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sábado, 25 de fevereiro de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (7)

Em sua série de Catequeses sobre a oração, não poderia faltar uma palavra do Papa Bento XVI sobre o Livro dos Salmos, o livro de oração por excelência: de louvor, ação de graças, súplica...

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 22 de junho de 2011
A oração (7):
O povo de Deus que reza: Os salmos

Queridos irmãos e irmãs,
Nas Catequeses anteriores refletimos sobre algumas figuras do Antigo Testamento particularmente significativas para a nossa meditação sobre a oração. Falei a respeito de Abraão, que intercede pelas cidades estrangeiras; de Jacó, que na luta noturna recebe a bênção; de Moisés, que invoca o perdão para o seu povo; e sobre Elias, que reza pela conversão de Israel. Com a Catequese de hoje, gostaria de começar um novo trecho do percurso: em vez de comentar episódios particulares de personagens em oração, entraremos no «livro de oração» por excelência, o Livro dos Salmos. Nas próximas Catequeses leremos e meditaremos sobre alguns dos salmos mais bonitos e mais queridos à tradição orante da Igreja. Hoje, gostaria de introduzi-los, falando sobre o Livro dos Salmos no seu conjunto.

Davi tocando harpa (Gerard van Honthorst):
O rei poeta é o “patrono” dos salmos

O Saltério apresenta-se como um «formulário» de orações, uma coletânea de 150 salmos, que a tradição bíblica oferece ao povo dos fiéis para que se tornem a sua, a nossa oração, o nosso modo de nos dirigirmos a Deus e de nos relacionarmos com Ele. Neste livro encontra expressão toda a experiência humana, com os seus múltiplos aspectos, bem como toda a gama de sentimentos que acompanham a existência do homem. Nos salmos entrelaçam-se e exprimem-se alegria e sofrimento, desejo de Deus e percepção da própria indignidade, felicidade e sentido de abandono, confiança em Deus e solidão dolorosa, plenitude de vida e medo de morrer. Toda a realidade do crente conflui nestas orações, que primeiro o povo de Israel e depois a Igreja assumiram como mediação privilegiada da relação com o único Deus e resposta adequada ao seu revelar-se na história. Enquanto orações, os salmos constituem manifestações da alma e da fé, em que todos podem reconhecer-se e nos quais se comunica aquela experiência de particular proximidade de Deus à qual cada homem é chamado. E é toda a complexidade do existir humano que se concentra na complexidade das diversas formas literárias dos vários salmos: hinos, lamentações, súplicas individuais e comunitárias, cânticos de ação de graças, salmos sapienciais e outros gêneros que podem ser encontrados nessas composições poéticas.

Não obstante esta multiplicidade expressiva, podem ser identificados dois grandes âmbitos que resumem a oração do Saltério: a súplica, ligada à lamentação, e o louvor, duas dimensões ligadas entre si e quase inseparáveis. Porque a súplica é animada pela certeza de que Deus responderá, e de que isto abre ao louvor e à ação de graças; e porque o louvor e a ação de graças brotam da experiência de uma salvação recebida, que supõe uma necessidade de ajuda que a súplica exprime.

Na súplica, o orante lamenta-se e descreve a sua situação de angústia, de perigo e de desolação, ou então, como nos salmos penitenciais, confessa a culpa, o pecado, pedindo para ser perdoado. Ele expõe ao Senhor o seu estado de espírito na confiança de ser ouvido, e isto implica um reconhecimento de Deus como bom, desejoso do bem e «amante da vida» (Sb 11,26), pronto a ajudar, salvar e perdoar. Por exemplo, assim reza o salmista no Salmo 30: «Junto de vós, Senhor, refugio-me. Que eu não seja confundido para sempre [...] Vós livrar-me-eis das ciladas que me armaram, porque sois a minha defesa» (vv. 2.5). Já no lamento, portanto, pode sobressair algo do louvor, que se preanuncia na esperança da intervenção divina e que em seguida se faz explícito, quando a salvação divina se torna realidade.

