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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Liturgia no Documento “O dom da vocação presbiteral”

No final do ano de 2019 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou as novas Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil (Documento n. 110), fruto de sua 56ª Assembleia Geral, que aconteceu em 2018.

Estas Diretrizes são consequência da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis (Documento O dom da vocação presbiteral), publicada pela Congregação para o Clero em 2016. Já no início deste documento há a orientação para que cada Conferência Episcopal publique suas diretrizes nacionais (Capítulo 1: Normas gerais).

Assim, antes de analisar o Documento da CNBB, como fizemos com as Diretrizes da Ação Evangelizadora 2019-2023, vamos analisar o Documento O dom da vocação presbiteral, no qual ele se baseia, sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular.


Introdução
Encontramos a primeira referência à Liturgia no Documento já na Introdução. No ponto n. 3 afirma-se que “a formação dos sacerdotes é a continuação de um único ‘caminho de discipulado’ que se inicia com o Batismo, se aperfeiçoa com os demais sacramentos da iniciação cristã, para ser depois acolhido como centro da própria vida no momento de entrada no Seminário, e continua por toda a vida”.

2. As vocações sacerdotais
O capítulo 2 versa sobre a Pastoral Vocacional e as primeiras formas de acompanhamento dos candidatos, como o Seminário Menor.

Primeiramente, ao referir-se à Pastoral Vocacional, o Documento pede que sejam apoiadas as iniciativas de oração pessoal e comunitária pelas vocações. “Alguns momentos durante o Ano Litúrgico parecem especialmente adequados para tal finalidade, e cabe à autoridade eclesiástica estabelecer a data para algumas celebrações particularmente significativas” (n. 14). O Documento menciona a seguir o Dia Mundial de Oração pelas Vocações no IV Domingo da Páscoa, o “Domingo do Bom Pastor”.

Ao tratar do Seminário Menor, o Documento prevê primeiramente o “recurso frequente aos sacramentos” como um critério positivo para a admissão dos candidatos (n. 19). Em seguida, no n. 21, ao refletir sobre os objetivos desta etapa formativa, aborda a vivência litúrgica dentro da dimensão espiritual:

Um elemento necessário nesta formação espiritual é, sobretudo, a vida litúrgica e sacramental - da qual os jovens deverão participar com uma tomada de consciência sempre mais viva, de acordo com o avançar da própria idade -, juntamente com a devoção mariana e os demais exercícios de piedade cotidiana ou periódica, a definir no regulamento de cada Seminário”.


3. Os fundamentos da formação
O terceiro capítulo do Documento traz algumas reflexões sobre o sacerdócio. Assim, no n. 31 recorda-se o sacramento do Batismo, pelo qual “todo o Povo de Deus participa, de fato, na obra redentora de Cristo, oferecendo um ‘sacrifício vivo, santo a agradável a Deus’ (Rm 12,1) como povo sacerdotal (1Pd 2,4-9). A unidade e a dignidade da vocação batismal precedem cada uma das diferenças ministeriais” [1].

Na sequência, os n. 32 e 33 apresentam o sacerdócio ministerial, indicando o presbítero como aquele que possui o poder de “oferecer o Sacrifício, perdoar os pecados e exercer oficialmente o ofício sacerdotal” (n. 32) como “mestre da Palavra e ministro dos sacramentos” (n. 33) [2].

Na mesma linha, o n. 36 recorda o sacerdócio de Cristo. Ele inaugurou em si um novo sacerdócio, uma nova aliança, um novo sacrifício. Suas palavras na Última Ceia “explicam a ‘específica reciprocidade entre a Eucaristia e o Sacerdócio (...): trata-se de dois Sacramentos que nasceram juntos e cujas sortes estão indissoluvelmente ligadas até o fim do mundo’. Assim, o ministério e a vida do presbítero estão radicados essencialmente na Eucaristia” [3].

Ainda refletindo sobre os fundamentos da formação, o n. 42 do Documento recorda a importância que o futuro sacerdote deve ter com a vida espiritual, “centrada prioritariamente sobre a comunhão com Cristo segundo os Mistérios celebrados durante o Ano Litúrgico”.

No mesmo número, porém, o Documento adverte contra alguns sinais de “mundanidade espiritual” entre os seminaristas, dentre os quais se inclui “o cuidado somente exterior e ostentado com a ação litúrgica”.

4. Formação inicial e permanente
O capítulo quarto apresenta as etapas da formação inicial (propedêutico, estudos filosóficos, estudos teológicos e pastoral), além da formação permanente dos presbíteros.

A etapa do Propedêutico, primeiramente, é de iniciação à vida espiritual. Portanto, “será sobretudo necessário levar os seminaristas à oração através da vida sacramental, da Liturgia das Horas, da familiaridade com a Palavra de Deus (...)” (n. 59).

Sobre a etapa dos estudos filosóficos, o Documento recomenda conclui-la com o rito da “admissão do seminarista entre os candidatos às Ordens sacras” (n. 67). A etapa dos estudos teológicos, por sua vez, é o tempo da instituição nos “ministérios de leitor e acólito”, que dispõem os candidatos ao serviço “da Palavra e do Altar” (n. 72).

