Páginas

terça-feira, 12 de março de 2024

Homilia do Papa: Celebração Penitencial (2024)

Celebração da Reconciliação
“24 horas para o Senhor”
Homilia do Papa Francisco
Paróquia de São Pio V - Roma
Sexta-feira, 08 de março de 2024

«Possamos caminhar em uma vida nova» (Rm 6,4): assim escreve o Apóstolo Paulo aos primeiros cristãos desta Igreja de Roma. Mas o que é a vida nova da qual fala? É a vida que nasce do Batismo, o qual nos imerge na Morte e na Ressurreição de Jesus e nos torna para sempre filhos de Deus, filhos da Ressurreição destinados à vida eterna, orientados para as coisas do alto. É a vida que nos porta avante na nossa identidade mais verdadeira, aquela de sermos filhos amados do Pai, de modo que toda tristeza e obstáculo, toda fadiga e tribulação, não possam prevalecer sobre esta maravilhosa realidade que nos fundamenta: somos filhos do Deus bom.

Ouvimos como São Paulo associa a vida nova a um verbo: caminhar. Portanto, a vida nova, iniciada no Batismo, é um caminho. E nele não há aposentadoria! Ninguém se aposenta nesse caminho, mas se vai sempre avante. E depois de tantos passos no caminho, talvez tenhamos perdido de vista a vida santa que flui dentro de nós: dia após dia, imersos em um ritmo repetitivo, envolvidos em mil coisas, atordoados por tantas mensagens, buscamos em toda parte satisfação e novidade, estímulos e sensações positivas, mas esquecemos que já há uma vida nova que flui dentro de nós e que, como brasas sob as cinzas, espera para brilhar e iluminar tudo. Quando nós estamos ocupados com tantas coisas, pensamos no Espírito Santo que está dentro de nós e que nos conduz? Muitas vezes acontece comigo de não pensar n’Ele, e isso está mal. Estar assim, envolvidos em tantos trabalhos, nos faz esquecer o verdadeiro caminho que estamos fazendo na vida nova.


Devemos buscar as brasas sob as cinzas, aquela cinza que se depositou sobre o coração e que ofusca a beleza da nossa alma, a esconde. Então Deus, que na vida nova é nosso Pai, aparece a nós como um patrão; em vez de nos confiarmos a Ele, fazemos contratos com Ele; em vez de amá-lo, o tememos. E os outros, em vez de serem irmãos e irmãs, enquanto filhos do mesmo Pai, parecem-nos obstáculos e adversários. Há um mau hábito: o de transformar nossos companheiros de caminho em adversários. E tantas vezes o fazemos. Os defeitos do próximo nos parecem exagerados e suas virtudes escondidas; quantas vezes somos inflexíveis com os outros e indulgentes com nós mesmos! Sentimos uma força irresistível a realizar o mal que queríamos evitar. Um problema de todos, se até mesmo São Paulo escreve, sempre à comunidade de Roma: «Eu não faço o bem que quero, mas o mal que não quero» (Rm 7,19). Também ele era um pecador e também nós tantas vezes fazemos o mal que não queremos. Em suma, ofuscado o rosto de Deus, ofuscados os rostos dos irmãos, ofuscada a grandeza que levamos dentro, permanecemos no caminho, mas temos necessidade de um novo sinal, temos necessidade de uma mudança de passo, de uma direção que nos ajude a reencontrar a via do Batismo, isto é, a renovar a nossa beleza original que está ali sob as cinzas, renovar o sentido de andar avante. E quantas vezes paramos de caminhar e perdemos a sensação de andar avante? Permaneçamos tranquilos, ou talvez nem tão tranquilos, mas firmes.

Irmãos, irmãos, qual é a via para retomar o caminho da vida nova? Para esta Quaresma e para retomar o caminho, qual é a via? É a via do perdão de Deus. Coloquemos isso na mente e no coração: Deus não se cansa nunca de perdoar. Ouvistes? Sois capazes de repeti-lo comigo? Juntos, todos: Deus não se cansa nunca de perdoar. Para estar seguros, mais uma vez: Deus não se cansa nunca de perdoar. Mas qual é o problema? Que somos nós que nos cansamos de pedir perdão! Mas Ele não se cansa nunca de perdoar. Não esqueçamos isso. E o perdão divino faz justamente isso: nos torna novos, como recém-batizados. Limpa-nos dentro, fazendo-nos voltar à condição do renascimento batismal: faz fluir de novo as frescas águas da graça no coração, ressecado pela tristeza e empoeirado pelos pecados. O Senhor tira as cinzas das brasas da alma, limpa as manchas interiores que impedem de confiar em Deus, de abraçar os irmãos, de amar a nós mesmos. Ele perdoa tudo. “Mas Padre, eu tenho um pecado que seguramente é imperdoável”. Escuta: Deus perdoa tudo, porque Ele não se cansa nunca de perdoar. O perdão de Deus nos transforma dentro: nos restitui uma vida e uma visão nova. Por isso no Evangelho que escutamos (Mt 5,1-12) Jesus proclama: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (v. 8). Prepara nossos olhos para ver a Deus. Vemos a Deus só se o coração é purificado: purificar o coração para ver Deus. Mas quem pode fazer essa purificação? O nosso empenho é necessário, mas não basta; não basta, somos fracos, não podemos; só Deus conhece e cura o coração. Coloquemos isso na mente: só Deus é capaz de conhecer e curar o coração, só Ele pode libertá-lo do mal. Para que isso aconteça precisamos trazer-lhe o nosso coração aberto e contrito; imitar o leproso do Evangelho, que reza assim: «Se queres, podes purificar-me!» (Mc 1,40). É belo isso! “Se queres, podes mudar-me dentro, podes purificar-me”. É uma bela oração esta, e nós podemos repeti-la juntos, aqui, todos. Juntos: “Senhor, se queres, podes purificar-me”. Outra vez: “Senhor, se queres, podes purificar-me”. E agora, em silêncio, cada um a diga ao Senhor, olhando os próprios pecados. Olhemos para os pecados, olhemos para as coisas feias que temos dentro e que fizemos; em silêncio, digamos ao Senhor: “Se queres, podes purificar-me”. E Ele pode. Alguém poderia pensar: “Mas este pecado é muito feio, o Senhor não poderá...”. O Senhor perdoa tudo, o Senhor não se cansa de perdoar. Recordai? Repitamos: “O Senhor não se cansa de perdoar”. Todos juntos: “O Senhor não se cansa de perdoar”.

