Ao longo do Jubileu Ordinário de 2025 os Papas Francisco (até sua morte em abril) e Leão XIV (a partir da sua eleição em maio) proferiram uma série de Catequeses inspiradas no “tema ” do Ano Santo, intituladas “Jesus Cristo, nossa esperança”.
A partir desta postagem gostaríamos de repropor essas reflexões, começando com a seção dedicada à infância de Jesus. Confira nessa primeira parte, portanto, as primeiras duas meditações: sobre a genealogia de Jesus (Mt 1,1-17) e sobre a Anunciação a Maria (Lc 1,26-28).
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Jubileu 2025: Jesus Cristo, nossa esperança
1.1. A infância de Jesus: Genealogia de Jesus (Mt 1,1-17)
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje começamos o ciclo de Catequeses que decorrerá durante
todo o Ano Jubilar. O tema é “Jesus Cristo, nossa esperança”: com
efeito, Ele é a meta da nossa peregrinação e Ele mesmo é o caminho, a estrada a
percorrer.
A primeira parte tratará da infância de Jesus,
que nos é narrada pelos Evangelistas Mateus e Lucas (cf. Mt 1–2; Lc 1–2).
Os Evangelhos da infância narram a concepção virginal de Jesus
e o seu nascimento do seio de Maria; evocam as profecias messiânicas que n’Ele
se cumprem e falam da paternidade legal de José, que enxerta o Filho de Deus no
“tronco” da dinastia davídica. Jesus nos é apresentado recém-nascido, menino e
adolescente, submisso aos seus pais e, ao mesmo tempo, consciente de ser
totalmente dedicado ao Pai e ao seu Reino. A diferença entre os dois
Evangelistas é que, enquanto Lucas narra os acontecimentos com os olhos de
Maria, Mateus o faz com os olhos de José, insistindo sobre uma paternidade realmente
inédita.
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| Antepassados de Jesus (Michael Willmann) |
Mateus começa o seu Evangelho e todo o cânon do Novo
Testamento com a «origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão» (Mt 1,1).
Trata-se de uma lista de nomes já presente nas Escrituras hebraicas, para
mostrar a verdade da história e a verdade da vida humana. Com efeito, «a
genealogia do Senhor é constituída a partir da história verdadeira, onde se
encontram nomes no mínimo problemáticos e se sublinha o pecado do rei Davi (cf. Mt 1,6).
Tudo, porém, se conclui e floresce em Maria e em Cristo (v. 16)» (Carta
sobre a renovação do estudo da História da Igreja, 21 de novembro de 2024).
Depois manifesta-se a verdade da vida humana que passa de geração em geração,
confiando três elementos: um nome que encerra uma identidade e uma missão
únicas; a pertença a uma família e a um povo; e, por último, a adesão de fé ao
Deus de Israel.
A genealogia é um gênero literário, ou seja, uma forma
adequada para transmitir uma mensagem muito importante: ninguém dá a vida a si
mesmo, mas recebe-a como dom de outros; neste caso, trata-se do povo eleito, e
quem herda o depósito da fé dos pais, transmitindo a vida aos filhos,
confia-lhes também a fé em Deus.
No entanto, contrariamente às genealogias do Antigo
Testamento, onde só aparecem nomes masculinos - porque em Israel é o pai que
impõe o nome ao filho -, na lista de Mateus aparecem também mulheres entre os
antepassados de Jesus. Encontramos cinco: Tamar, a nora de Judá que, tendo
ficado viúva, se finge prostituta para assegurar uma descendência ao seu marido
(cf. Gn 38); Raab, a prostituta de Jericó, que permite
aos exploradores judeus entrar na terra prometida e conquistá-la (cf. Js 2);
Rute, a moabita que, no Livro de mesmo nome, permanece fiel à sogra,
cuida dela e se tornará a bisavó do rei Davi; Betsabeia, com quem Davi comete
adultério e, depois de ter mandado matar o marido, gera Salomão (cf. 2Sm 11);
e finalmente Maria de Nazaré, esposa de José, da casa de Davi: dela nasce o
Messias, Jesus.