Por fim, o n. 77 trata, concluídas as etapas da formação inicial, das ordenações diaconal e presbiteral, as quais devem ser preparadas espiritualmente, inclusive com “a meditação assídua dos ritos da ordenação, que, nas orações e nos gestos litúrgicos, compendiam e exprimem o profundo significado do sacramento da Ordem na Igreja”.


5. Dimensões da formação
O capítulo quinto apresenta as quatro dimensões da formação presbiteral, como delineadas pela Exortação Pastores Dabo Vobis: humana, espiritual, intelectual e pastoral. Ao tratar da dimensão espiritual, encontramos as principais contribuições do Documento sobre o tema da Liturgia.

O n. 102 introduz o tema, destacando que “através da oração, da escuta da Palavra, da participação assídua nos sacramentos, na Liturgia e na vida comunitária, o seminarista fortalece o próprio vínculo de união com Deus”.

O parágrafo continua em seguida destacando o valor do Ano Litúrgico: “No percurso formativo, o Ano Litúrgico oferece a mistagogia pedagógica da Igreja, permitindo aprender a espiritualidade que lhe é própria através da interiorização dos textos bíblicos e das orações da Liturgia” [4].

Após o n. 103, sobre a Palavra de Deus, o n. 104 apresenta-nos o tema da Eucaristia:

Em virtude da necessária conformação a Cristo, ‘os candidatos à ordenação devem, antes de mais, ser formados a uma fé muito viva na Eucaristia’, em vista daquilo que viverão após a ordenação presbiteral. A participação cotidiana na Celebração Eucarística, que encontra a sua natural continuidade na adoração eucarística, permeia a vida do seminarista, de modo a que, ao longo dela, possa amadurecer uma constante união com o Senhor” [5].

Na sequência, o n. 105 recorda a importância da Liturgia das Horas:

Na vida de oração de um presbítero não deve faltar a Liturgia das Horas, que representa uma verdadeira e própria ‘escola de oração’ também para os seminaristas, os quais, aproximando-se gradualmente à oração da Igreja, através do Ofício Divino, aprendem a apreciar a sua riqueza e beleza” [6].

Conclui esta tríade de parágrafos sobre a Liturgia o n. 106, que versa sobre o sacramento da Reconciliação:

A celebração regular e frequente do sacramento da Penitência, preparado através de um cotidiano exame de consciência, torna-se ocasião para que o seminarista possa reconhecer, com humildade, as próprias fragilidades e os próprios pecados, e, sobretudo, para que possa compreender e experimentar a alegria de sentir-se amado e perdoado pelo Senhor”.

A partir do n. 107 introduz-se o tema da direção espiritual e da formação das virtudes. Os temas ligados à Liturgia retornam no n. 112, que trata da devoção mariana:

Os seminaristas devem ser convidados a cultivar uma autêntica e filial devoção à Virgem Maria, seja através da memória que a Liturgia lhe reserva, seja por meio da piedade popular, particularmente com a recitação do Santo Rosário e do Angelus Domini (...)”.

No mesmo parágrafo surge uma exortação à devoção aos santos, e entres estes, São José, “chamado por Deus a servir diretamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da sua paternidade” [7].

O n. 113 continua a tratar dos santos, particularmente dos Padres da Igreja, os quais os seminaristas são convidados a conhecer e meditar. O n. 114, por sua vez, retoma o tema da piedade popular, ampliando-o:

Sejam ainda promovidas e encontrem espaço tanto as práticas devocionais, quanto algumas expressões ligadas à religiosidade ou à piedade popular, sobretudo aquelas formas aprovadas pelo Magistério; mediante estas, os futuros presbíteros adquirem familiaridade com a ‘espiritualidade popular’, que deverão discernir, orientar e acolher, em nome da necessária caridade e eficácia pastoral” [8].


6. Os agentes da formação
O capítulo sexto apresenta os sujeitos do itinerário formativo, iniciando com a própria Trindade. Aqui se evidencia a presença de Cristo “na sua Palavra” e “nos sacramentos” (n. 125).

Passando à figura do Bispo como primeiro responsável da formação, o n. 128 recorda seu papel como liturgo da diocese, retomando o Cerimonial dos Bispos:

As celebrações litúrgicas presididas pelo Bispo na catedral manifestam o mistério da Igreja e tornam visível a unidade do Povo de Deus; tendo embora em conta os compromissos formativos no Seminário, será conveniente que também os seminaristas nelas tomem parte, nos momentos mais significativos do Ano Litúrgico e da vida diocesana”.

Por fim, o último sujeito da formação ligado à Liturgia é o Diretor Espiritual do seminário. Sobre ele recai a responsabilidade “pela condução e a coordenação dos vários exercícios de piedade e da vida litúrgica do Seminário”. Cabe-lhe “moderar a vida litúrgica” e “predispor (...) as celebrações do Ano Litúrgico” (n. 136).

