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terça-feira, 12 de março de 2024

Discurso do Papa Francisco sobre o Ato de contrição

Na manhã da sexta-feira, 08 de março de 2024 o Papa Francisco recebeu os participantes do Curso sobre o Foro Interno organizado anualmente pela Penitenciaria Apostólica, Tribunal encarregado das questões relacionadas ao Sacramento da Penitência.

Em seu discurso, o Papa refletiu sobre o Ato de contrição (em italiano, Atto di dolore), que o penitente é convidado a recitar após a confissão dos pecados como forma de expressar seu arrependimento.

Vale dizer que não existe uma única fórmula de Ato de contrição: o Ritual da Penitência, por exemplo, propõe dez modelos (pp. 35-37). Mesmo a fórmula mais “tradicional”, que é aquela comentada pelo Papa em seu discurso, possui pequenas variações em seu texto.

Papa Francisco
Discurso aos participantes do Curso promovido pela Penitenciaria Apostólica 
Sala Clementina
Sexta-feira, 08 de março de 2024

Caros irmãos, bom dia e bem vindos!
Estou contento de encontrar-vos por ocasião do anual Curso sobre o Foro Interno organizado pela Penitenciaria Apostólica. Dirijo uma cordial saudação ao Cardeal Mauro Piacenza, Penitenciário-Mor, ao Regente, Monsenhor Krzysztof Józef Nykiel, aos Prelados, aos Oficiais e ao pessoal da Penitenciaria, aos Colégios de Penitenciários ordinários e extraordinários das Basílicas Papais in Urbe, e a todos vós participantes do Curso.

No contexto da Quaresma e, em particular, do Ano da Oração em preparação para o Jubileu, gostaria de propor que reflitamos sobre uma oração simples e rica, que pertence ao patrimônio do santo povo fiel de Deus e que recitamos durante o rito da Reconciliação: o Ato de contrição.


Apesar da linguagem um pouco antiga, que poderia também ser mal-entendida em algumas de suas expressões, esta oração conserva toda a sua validade, tanto pastoral como teológica. Além disso, seu autor é o grande Santo Afonso Maria de Ligório, mestre da Teologia Moral, pastor próximo das pessoas e homem de grande equilíbrio, distante tanto do rigorismo como do laxismo.

Destacarei três atitudes expressas no Ato de contrição e que penso que possam nos ajudar a meditar sobre nossa relação com a misericórdia de Deus: arrependimento diante de Deus, confiança n’Ele e propósito de não recair.

Primeiro: o arrependimento. Este não é fruto de uma autoanálise ou de um sentimento psicológico de culpa, mas brota da consciência da nossa miséria diante do amor infinito de Deus, da sua misericórdia sem limites. É esta experiência, com efeito, que move o nosso ânimo a pedir-lhe perdão, confiantes na sua paternidade, como recita a oração: «Senhor, eu me arrependo sinceramente de todo o mal que pratiquei», e adiante acrescenta: «Pecando, eu vos ofendi, meu Deus, sumo bem». Em realidade, na pessoa, o senso do pecado é diretamente proporcional à percepção do infinito amor de Deus: quanto mais sentíamos a sua ternura, mais desejamos estar em plena comunhão com Ele e mais evidente se mostra a feiura do mal em nossa vida. É precisamente essa consciência, descrita como “arrependimento” e “dor”, que nos leva a refletir sobre nós mesmos e sobre nossas ações e a converter-nos. Recordemos que Deus não se cansa nunca de nos perdoar e, da nossa parte, não nos cansemos nunca de pedir-lhe perdão!

Segunda atitude: a confiança. No Ato de contrição, Deus é descrito como «sumo bem, digno de ser amado sobre todas as coisas». É belo ouvir, nos lábios de um penitente, o reconhecimento da infinita bondade de Deus e da primazia, em sua própria vida, do amor por Ele. Amar «sobre todas as coisas» significa, com efeito, colocar Deus no centro de tudo, como luz no caminho e fundamento de toda ordem de valores, confiando-lhe todas as coisas. É um primado, este, que anima todo outro amor: pelos homens e pela criação, porque quem ama a Deus ama o irmão (cf. 1Jo 4,19-21) e busca o seu bem, sempre, na justiça e na paz.

Terceiro aspecto: o propósito. Esse expressa a vontade do penitente de não recair no pecado cometido (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1451) e permite a importante passagem da atrição à contrição, da dor imperfeita àquela perfeita (cf. nn. 1452-1453). Nós manifestamos essa atitude dizendo: «Prometo firmemente, ajudado por vossa graça... não mais pecar». Essas palavras expressam um propósito, não uma promessa. Com efeito, nenhum de nós pode prometer a Deus nunca mais pecar, e o que é exigido para receber o perdão não é uma garantia de impecabilidade, mas um propósito atual, feito com reta intenção no momento da confissão. Além disso, é um empenho que assumimos sempre com humildade, como destacam as palavras «ajudado por vossa graça ». São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, costumava repetir que «Deus nos perdoa mesmo sabendo que voltaremos a pecar». Ademais, sem a sua graça, nenhuma conversão seria possível, contra toda tentação de pelagianismo, velho e novo.

Por fim, gostaria de chamar vossa atenção para a belíssima conclusão da oração [em algumas versões]: «Senhor, misericórdia, perdoa-me». Aqui os termos “Senhor” e “misericórdia” aparecem como sinônimos, e isso é decisivo! Deus é misericórdia (cf. 1Jo 4,8), a misericórdia é o seu nome, o seu rosto. Faz-nos bem recordá-lo, sempre: em todo ato de misericórdia, em todo ato de amor, brilha o rosto de Deus.

Caríssimos, a tarefa que vos é confiada no confessionário é bela e crucial, porque vos permite ajudar tantos irmãos e irmãs a experimentar a doçura do amor de Deus. Encorajo-vos, portanto, a viver cada confissão como um único e irrepetível momento de graça, e a conceder generosamente o perdão do Senhor, com afabilidade, paternidade e, ouso dizer, também com ternura materna.

Convido-vos a rezar e a empenhar-vos para que este ano de preparação para o Jubileu possa ver florescer a misericórdia do Pai em muitos corações e em muitos lugares, e assim Deus seja sempre vez mais amado, reconhecido e louvado.

Agradeço-vos pelo apostolado que realizais - ou que, para alguns de vós, em breve será confiado. A Virgem Maria, Mãe da misericórdia, vos acompanhe. Também eu vos levo na minha oração e vos abençoo de coração. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

O Papa com o Cardeal Mauro Piacenza, Penitenciário-Mor

Tradução livre nossa a partir do original italiano. Fonte: Santa Sé.

O texto completo do Ato de contrição, conforme consta no Ritual da Penitência (p. 35), é o seguinte:

Senhor, eu me arrependo sinceramente de todo o mal que pratiquei e do bem que deixei de fazer.
Pecando, eu vos ofendi, meu Deus, sumo bem, digno de ser amado sobre todas as coisas.
Prometo firmemente, ajudado por vossa graça, fazer penitência, não mais pecar e fugir às ocasiões de pecado.
Senhor, tende piedade de mim, pelos méritos da Paixão de nosso Salvador, Jesus Cristo.

No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (p. 195) há uma versão ligeiramente distinta desse texto, omitindo a referência à Paixão no final.

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