As primeiras quatro mulheres estão unidas não por serem
pecadoras, como às vezes se diz, mas por serem estrangeiras em
relação ao povo de Israel. O que Mateus salienta é que, como escreveu Bento
XVI, «por intermédio delas, entra na genealogia de Jesus o mundo dos gentios: torna-se
visível que a sua missão se destina a judeus e pagãos» (A infância de Jesus,
2012, 15).
Enquanto as quatro mulheres precedentes são mencionadas ao
lado do homem que delas nasceu ou de quem o gerou, Maria, ao contrário, adquire
um destaque particular: marca um novo início, ela mesma é um novo
começo, pois na sua vicissitude já não é a criatura humana protagonista da
geração, mas o próprio Deus. Isto vê-se bem no verbo «nasceu»: «Jacó gerou
José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o
Cristo» (Mt 1,16). Jesus é filho de Davi, enxertado por José nessa
dinastia e destinado a ser o Messias de Israel, mas é também filho de
Abraão e de mulheres estrangeiras, portanto destinado a ser a «Luz dos
gentios» (cf. Lc 2,32) e o «Salvador do mundo»
(Jo 4,42).
O Filho de Deus, consagrado ao Pai com a missão de revelar o
seu rosto (cf. Jo 1,18; 14,9), entra no mundo como todos os
filhos do homem, a tal ponto que em Nazaré será chamado «filho de José» (Jo 6,42)
ou «filho do carpinteiro» (Mt 13,55). Verdadeiro Deus e verdadeiro
homem!
Irmãos e irmãs, despertemos em nós a memória grata em
relação aos nossos antepassados. E, sobretudo, demos graças a Deus que,
mediante a mãe Igreja, nos gerou para a vida eterna, a vida de Jesus, nossa
esperança.
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Jubileu 2025: Jesus Cristo, nossa esperança
1.2. A infância de Jesus: O anúncio a Maria (Lc 1,26-38)
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Retomamos hoje as Catequeses do ciclo jubilar sobre Jesus
Cristo, nossa esperança.
No início do seu Evangelho Lucas mostra os efeitos do
poder transformador da Palavra de Deus, que chega não apenas aos átrios do
Templo, mas também à pobre morada de uma jovem, Maria, que, noiva de José,
ainda vive com a família.
Depois de Jerusalém, o mensageiro dos grandes anúncios
divinos, Gabriel, que em seu nome celebra a “força de Deus”, é enviado a uma
aldeia nunca mencionada na Bíblia hebraica: Nazaré. Naquela época era um
pequeno povoado da Galileia, na periferia de Israel, área de fronteira com os
pagãos e com as suas contaminações.
É precisamente aí que o anjo leva uma mensagem com uma forma
e um conteúdo totalmente inauditos, de modo que abala e perturba o coração de
Maria. Em vez da clássica saudação “a paz esteja contigo” [shalom],
Gabriel dirige-se à Virgem com o convite “alegra-te!”, “rejubila!”
[kaire], um apelo caro à história sagrada, porque os profetas o
utilizam quando anunciam a vinda do Messias (cf. Sf 3,14; Gl 2,21-23;
Zc 9,9). É o convite à alegria que Deus dirige ao seu povo quando
termina o exílio e o Senhor faz sentir a sua presença viva e ativa.
Além disso, Deus chama Maria com um nome de amor
desconhecido na história bíblica: kecharitoméne, que significa
«cheia da graça divina». Maria está cheia da graça divina. Este nome diz que o
amor de Deus há tempos habitou e continua habitando no coração de Maria. Diz
como ela é “graciosa” e, sobretudo, como a graça de Deus realizou nela um
aperfeiçoamento interior, tornando-a sua obra-prima: cheia de graça!
