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sábado, 6 de janeiro de 2024

Homilia do Papa Bento XVI: Epifania do Senhor (2012)

Nesta Solenidade da Epifania do Senhor, reproduzimos as duas meditações proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 06 de janeiro de 2012: a Homilia na Missa com a Ordenação Episcopal de dois Núncios Apostólicos e a meditação durante a oração do Ângelus [1].

Solenidade da Epifania do Senhor
Santa Missa com Ordenações Episcopais
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Sexta-feira, 06 de janeiro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,
A Epifania é uma festa da luz. «Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor» (Is 60,1). Com estas palavras do profeta Isaías, a Igreja descreve o conteúdo da festa. Sim, veio ao mundo Aquele que é a Luz verdadeira, Aquele que faz com que os homens sejam luz. Dá-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf. Jo 1,9.12). Para a Liturgia, o caminho dos Magos do Oriente é só o início de uma grande procissão que continua ao longo de toda a história. Com estes homens tem início a peregrinação da humanidade rumo a Jesus Cristo: rumo Àquele Deus que nasceu em um estábulo, que morreu na cruz e, Ressuscitado, permanece conosco todos os dias até ao fim do mundo (cf. Mt 28,20). A Igreja lê a narração do Evangelho de Mateus juntamente com a visão do profeta Isaías, que escutamos na 1ª Leitura: o caminho destes homens é só o início. Antes, tinham vindo os pastores - almas simples que habitavam mais perto de Deus feito menino, podendo mais facilmente «ir até lá» (cf. Lc 2,15) ter com Ele e reconhecê-Lo como Senhor. Mas agora vêm também os sábios deste mundo. Vêm grandes e pequenos, reis e servos, homens de todas as culturas e de todos os povos. Os homens do Oriente são os primeiros, seguidos de muitos outros ao longo dos séculos. Depois da grande visão de Isaías, a Leitura tirada da Carta aos Efésios exprime, de modo sóbrio e simples, a mesma ideia: os gentios partilham da mesma herança (cf. Ef 3,6). Eis como o formulara o Salmo 2: «Eu te darei as nações por herança, e os confins da terra para teu domínio» (v. 8).


Os Magos do Oriente vão à frente. Inauguram o caminho dos povos para Cristo. Durante esta Missa, vou conferir a Ordenação Episcopal a dois sacerdotes, consagrando-os Pastores do povo de Deus. Segundo palavras de Jesus, caminhar à frente do rebanho faz parte da função do Pastor (cf. Jo 10,4). Por isso naqueles personagens, que foram os primeiros pagãos a encontrar o caminho para Cristo, talvez possamos - não obstante todas as diferenças nas respectivas vocações e tarefas - procurar indicações para a missão dos Bispos. Que tipo de homens eram os Magos? Os peritos dizem-nos que pertenciam à grande tradição astronômica que se fora desenvolvendo na Mesopotâmia no decorrer dos séculos, e era então florescente. Mas esta informação, por si só, não é suficiente. Provavelmente haveria muitos astrônomos na antiga Babilônia, mas poucos, apenas estes Magos, se puseram a caminho e seguiram a estrela que tinham reconhecido como sendo a estrela da promessa, ou seja, a que indicava o caminho para o verdadeiro Rei e Salvador. Podemos dizer que eram homens de ciência, mas não apenas no sentido de quererem saber muitas coisas; eles queriam algo mais. Queriam entender o que é que conta no fato de sermos homens. Provavelmente ouviram falar da profecia de Balaão, um profeta pagão: «Uma estrela sai de Jacó, e um cetro se levanta de Israel» (Nm 24,17). Eles aprofundaram esta promessa. Eram pessoas de coração inquieto, que não se satisfaziam com aparências ou com a rotina da vida. Eram homens à procura da promessa, à procura de Deus. Eram homens vigilantes, capazes de discernir os sinais de Deus, a sua linguagem sutil e insistente. Mas eram também homens corajosos e, ao mesmo tempo, humildes: podemos imaginar as zombarias que tiveram de suportar quando se puseram a caminho para ir ter com o Rei dos Judeus, enfrentando cansaços sem número. Mas, não consideravam decisivo o que se pensava ou dizia deles, mesmo pelas pessoas influentes e inteligentes. Para eles o que contava era a própria verdade, não a opinião dos homens. Por isso, enfrentaram as privações e o cansaço de um caminho longo e incerto. Foi a sua coragem humilde que lhes permitiu prostrar-se diante de um menino, filho de gente pobre, e reconhecer n’Ele o Rei prometido, cuja busca e reconhecimento fora o objetivo do seu caminho exterior e interior.

