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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O ícone da Apresentação de Maria

“De alegria estremece o universo por tua santa Apresentação, Virgem sem mancha” (Jorge de Nicomédia).

Continuamos nossa série de postagens sobre os ícones das festas litúrgicas com a segunda grande festa mariana do calendário bizantino: a Entrada da Santíssima Mãe de Deus no Templo (Εἴσοδος τῆς Παναγίας Θεοτόκου εις τον Ναόν), ou, como é conhecida no Ocidente, a Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria, celebrada no dia 21 de novembro [1].

1. História e significado da festa

Como no caso da Natividade de Maria, a tradição a respeito da sua Apresentação no Templo de Jerusalém foi compilada no Protoevangelho de Tiago, texto apócrifo escrito em grego na metade do século II, atribuído a Tiago, o “Irmão do Senhor” [2].

Ícone da Apresentação de Maria (séc. XV)

A escolha do dia 21 de novembro para a celebração desse mistério está relacionada à dedicação da igreja de Santa Maria “Nova” em Jerusalém no ano de 543.

Apesar da destruição da igreja no ano de 614, a festa se propagou no Oriente a partir do século VIII, como testemunham as homilias dos Padres da Igreja.

No Ocidente, por sua vez, a celebração chegou mais tarde, através de alguns mosteiros do sul da Itália sob influência oriental. De certa forma, o conteúdo teológico da festa da Apresentação - isto é, a total consagração de Maria a Deus - é destacado no Ocidente na Solenidade da Imaculada Conceição, celebrada poucos dias depois, a 08 de dezembro.

Em 1471 o Papa Sisto IV (†1484) permitiu que a festa fosse celebrada em toda a Igreja de Rito Romano e, em 1585, Sisto V (†1590) a inscreveu definitivamente no Calendário Romano Geral.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre a história da Memória da Apresentação de Maria.

A Apresentação de Maria serve de “prelúdio” ao mistério da Encarnação: ela é o verdadeiro “templo do Senhor”, a “arca da nova aliança”, pois foi em seu ventre que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). No “sim” da Mãe e do Filho cumpriram-se as promessas feitas pelo Senhor aos patriarcas e profetas.

O relato da Apresentação de Maria, com efeito, possui diversos paralelos com alguns textos do Antigo Testamento, sobretudo com a história do profeta Samuel, consagrado ao Senhor por sua mãe, Ana (1Sm 1–3).

“O templo puríssimo do Salvador, a Virgem, a preciosíssima câmara nupcial, o sagrado tesouro da glória de Deus, é apresentada hoje à casa do Senhor, introduzindo com ela a graça do Espírito Divino. Os anjos de Deus a louvam, clamando: Esta é o tabernáculo celeste!”
(Kondákion da festa no Rito Bizantino) [3].

2. O ícone

O ícone da Apresentação da Mãe de Deus é claramente inspirado no relato do Protoevangelho de Tiago, traçando também alguns paralelos com o ícone da Apresentação do Senhor, como veremos a seguir.

Ícone da Apresentação de Maria (séc. XV)

a) O ambiente:

O ambiente é, naturalmente, o Templo de Jerusalém. No fundo do ícone temos o muro, que delimita o espaço sagrado, e a porta, que nos remete à Ezequiel sobre a porta oriental do Templo, que permaneceria fechada até a vinda do Senhor: “Esta porta ficará fechada. Não se abrirá e ninguém entrará por ela, porque por ela entrará o Senhor, Deus de Israel” (Ez 44,2). Este versículo sempre foi interpretado pelos Padres da Igreja em alusão à maternidade divina e à perpétua virgindade de Maria.

Além da porta, encontramos também no fundo da cena um baldaquino ou cibório, que recorda a “tenda da reunião”, associação reforçada pela presença de uma cortina, a qual encobria o “santo dos santos” (Ex 26). É esta a cortina que se rasga no momento da Morte de Jesus, indicando o fim da primeira aliança (Mt 27,5; Mc 15,38; Lc 23,45).

Do alto do baldaquino pende uma lâmpada, símbolo da aliança perene de Israel com Deus: no Templo, com efeito, permanecia sempre acesa a menorah (Ex 25; Lv 24), candelabro de sete braços que remete tanto à sarça ardente (Ex 3) quanto aos dias da criação (Gn 1).

Sob o baldaquino há um trono ou altar, o qual deveria custodiar a antiga arca da aliança, mas que se encontra vazio: Maria é a verdadeira arca da nova e eterna aliança, a qual se consumará na entrega livre e amorosa do próprio Filho de Deus.

Esse altar, portanto, integra um crescendo: na Apresentação de Maria está vazio, pois as profecias ainda estão para cumprir-se; na Apresentação do Senhor, por sua vez, tem sobre si o livro, pois “o Verbo se fez carne e armou sua tenda no meio de nós” (Jo 1,14).

b) Maria:

No centro do ícone encontra-se Maria, representada em pequenas proporções (por ser uma criança), mas com o porte e as vestes de uma mulher adulta, simbolizando que sua entrega ao Senhor é livre e consciente. O mesmo atesta a posição de suas mãos, abertas em direção ao templo (o gesto do orante na iconografia cristã).

As vestes da menina são as mesmas com as quais ela é tradicionalmente representada: túnica azul, para simbolizar que seu ventre será fecundado pelo divino, que ela carregará nele o próprio céu; e manto vermelho cobrindo-a quase inteiramente, recordando-nos a sua humanidade.

Além disso, podem aparecer as tradicionais três estrelas na fronte e nos ombros. Essas estrelas remetem à Trindade, que a “cobriu com sua sombra” (Lc 1,35), e à sua virgindade perpétua, isto é, sua consagração total a Deus no passado, no presente e no futuro.