De maneira análoga, nos salmos de ação de graça e de louvor, fazendo memória do dom recebido contemplando a grandeza da misericórdia de Deus, reconhece-se também a própria insignificância e a necessidade de ser salvo, que se encontra na base da súplica. Confessa-se assim a Deus a própria condição de criatura, inevitavelmente caracterizada pela morte e, no entanto, portadora de um desejo radical de vida. Por isso o salmista exclama no Salmo 85: «Eu vos louvarei de todo o coração, Senhor meu Deus, e glorificarei o vosso nome eternamente. Porque a vossa misericórdia foi grande para comigo, e tirastes a minha alma das profundezas da região dos mortos» (vv. 12-13). De tal modo, na oração dos salmos, súplica e louvor entrelaçam-se e fundam-se em um único cântico que celebra a graça eterna do Senhor que se debruça sobre a nossa fragilidade.

Precisamente para permitir que o povo dos fiéis se una a este cântico, o livro do Saltério foi concedido a Israel e à Igreja. Com efeito, os salmos ensinam a rezar. Neles a Palavra de Deus transforma-se em palavra de oração - e são as palavras do salmista inspirado -, que se torna também palavra do orante que recita os salmos. Estas são a beleza e a particularidade deste livro bíblico: as preces nele contidas, diversamente de outras orações que encontramos na Sagrada Escritura, não estão inseridas em uma trama narrativa que especifica o seu sentido e a sua função. Os salmos são dados ao fiel precisamente como texto de oração, que tem como única finalidade tornar-se a oração daqueles que os assumem e com eles se dirigem a Deus. Dado que são uma Palavra de Deus, quem recita os salmos fala a Deus com as palavras que o próprio Deus nos concedeu, dirige-se a Ele com as palavras que Ele mesmo nos doa. Deste modo, recitando os salmos aprendemos a rezar. Eles constituem uma escola de oração.

Algo de análogo acontece quando a criança começa a falar, ou seja, a expressar as próprias sensações, emoções e necessidades, com palavras que não lhe pertencem de modo inato, mas que aprende dos seus pais e de quem vive ao seu redor. Aquilo que a criança quer manifestar é a sua própria vivência, mas o instrumento expressivo pertence a outros; e ela apropria-se do mesmo gradualmente: as palavras recebidas dos pais tornam-se as suas palavras e através destas palavras aprende também um modo de pensar e de sentir, acede a um todo um mundo de conceitos, e nele cresce, relaciona-se com a realidade, com os homens e com Deus. Finalmente, a língua dos pais torna-se a sua língua: fala com palavras recebidas de outros, que já se tornaram as suas palavras. Assim acontece com a oração dos salmos. Eles nos são doados para que aprendamos a dirigir-nos a Deus, a comunicarmos com Ele, a falar-lhe de nós com as suas palavras, a encontrar uma linguagem para o encontro com Deus. E, através de tais palavras, será possível também conhecer e aceitar os critérios do seu agir, aproximar-se ao mistério dos seus pensamentos e dos seus caminhos (cf. Is 55,8-9), de maneira a crescer cada vez mais na fé e no amor. Do mesmo modo como as nossas palavras não são apenas palavras, mas ensinam-nos um mundo real e conceitual, assim também estas preces nos revelam o Coração de Deus, pelo que não só podemos falar com Deus, mas podemos aprender quem é Deus e, aprendendo a falar com Ele, aprendemos como ser homens, como sermos nós mesmos.