Queridos amigos, em tudo isto é possível ver alguns traços essenciais do ministério episcopal. Também o Bispo deve ser um homem de coração inquieto, que não se satisfaz com as coisas rotineiras deste mundo, mas segue a inquietação do coração que o impele interiormente a aproximar-se sempre mais de Deus, a procurar o seu Rosto, a conhecê-Lo cada vez melhor, para poder amá-Lo sempre mais. Também o Bispo deve ser um homem de coração vigilante que percebe a linguagem sutil de Deus e sabe discernir a verdade da aparência. Também o Bispo deve estar repleto da coragem da humildade, que não se interessa do que a opinião dominante diz dele, mas toma por critério a medida da verdade de Deus, comprometendo-se com ela «oportuna e inoportunamente» (cf. 2Tm 4,2). Deve ser capaz de ir à frente indicando o caminho. Deve ir à frente seguindo Aquele que precedeu a todos nós, porque é o verdadeiro Pastor, a verdadeira estrela da promessa: Jesus Cristo. E deve ter a humildade de prostrar-se diante d’Aquele Deus que Se tornou tão concreto e tão simples que contradiz o nosso orgulho insensato, que não quer ver Deus assim perto e pequenino. Deve viver a adoração do Filho de Deus feito homem, aquela adoração que lhe indica sem cessar o caminho.

A Liturgia da Ordenação Episcopal exprime o essencial deste ministério em oito perguntas dirigidas aos ordenandos, que começam sempre com a palavra: «Vultis?», «Quereis?». As perguntas orientam a vontade e indicam-lhe o caminho a tomar. Gostaria de mencionar aqui, brevemente, algumas das palavras-chave desta orientação, nas quais se concretiza aquilo que há pouco refletimos a partir dos Magos que aparecem na festa de hoje. A missão dos Bispos é «praedicare Evangelium Christi», «custodire», «dirigere», «pauperibus se misericordes praebere», «indesinenter orare». O anúncio do Evangelho de Jesus Cristo, guardar o depósito sagrado da nossa fé, ir à frente e guiar, a misericórdia e a caridade para com os necessitados e os pobres nas quais se reflete o amor misericordioso de Deus para conosco e, finalmente, a oração contínua, são características fundamentais do ministério episcopal. A oração contínua significa nunca perder o contato com Deus, deixar-se tocar sempre por Ele no íntimo do nosso coração e deste modo sermos permeados pela sua luz. Só quem conhece a Deus pessoalmente é que pode guiar os outros para Deus. E só quem guia os homens para Deus é que os guia pela estrada da vida.

O coração inquieto, de que falamos inspirando-nos em Santo Agostinho, é o coração que, em última análise, não se satisfaz com nada menos do que Deus e é, precisamente assim, que se torna um coração que ama. O nosso coração vive inquieto por Deus, e não pode ser de outro modo, embora hoje se procure, com «narcóticos» muito eficazes, libertar o homem desta inquietação. Mas não somos só nós, seres humanos, que vivemos inquietos em relação a Deus. Também o coração de Deus vive inquieto em relação ao homem. Deus espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele não descansa enquanto não nos tiver encontrado. O coração de Deus vive inquieto, e foi por isso que se pôs a caminho até junto de nós - até Belém, até ao Calvário, de Jerusalém até à Galileia e aos confins do mundo. Deus vive inquieto conosco, anda à procura de pessoas que se deixem contagiar por esta sua inquietação, pela sua paixão por nós; pessoas que vivem a busca que habita no seu coração e, ao mesmo tempo, se deixam tocar no coração pela busca de Deus a nosso respeito. Queridos amigos, foi esta a missão dos Apóstolos: acolher a inquietação de Deus pelo homem e levar o próprio Deus aos homens. E, seguindo os passos dos Apóstolos, esta é a vossa missão: deixai-vos tocar pela inquietação de Deus, a fim de que o anseio de Deus pelo homem possa ser satisfeito.