O Senhor quer isso porque nos deseja renovados, livres, leves por dentro, felizes e a caminho, não estacionados nas estradas da vida. Ele sabe como é fácil para nós tropeçar, cair e ficar no chão, e quer nos levantar. Vi uma bela pintura, onde o Senhor se inclina para nos levantar. E isto faz o Senhor cada vez que nos aproximamos da Confissão. Não o entristeçamos, não adiemos o encontro com o seu perdão, porque só levantados por Ele podemos retomar o caminho e ver a derrota do nosso pecado, cancelado para sempre. Porque o pecado sempre é uma derrota, mas Ele vence o pecado, Ele é a vitória. Além disso, «no mesmo instante em que o pecador é perdoado, arrebatado por Deus e restaurado pela graça, o pecado - maravilha das maravilhas! - se torna o lugar onde Deus entra em contato com o homem. (...) Assim Deus se dá a conhecer perdoando». (André Louf, Sotto la guida dello Spirito, Magnano, 1990, 68-69) [1]. “Eu conheço a Deus estudando a catequese...”. Mas não o conheces apenas com a mente: só quando o coração estiver arrependido e fores a Ele, mostrando o teu coração sujo, ali conhecerás o Deus que perdoa. “Vai em paz, teus pecados estão perdoados”. Deus se dá a conhecer perdoando. E «o pecador, perscrutando o abismo do próprio pecado, descobre por sua vez o infinito da misericórdia» (ibid.). E este é o recomeço da vida nova: iniciada no Batismo, recomeça do perdão.

Não renunciemos ao perdão de Deus, ao sacramento da Reconciliação: não é uma prática de devoção, mas o fundamento da existência cristã; não é questão de saber dizer bem os pecados, mas de nos reconhecermos pecadores e de nos lançarmos nos braços de Jesus crucificado para sermos libertados; não é um gesto moralista, não, mas a ressurreição do coração. O Senhor Ressuscitado nos ressuscita, a todos nós. Vamos, pois, receber o perdão de Deus e nós, que o administramos, sintamo-nos dispensadores da alegria do Pai que reencontra o filho perdido; sintamos que as nossas mãos, impostas sobre a cabeça dos fiéis, são aquelas mãos feridas de misericórdia de Jesus, que transforma as chagas do pecado em canais de misericórdia. E nós que atuamos como confessores, sintamos que «o perdão e a paz» que proclamamos são a carícia do Espírito Santo sobre o coração dos fiéis. Caros irmãos, perdoemos! Caros irmãos sacerdotes, perdoemos, perdoemos sempre como Deus que não se cansa de perdoar, e reencontraremos a nós mesmos. Concedamos sempre o perdão a quem o pede e ajudemos quem tem medo a aproximar-se com confiança do sacramento da cura e da alegria. Coloquemos de volta o perdão de Deus no centro da Igreja! E vós, caros irmãos sacerdotes, não pergunteis muito: que digam, e vós perdoareis tudo. Não investigar, não.

E agora, preparando-nos para acolher a vida nova, confessemos ao Senhor que há em nós tantas coisas velhas, coisas feias... A lepra do pecado manchou a nossa beleza e por isso digamos: Jesus, se queres, podes purificar-me! Todos juntos: Jesus, se queres, podes purificar-me.
Do pensar que não tenho necessidade de ti todos os dias: Jesus, se queres, podes purificar-me!
Do conviver pacificamente com as minhas ambiguidades, sem buscar no teu perdão a vida da liberdade: Jesus, se queres, podes purificar-me!
Quando aos bons propósitos não seguem os fatos, quando adio a oração e o encontro contigo: Jesus, se queres, podes purificar-me!
Quando compactuo com o mal, com a desonestidade, com a falsidade, quando julgo os outros, os desprezo e falo mal deles, queixando-me de tudo e de todos: Jesus, se queres, podes purificar-me!
E quando me contento em não fazer o mal, mas não faço o bem servindo na Igreja e na sociedade: Jesus, se queres, podes purificar-me!
Sim, Jesus, creio que podes purificar-me, creio que preciso do teu perdão. Jesus, renova-me e voltarei a caminhar em uma vida nova: Jesus, se queres, podes purificar-me!


Nota:
[1] O Papa cita aqui o Padre André Louf, monge trapista belga, falecido em 2010. Recentemente publicamos aqui em nosso blog suas meditações para a Via Sacra no Coliseu presidida pelo Papa São João Paulo II na Sexta-feira Santa de 2004, seguindo o esquema da “Via Sacra Bíblica”.

Tradução livre nossa a partir do original italiano. Fonte: Santa Sé

Nenhum comentário:

Postar um comentário