estudo, serão dedicadas à análise da leitura litúrgica dos Livros de Josué e Juízes, que continuam a narrar a história do povo de Israel e, junto com os Livros de Samuel e dos Reis, integram a literatura deuteronomista.

[Para ler a postagem sobre o Livro de Josué, publicada no dia 07 de outubro, clique aqui]

A consagração de Josué (Arnold Friberg, séc. XX)

Notas
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, v. III, pp. 64.68.72.75.79.83.87.91.96.100.104.108.112.115.
[3] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[4] OFÍCIO DIVINO, v. III, p. 828; v. IV, p. 782.
[5] ibid., v. III, p. 869; v. IV, p. 823.
[6] ibid., v. III, p. 888; v. IV, p. 842.
[7] ibid., v. III, p. 946; v. IV, p. 900.
[8] ibid., v. III, p. 986; v. IV, p. 940.
[9] ibid., v. III, p. 1045; v. IV, p. 999.
[10] ibid., v. III, p. 1082; v. IV, p. 1036.
[11] ibid., v. III, p. 1097; v. IV, p. 1051.
[12] ibid., v. I, p. 992; v. II, p. 1400; v. III, p. 1160; v. IV, p. 1114.
[13] ibid., v. I, p. 796; v. II, p. 1187; v. III, p. 881; v. IV, p. 835.

[Observação: Devido ao distanciamento social ocasionado pela atual pandemia de coronavírus (Covid-19), não temos acesso aos Lecionários I-III para indicar as páginas das leituras. Assim que a situação se normalizar, atualizaremos a postagem com as devidas referências]

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