Este apelativo amoroso, que Deus atribui só a Maria, é
imediatamente acompanhado por uma garantia: “Não tenhas medo!”. “Não tenhas
medo!”, a presença do Senhor concede-nos sempre essa graça de não temer e, por
isso, diz a Maria: “Não tenhas medo!”. “Não tenhas medo”, diz Deus a Abraão, a
Isaac, a Moisés na história: “Não tenhas medo!” (cf. Gn 15,1;
26,24; Dt 31,8). E o diz também a nós: “Não tenhas medo,
ide. Não tenhas medo!”. (...) Por favor, não tenhas medo! Não tenhas medo!
Não tenhas medo! “Eu sou o teu companheiro de viagem”: é isto que Deus diz a
Maria. O «Todo-Poderoso», o Deus do «impossível» (Lc 1,37)
está com Maria, está ao seu lado, é o seu companheiro, o seu
principal aliado, o eterno «Eu-contigo» (cf. Gn 28,15; Ex 3,12; Jz 6,12).
Em seguida Gabriel anuncia à Virgem a sua missão, fazendo
ressoar no seu coração numerosas passagens bíblicas que se referem à realeza e
à messianidade do menino que deverá nascer dela e que será apresentado como o
cumprimento das antigas profecias. A Palavra que vem do Alto chama Maria a ser
a mãe do Messias, o Messias davídico tão esperado. É a mãe do Messias. Ele será
rei não à maneira humana e carnal, mas no sentido divino e espiritual. O seu
nome será “Jesus”, que significa “Deus salva” (cf. Lc 1,31; Mt 1,21),
recordando a todos e para sempre que não é o homem que salva, mas só Deus.
Jesus é Aquele que cumpre estas palavras do profeta Isaías: «Não foi um enviado
ou mensageiro que os salvou, mas sim Ele em pessoa; foi Ele que por amor e
compaixão os resgatou» (Is 63,9).
Esta maternidade abala Maria nos seus alicerces. E como
mulher inteligente que é, ou seja, capaz de ler no íntimo dos acontecimentos (cf. Lc 2,19.51),
procura compreender, discernir o que acontece. Maria não procura fora, mas
dentro, pois como ensina Santo Agostinho, «in interiore homine habitat
veritas» [no interior do homem habita a verdade] (De vera religione 39,
72). E ali, no fundo do seu coração aberto, sensível, ouve o convite a confiar
em Deus, que preparou para ela um especial “Pentecostes”. Tal como no início da
Criação (cf. Gn 1,2), Deus quer “incubar” Maria com o
seu Espírito, uma força capaz de abrir o que está fechado sem violá-lo, sem
impedir a liberdade humana; quer envolvê-la na «nuvem» da sua presença (cf. 1Cor 10,1-2),
para que o Filho viva nela e ela n’Ele.
E Maria ilumina-se de confiança: é «uma lâmpada com muitas
luzes», como diz Teófanes no seu Cânon da Anunciação. Abandona-se,
obedece, abre espaço: é «uma sala nupcial feita por Deus» (ibid.). Maria
recebe o Verbo na própria carne e empreende assim a maior missão confiada a uma
mulher, a uma criatura humana. Põe-se a serviço: é plena de tudo, não como
escrava, mas como colaboradora de Deus Pai, cheia de dignidade e autoridade
para administrar, como fará em Caná, os dons do tesouro divino, a fim de que
muitos possam haurir dele com abundância.
Irmãos, irmãs, aprendamos de Maria, Mãe do Salvador e nossa
Mãe, a permitir que nossos ouvidos se abram à Palavra divina e a acolhê-la e
preservá-la, para que transforme o nosso coração em tabernáculo da sua
presença, em casa hospitaleira onde fazer crescer a esperança.
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| Anunciação (Fra Angelico) |
Fonte: Santa Sé (18 de dezembro de 2024 e 22 de janeiro de 2025).


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