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sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Catequese do Papa Bento XVI: Natal, mistério de alegria e luz

Confira a seguir a Catequese proferida pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 04 de janeiro de 2012 sobre o Natal como mistério de alegria e luz, fazendo a ponte com o mistério da Epifania do Senhor:

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 04 de janeiro de 2012
Natal: Mistério de alegria e de luz

Queridos irmãos e irmãs!
Estou feliz por vos acolher nesta primeira Audiência Geral do ano novo e de todo o coração apresento a vós e às vossas famílias os meus votos afetuosos: Deus, que no nascimento de Cristo seu Filho inundou de alegria o mundo inteiro, disponha obras e dias na sua paz. Estamos no tempo litúrgico do Natal, que inicia na noite de 24 de dezembro e se conclui com a celebração do Batismo do Senhor. O arco dos dias é breve, mas denso de celebrações e mistérios e concentra-se todo em volta de duas grandes solenidades do Senhor: Natal e Epifania. O próprio nome destas duas festas indica a sua respectiva fisionomia. O Natal celebra o acontecimento histórico do nascimento de Jesus em Belém. A Epifania, nascida como festa no Oriente, indica um fato, mas sobretudo um aspecto do Mistério: Deus revela-se na natureza humana de Cristo e é este o sentido do verbo grego epiphaino, tornar-se visível. Nesta perspectiva, a Epifania recorda uma pluralidade de acontecimentos que têm como objeto a manifestação do Senhor: de modo particular a adoração dos Magos, que reconhecem em Jesus o Messias esperado, mas também o Batismo no rio Jordão com a sua teofania - a voz de Deus do alto - e o milagre nas Bodas de Caná, como primeiro «sinal» realizado por Cristo. Uma lindíssima antífona da Liturgia das Horas unifica estes três acontecimentos em volta do tema das núpcias entre Cristo e a Igreja: «Hoje a Igreja se uniu a seu celeste Esposo, porque Cristo lavou no Jordão o pecado; para as núpcias reais correm Magos com presentes; e os convivas se alegrem com a água feita vinho» (Solenidade da Epifania do Senhor, Laudes, Antífona do Cântico Evangélico). Podemos quase dizer que na festa do Natal se ressalta o escondimento de Deus na humanidade da condição humana, no Menino de Belém. Ao contrário, na Epifania evidencia-se o seu manifestar-se, o aparecer de Deus através desta mesma humanidade.

Detalhe do presépio da Basílica de São Pedro

Nesta Catequese, gostaria de recordar brevemente alguns temas próprios da celebração do Natal do Senhor, para que cada um de nós possa beber na fonte inexaurível deste Mistério e dar frutos de vida.

Antes de tudo, perguntemo-nos: qual é a primeira reação face a esta extraordinária ação de Deus que se faz menino, que se torna homem? Penso que a primeira reação só pode ser a alegria. «Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo»: assim começa a Missa da Noite de Natal (Antífona de entrada), e acabamos de ouvir as palavras do Anjo aos pastores: «Eis que vos anuncio uma grande alegria» (Lc 2,10). É o tema que abre o Evangelho, e é o tema que o encerra porque Jesus Ressuscitado reprovará aos Apóstolos precisamente o fato de estarem tristes (cf. Lc 24,17), incompatível com o fato de que Ele permanece Homem eternamente. Mas demos um passo em frente: de onde provém esta alegria? Diria que vem da admiração do coração ao ver como Deus está próximo de nós, como Deus pensa em nós, como Deus age na história; por conseguinte, é uma alegria que nasce da contemplação do rosto daquele menino humilde porque sabemos que é o Rosto de Deus presente para sempre na humanidade, para nós e conosco. O Natal é alegria porque vemos e finalmente temos a certeza de que Deus é o bem, a vida, a verdade do homem e se abaixa até ao homem, para o elevar a Si: Deus torna-se tão próximo que podemos vê-Lo e tocá-Lo. A Igreja contempla este mistério inefável e os textos da Liturgia deste tempo estão imbuídos da admiração e da alegria; todos os cânticos de Natal expressam esta alegria. O Natal é o ponto no qual Céu e terra se unem, e várias expressões que ouvimos nestes dias ressaltam a grandeza de quanto aconteceu: o distante - Deus parece muito longe - tornou-se próximo; «o inacessível quis ser alcançável, Ele que existe antes do tempo começou a estar no tempo, o Senhor do universo, ocultando a grandeza da sua majestade, assumiu a natureza de servo», exclama São Leão Magno (Sermão 2 sobre o Natal, 2, 1). Naquele Menino, necessitado de tudo como as crianças, aquilo que Deus é - eternidade, força, santidade, vida e alegria - une-se ao que nós somos: debilidade, pecado, sofrimento e morte.