A este propósito, parece significativo o título que a tradição judaica conferiu ao Saltério. Ele chama-se «tehillim», um termo hebraico que quer dizer «louvores», daquela raiz verbal que encontramos na expressão «Halleluyah», isto é, literalmente: «Louvai o Senhor». Este livro de orações, portanto, não obstante seja tão multiforme e complexo, com os seus diversos gêneros literários e com a sua articulação entre louvor e súplica, é em última análise um livro de louvores, que ensina a dar graças, a celebrar a grandeza do dom de Deus, a reconhecer a beleza das suas obras e a glorificar o seu Nome santo. Esta é a resposta mais adequada diante do manifestar-se do Senhor e da experiência da sua bondade. Ensinando-nos a rezar, os salmos ensinam-nos que também na desolação, inclusive na dor, a presença de Deus é uma fonte de maravilha e de consolação; pode-se chorar, suplicar, interceder e lamentar-se, mas com a consciência de que estamos caminhando rumo à luz, onde o louvor poderá ser definitivo. Como nos ensina o Salmo 35: «Em vós está a fonte da vida, e é na vossa luz que vemos a luz!» (v. 10).

Mas além deste título geral do livro, a tradição judaica atribuiu a muitos salmos alguns títulos específicos, conferindo-os em grande maioria ao rei Davi. Figura de notável importância humana e teológica, Davi é um personagem complexo, que atravessou as mais diversificadas experiências fundamentais do viver. Jovem pastor do rebanho paterno, passando pelas vicissitudes alternadas e por vezes dramáticas, torna-se rei de Israel, pastor do povo de Deus. Homem de paz, combateu muitas guerras; incansável e tenaz investigador de Deus, traiu o seu Amor, e isto é característico: permaneceu sempre investigador de Deus, não obstante tenha pecado muitas vezes gravemente; penitente humilde, recebeu o perdão divino, mas também a pena divina, e aceitou um destino marcado pela dor. Assim, Davi foi um rei, com todas as suas debilidades, «segundo o Coração de Deus» (cf. 1Sm 13,14), ou seja, um orante apaixonado, um homem que sabia o que quer dizer suplicar e louvar. Por conseguinte, a ligação dos salmos a este insigne rei de Israel é importante, porque ele é uma figura messiânica, ungido do Senhor, no qual de certa maneira se pode vislumbrar o mistério de Cristo.

Igualmente importantes e significativos são o modo e a frequência com que as palavras dos salmos são retomadas pelo Novo Testamento, assumindo e sublinhando aquele valor profético sugerido pela ligação do Saltério à figura messiânica de Davi. No Senhor Jesus, que na sua vida terrena rezou com os salmos, eles encontram o seu cumprimento definitivo e revelam o seu sentido mais pleno e profundo. As orações do Saltério, com as quais se fala a Deus, falam-nos d’Ele, falam-nos do Filho, «imagem do Deus invisível» (Cl 1,15), que nos revela completamente o Rosto do Pai. O cristão, portanto, recitando os salmos reza ao Pai em Cristo e com Cristo, assumindo esses cânticos em uma nova perspectiva, que tem sua última chave interpretativa no Mistério Pascal. O horizonte do orante abre-se assim a realidades inesperadas, cada salmo adquire uma nova luz em Jesus Cristo, e o Saltério pode resplandecer em toda a sua riqueza infinita.

Caríssimos irmãos e irmãs, tomemos, portanto, em nossas mãos este livro santo, deixemo-nos ensinar por Deus a dirigir-nos a Ele, façamos do Saltério um guia que nos ajude e nos acompanhe quotidianamente no caminho da oração. E peçamos também nós, como os discípulos de Jesus: «Senhor, ensinai-nos a rezar!» (Lc 11,1), abrindo o coração para receber a oração do Mestre, em que todas as preces hão de chegar ao seu cumprimento. Deste modo, tornando-nos filhos no Filho, poderemos falar a Deus chamando-lhe «Pai nosso».

A inicial do Salmo 1 em um Saltério do séc. XIII:
Beatus” - “Bem-aventurado”

Fonte: Santa Sé.

Confira também a série de Catequeses sobre os salmos e cânticos da Liturgia das Horas (Laudes e Vésperas), iniciada por São João Paulo II e concluída por Bento XVI, particularmente a primeira meditação do Papa polonês: Os salmos na Tradição da Igreja.

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