7. Organização dos estudos
O último capítulo que trata da Liturgia considera-a a partir do ponto de vista dos estudos. Podemos dividir as menções da Liturgia aqui em três etapas:

a) Propedêutico: Nesta etapa inicial sugere-se uma “introdução (...) à Liturgia, mediante o estudo do Catecismo da Igreja Católica e dos livros litúrgicos” (n. 157b).

b) Teologia: Nos estudos teológicos não podem faltar a sagrada Liturgia (n. 167) e a teologia dos sacramentos (n. 168). Reproduzimos o n. 167 na íntegra:

A sagrada Liturgia deve ser considerada uma disciplina fundamental; importa apresentá-la sob o aspecto teológico, espiritual, canônico e pastoral, em conexão com as outras disciplinas, a fim de que os seminaristas cheguem ao conhecimento de como os mistérios da salvação estão presentes e operam nos atos litúrgicos. Além disso, uma vez ilustrados os textos e os ritos, do Oriente como do Ocidente, a sagrada Liturgia deverá ainda ser considerada como expressão da fé e da vida espiritual da Igreja. Os seminaristas aprendam o núcleo substancial e imutável da Liturgia, e o que pertence a particulares sedimentações históricas - sendo por isso suscetível de atualização -. Tratando-se, em todo o caso, de observar diligentemente a legislação litúrgica e canônica na matéria”.

c) Matérias ministeriais: Por fim, o Documento elenca algumas “matérias ministeriais”, em vista do futuro ministério pastoral, que são de responsabilidade do próprio Seminário. Quatro delas dizem respeito, direta ou indiretamente, à Liturgia.

A primeira delas, no n. 177, é a ars celebrandi, como especial atenção à homilia:

De modo particular, será oportuno aprofundar a ars celebrandi, para ensinar como participar frutuosamente dos santos mistérios, e o modo, na prática, de celebrar a Liturgia, no respeito e na fidelidade aos livros litúrgicos. Uma especial atenção seja dedicada à homilia, enquanto esta ‘é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo’. Isto se revelará de especial utilidade nos outros âmbitos do ministério, como a pregação litúrgica e a catequese, que são compromissos permanentes para os presbíteros, na missão de favorecer o crescimento da comunidade a eles confiadas (...)” [9].

A segunda matéria recomendada é a iniciação ao ministério da confissão (n. 178):

Para bem dispor e preparar a administração do sacramento da Reconciliação, será de grande importância que exista um curso específico de iniciação ao ministério da confissão, a fim de ajudar os seminaristas a traduzir os princípios da teologia moral com vista aos casos concretos, e a confrontar-se com as problemáticas deste delicado ministério em espírito de misericórdia (...)” [10].

A terceira matéria relacionada à Liturgia diz respeito à piedade popular (n. 179):

Porque a fé do Povo de Deus exprime-se muitas vezes através das formas de piedade popular, que (...) representa ‘um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização’, esta deve ser conhecida pelos futuros presbíteros e estimadas nos seus valores e significados mais genuínos (...)” [11].

Por fim, a última matéria ministerial que pode ser relacionada à Liturgia é a arte sacra, a qual engloba inclusive a música sacra (n. 181):

De acordo com as concretas circunstâncias do lugar onde os seminaristas se formam, também deverão ser sensibilizados aos temas da arte sacra. Uma específica atenção a este âmbito fornecerá aos futuros presbíteros ulteriores instrumentos de catequese, além de torná-los muito mais conscientes da história e dos ‘tesouros’ a preservar, que são patrimônio das Igrejas particulares nas quais trabalham. (...) O conhecimento da música sagrada contribuirá outrossim para a formação global dos seminaristas, e oferecerá a estes instrumentos ulteriores com vista à evangelização e à atividade pastoral”.


Notas:
[1] Este parágrafo está baseado em alguns números da Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II.
[2] Aqui a referência principal é ao Decreto Presbyterorum Ordinis do Vaticano II.
[3] O trecho entre aspas simples é uma citação da Carta do Papa João Paulo II aos sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 2004.
[4] Este trecho está fundamentado no n. 32 da Instrução sobre a formação litúrgica nos Seminários, promulgada pela Congregação para a Educação Católica em 1979.
[5] O trecho entre aspas simples é uma citação da meditação do Papa João Paulo II durante o Ângelus de 01 de julho de 1990. São utilizados também os nn. 66-67 da Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis e o n. 48 da Pastores Dabo Vobis.
[6] Para a composição deste parágrafo são utilizadas a Instrução sobre a formação litúrgica nos Seminários, nn. 28-31 e a Exortação Pastores Dabo Vobis, n. 26.
[7] Esta citação é tomada da Exortação Apostólica Redemptoris Custos, do Papa João Paulo II.
[8] Este parágrafo remete-nos, em suas notas de rodapé, a dois importantes documentos: ao Diretório sobre a piedade popular e Liturgia da Congregação para o Culto Divino e à Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi do Papa Paulo VI.
[9] Neste parágrafo sobre a homilia são citados o Diretório Homilético da Congregação para o Culto Divino e a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco.
[10] A referência aqui é ao subsídio O sacerdote, ministro da misericórdia divina - Subsídio para confessores e diretores espirituais, da Congregação para o Clero.
[11] O trecho entre aspas simples é uma citação da Exortação Evangelii Gaudium do Papa Francisco, n. 126.

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