Uma vez referido o número três, segundo o relato do Protoevangelho de Tiago a Virgem está com três anos de idade, recordando o sacrifício de Ana na consagração de Samuel: um novilho de três anos (1Sm 1,24). Trata-se também de uma referência à Trindade, como atesta Germano de Constantinopla (†740):

“Posto que uma Pessoa da Santíssima Trindade, anterior a todo princípio, dispunha-se, com o beneplácito do Pai, a encerrar-se no seio desta menina, virgem e mãe, por sua própria vontade e através da sombra do santíssimo Espírito, convinha que também ela fosse consagrada da forma mais excelsa e enaltecida pela virtude deste número, em virtude do qual é levada ao templo na idade de três anos” [4].

Em algumas versões do ícone o simbolismo é reforçado pela presença da menina no terceiro degrau da escadaria do Templo. A escada, com efeito, é sempre símbolo da ascensão espiritual: na profecia de Ezequiel o Templo possui sete degraus (Ez 40,22.26), número da perfeição.

Na tradição ocidental, o Templo na Apresentação de Maria passará a ser representado com quinze degraus, mesmo número dos “salmos das subidas” que os peregrinos entoavam a caminho de Jerusalém (Sl 120–134). No calendário judaico, além disso, cujo mês começava sempre na lua nova, o 15º dia do mês caía sempre na lua cheia, sendo portanto um número associado à luz.

O Protoevangelho destaca ainda que a menina “não olha para trás” ao subir os degraus do Templo (cf. Lc 9,62), colocando toda a sua vida sob o “sinal” da obediência ao Senhor.

c) O sacerdote, Joaquim e Ana:

Junto ao baldaquino encontramos o sacerdote que recebe a menina, que os Padres da Igreja tradicionalmente identificam com Joaquim, pai de João Batista (Lc 1).

Alguns Padres compõem inclusive um longo diálogo entre o sacerdote e os pais da Virgem Maria, Joaquim e Ana, representados atrás dela em uma atitude orante e de entrega, com as mãos estendidas ou junto ao coração.


Nesse diálogo, enquanto os pais pedem ao sacerdote que acolha e cuide de sua filha, o sacerdote louva a Deus pelo cumprimento das promessas feitas ao longo da primeira aliança, que têm seu ápice no “sim” de Maria.

Ana ao sacerdote: “Recebe-a e conduze-a ao mais ao mais íntimo sagrado do templo do Senhor e cuida dela. Ela me foi dada como fruto da promessa de entregá-la alegremente e cheia de fé a Deus. Ela é o tabernáculo supercelestial!”.
Sacerdote: “Esta menina imaculada que aqui e agora apresentas, tinham-na já imaginado e celebrado todos os profetas, a Lei e os justos anteriores à Lei, revelando ao mesmo tempo o mistério que por seu intermédio tinha de manifestar-se a todos os fiéis. Ela é o tabernáculo supercelestial!” [5].

d) As virgens:

Junto a Joaquim e Ana encontramos um grupo de jovens com velas acesas nas mãos, que acompanham Maria até o Templo. São as virgens mencionadas no Protoevangelho de Tiago, que retomam o Salmo 44:

Majestosa, a princesa real vem chegando, vestida de ricos brocados de ouro. Em vestes vistosas ao Rei se dirige, e as virgens amigas lhe formam cortejo. Entre cantos de festa e com grande alegria, ingressam, então, no palácio real” (Sl 44,14-16).

Além disso, a presença das virgens com lâmpadas acesas dá à cena uma dimensão nupcial (Mt 25,1-13): é a união mística de Maria com o Senhor e o prelúdio da Encarnação de Cristo, Luz do mundo, como canta José, o hinógrafo:

“As virgens, com as tochas acesas, vão adiante de ti, predestinada a acolher em teu interior a Luz que procede da Luz, e em coro acompanham-te ao templo resplandecente do Senhor” [6].

e) O anjo:

Por fim, em algumas versões do ícone Maria é retratada também em uma das janelas do Templo sendo alimentada por um anjo. Este dado também é mencionado no Protoevangelho, tanto como um prelúdio da Anunciação quanto como símbolo da atitude orante de Maria no Templo, pois o “pão angelical” que recebe é a contemplação, pois “os anjos contemplam sem cessar a face do Pai do céu” (Mt 18,10).

“Hoje é o prelúdio da benevolência de Deus e a proclamação preliminar da salvação dos homens. A Virgem apresenta-se com esplendor no templo de Deus e antecipadamente anuncia Cristo a todos. A ela, nós também clamemos em alta voz: Salve, ó realização da economia do Criador!”
(Tropárion da festa no Rito Bizantino) [7].


Notas:

[1] No calendário juliano, utilizado pela maioria das Igrejas Orientais (tanto Católicas quanto Ortodoxas), com 13 dias de diferença em relação ao gregoriano, o dia 21 de novembro corresponde a 04 de dezembro no calendário gregoriano.
[2] cf. PROENÇA, Eduardo de [org.]. Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia, vol. I. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, pp. 520-522.
[3] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Liturgikon: Próprio das Festas no Rito Bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, pp. 15-16.
[4] PASSARELLI, O ícone da Apresentação de Maria. São Paulo: Ave Maria, 1996, p. 19. Coleção: Iconostásio, 5.
[5] ibid., pp. 23-24.
[6] ibid., p. 20.
[7] SPERANDIO, op. cit., p. 15.

Referências:

DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 41-45.

PASSARELLI, Gaetano. O ícone da Apresentação de Maria. São Paulo: Ave Maria, 1996. Coleção: Iconostásio, 5.

Postagem publicada originalmente em 21 de novembro de 2019. Revista e ampliada em 28 de outubro de 2022.

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