A teologia e a espiritualidade do Natal usam uma expressão para descrever este acontecimento, falando de admirabile commercium, ou seja, de um admirável intercâmbio entre a divindade e a humanidade. Santo Atanásio de Alexandria afirma: «O Filho de Deus fez-se homem para nos fazer Deus» (De Incarnatione, 54, 3: PG 25, 192), mas é sobretudo com São Leão Magno e com as suas célebres Homilias sobre o Natal que esta realidade se torna objeto de profunda meditação. Com efeito, afirma o Santo Pontífice: «Se apelamos à condescendência inefável da divina misericórdia que induziu o Criador dos homens a fazer-se homem, ela nos elevará à natureza d’Aquele que adoramos na nossa» (Sermão 8 sobre o Natal: CCL 138, 139). O primeiro ato deste intercâmbio maravilhoso realiza-se na própria humanidade de Cristo. O Verbo assumiu a nossa humanidade e, em contrapartida, a natureza humana foi elevada à dignidade divina. O segundo ato do intercâmbio consiste na nossa participação real e íntima na natureza do Verbo. Diz São Paulo: «Quando veio a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos» (Gl 4,4-5). O Natal é, por conseguinte, a festa na qual Deus se torna tão próximo do homem que partilha o seu próprio ato de nascer, para lhe revelar a sua dignidade mais profunda: ser filho de Deus. E assim o sonho da humanidade, começando no Paraíso - gostaríamos de ser como Deus - realiza-se de maneira inesperada não pela grandeza do homem que não pode se fazer Deus, mas pela humanidade de Deus que desce e assim entra em nós na sua humildade e nos eleva à verdadeira grandeza do seu ser. A este propósito o Concílio Vaticano II disse: «Na realidade, só no mistério do Verbo encarnado o mistério do homem encontra verdadeira luz» (Gaudium et spes, 22); ao contrário, permanece um enigma: o que significa esta criatura, homem? Unicamente vendo que Deus está conosco podemos ver luz para o nosso ser, sentir-nos felizes por sermos homens e viver com confiança e alegria. E onde se torna presente de modo real este intercâmbio maravilhoso, para que aja na nossa vida e faça dela uma existência de verdadeiros filhos de Deus? Torna-se muito concreta na Eucaristia. Quando participamos na Santa Missa apresentamos a Deus o que é nosso: o pão e o vinho, fruto da terra, para que Ele os aceite e transforme doando-se a Si mesmo a nós e fazendo-se nosso alimento, para que recebendo o seu Corpo e o seu Sangue participemos da sua vida divina.

Por fim, gostaria de falar de outro aspecto do Natal. Quando o Anjo do Senhor se apresenta aos pastores na noite do Nascimento de Jesus, o Evangelista Lucas anota que «a glória do Senhor os envolveu em luz» (Lc 2,9); e o Prólogo do Evangelho de João fala do Verbo que se fez carne como da luz verdadeira que vem ao mundo, a luz capaz de iluminar todos os homens (cf. Jo 1,9). A Liturgia de Natal está imbuída de luz. A vinda de Cristo dissipa as trevas do mundo, enche a Noite Santa de um brilho celeste e difunde sobre o rosto dos homens o esplendor de Deus Pai. Também hoje. Envolvidos pela luz de Cristo, somos convidados com insistência pela Liturgia de Natal a deixar-nos iluminar a mente e o coração pelo Deus que mostrou o esplendor do seu Rosto. O Prefácio I do Natal proclama: «No mistério da Encarnação de vosso Filho, nova luz da vossa glória brilhou para nós. E, reconhecendo a Jesus como Deus visível a nossos olhos, aprendemos a amar n’Ele a divindade que não vemos». Deus, no mistério da Encarnação, depois de ter falado e agido na história mediante mensageiros e com sinais, «apareceu», saiu da sua luz inacessível para iluminar o mundo.

Na Solenidade da Epifania, que celebraremos daqui a poucos dias (06 de janeiro), a Igreja propõe um texto muito significativo do profeta Isaías: «Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora» (Is 60,1-3). É um convite dirigido à Igreja, mas também a cada um de nós, a tomar consciência ainda mais viva da missão e da responsabilidade em relação ao mundo ao testemunhar e levar a luz nova do Evangelho. No início da Constituição Lumen gentium do Concílio Vaticano II encontramos as seguintes palavras: «Sendo Cristo a luz das nações, este santo Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente com a luz d’Ele, resplandecer no rosto da Igreja, iluminar todos os homens anunciando o Evangelho a todas as criaturas» (n. 1). O Evangelho é a luz que não se deve esconder, que se deve pôr no candeeiro. A Igreja não é a luz, mas recebe a luz de Cristo, acolhe-a para ser por ela iluminada e para a difundir em todo o seu esplendor. E isto deve acontecer também na nossa vida pessoal. Mais uma vez cito São Leão Magno, que disse na Noite Santa: «Reconhece, cristão, a tua dignidade e, tornando-se participante da natureza divina, não pretendas voltar a cair na condição desprezível de outrora com um comportamento indigno. Recorda-te de quem é a tua Cabeça e de qual Corpo és membro. Recorda-te de que, arrancado ao poder das trevas, foste transferido para a luz e para o Reino de Deus» (Sermão I sobre o Natal, 3, 2: CCL 138, 88).

Amados irmãos e irmãs, o Natal é deter-se para contemplar aquele Menino, o Mistério de Deus que se faz homem na humildade e na pobreza, mas é sobretudo acolher de novo em nós mesmos aquele Menino, que é Cristo Senhor, para viver da sua mesma vida, para fazer com que os seus sentimentos, os seus pensamentos e as suas ações sejam os nossos sentimentos, os nossos pensamentos e as nossas ações. Celebrar o Natal é, por conseguinte, manifestar a alegria, a novidade, a luz que este Nascimento trouxe a toda a nossa existência, para sermos também nós portadores da alegria, da verdadeira novidade, da luz de Deus aos outros. Faço de novo a todos os bons votos de um tempo natalício abençoado pela presença de Deus!

Presépio da Basílica de São Pedro no Vaticano

Fonte: Santa Sé.

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