Os Magos seguiram a estrela. Através da linguagem da criação, encontraram o Deus da história. É certo que a linguagem da criação, por si só, não é suficiente. Apenas a Palavra de Deus, que encontramos na Sagrada Escritura, podia indicar-lhes definitivamente o caminho. Criação e Escritura, razão e fé devem dar-se as mãos para nos conduzirem ao Deus vivo. Muito se discutiu sobre o tipo de estrela que guiou os Magos. Pensa-se em uma conjunção de planetas, em uma supernova - ou seja, uma daquelas estrelas inicialmente muito débeis que, na sequência de uma explosão interna, irradia por algum tempo um imenso esplendor -, em um cometa, etc. Deixemos que os cientistas continuem esta discussão. A grande estrela, a verdadeira supernova que nos guia é o próprio Cristo. Ele é, por assim dizer, a explosão do amor de Deus, que faz brilhar sobre o mundo o grande fulgor do seu coração. E podemos acrescentar: tanto os Magos do Oriente, mencionados no Evangelho de hoje, como os Santos em geral, pouco a pouco tornaram-se eles mesmos constelações de Deus, que nos indicam o caminho. Em todas estas pessoas, o contato com a Palavra de Deus provocou, por assim dizer, uma explosão de luz, através da qual o esplendor de Deus ilumina este nosso mundo e nos indica o caminho. Os Santos são estrelas de Deus, pelas quais nos deixamos guiar para Aquele por quem o nosso ser anseia. Queridos amigos, vós seguistes a estrela que é Jesus Cristo, quando dissestes o vosso «sim» ao sacerdócio e ao ministério episcopal. E certamente brilharam para vós também estrelas menores, que vos ajudaram a não errar o caminho. Na Ladainha dos Santos invocamos todas estas estrelas de Deus, a fim de que brilhem sempre de novo para vós e vos indiquem o caminho. Com a Ordenação Episcopal, vós mesmos sois chamados a ser estrelas de Deus para os homens, guiando-os pelo caminho que leva à verdadeira Luz: Cristo. Invoquemos, pois, agora todos os Santos, para que possais corresponder sempre a esta vossa missão mostrando aos homens a luz de Deus. Amém.

Papa Bento XVI
Ângelus
Sexta-feira, 06 de janeiro de 2012

Prezados irmãos e irmãs,
Hoje, Solenidade da Epifania do Senhor, ordenei na Basílica de São Pedro dois novos Bispos, e assim perdoai-me o atraso. Esta Solenidade da Epifania é uma festa muito antiga, que tem a sua origem no Oriente cristão e põe em evidência o mistério da manifestação de Jesus Cristo a todos os povos, representados pelos Magos que vieram adorar o Rei dos judeus, recém-nascido em Belém, como narra o Evangelho de Mateus (cf. Mt 2,1-12). Aquela «luz nova» que se acendeu na noite de Natal (cf. Prefácio do Natal I), hoje começa a resplandecer no mundo, como sugere a imagem da estrela, um sinal celeste que chamou a atenção dos Magos e que os orientou na sua viagem rumo à Judeia.

Todo o período do Natal e da Epifania é caracterizado pelo tema da luz, ligado também ao fato de que, no hemisfério norte, depois do solstício de inverno, o dia recomeça a aumentar em relação à noite. Mas, para além da sua posição geográfica, para todos os povos vale a palavra de Cristo: «Eu sou a luz do mundo; quem me segue, não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8,12). Jesus é o sol que apareceu no horizonte da humanidade para iluminar a existência pessoal de cada um de nós e para nos orientar todos juntos rumo à meta da nossa peregrinação, rumo à terra da liberdade e da paz, onde viveremos para sempre em plena comunhão com Deus e entre nós.

O anúncio deste mistério de salvação foi confiado por Cristo à sua Igreja. «Ele - escreve São Paulo - foi revelado agora, pelo Espírito, aos seus santos Apóstolos e Profetas: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.» (Ef 3,5-6). O convite que o Profeta Isaías dirigia à cidade santa de Jerusalém pode ser aplicado à Igreja: «Levanta-te, acende as luzes, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti» (Is 60, 1-2). É assim, como diz o Profeta: o mundo, com todos os seus recursos, não é capaz de dar à humanidade a luz para orientar o seu caminho. Vemos isto também nos nossos dias: a civilização ocidental parece ter perdido a orientação, navega à vista. Mas a Igreja, graças à Palavra de Deus, vê através dessas trevas. Não possui soluções técnicas, mas mantém o olhar dirigido para a meta, e oferece a luz do Evangelho a todos os homens de boa vontade, de qualquer nação e cultura.

Esta é também a missão dos Representantes pontifícios junto dos Estados e Organizações internacionais. Precisamente hoje de manhã, como já disse, tive a alegria de conferir a Ordenação Episcopal a dois novos Núncios Apostólicos. Confiemos à Virgem Maria o seu serviço e a obra evangelizadora de toda a Igreja.


Fonte: Santa Sé (Homilia / Ângelus).

[1] Os dois sacerdotes que receberam a Ordenação Episcopal foram: Dom Charles John Brown, nomeado Núncio Apostólico na Irlanda, que desde 2020 é Núncio Apostólico nas Filipinas; e Dom Marek Solczyński, nomeado Núncio Apostólico na Geórgia e Armênia, que desde 2022 é Núncio Apostólico na Turquia, Azerbaijão e Turcomenistão.

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