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quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Discurso do Papa: Viver plenamente a ação litúrgica

No dia 20 de janeiro de 2023 o Papa Francisco recebeu os participantes do Curso “Viver plenamente a ação litúrgica”, promovido pelo Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo.

O curso foi voltado as responsáveis pela Liturgia nas Dioceses, particularmente ao “mestre das celebrações litúrgicas”, como o Papa indica em seu discurso, que reproduzimos a seguir:

Papa Francisco
Discurso aos participantes do Curso “Viver plenamente a ação litúrgica”
Sala do Consistório
Sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Caros irmãos e irmãs, bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Padre Abate Primaz por suas palavras. Saúdo o Magnífico Reitor e o Presidente do Pontifício Instituto Litúrgico, os professores e os alunos [1]. Saúdo o Cardeal Prefeito e o Arcebispo Secretário do Dicastério para o Culto Divino: obrigado por estarem aqui [2]. Estou contente em acolher-vos e aprecio a iniciativa de organizar um itinerário formativo dirigido àqueles que preparam e guiam a oração da comunidade diocesana, em comunhão com os Bispos e a serviço das Dioceses.


Este curso, que chega agora à sua conclusão, corresponde às indicações da Carta Apostólica Desiderio desideravi sobre a formação litúrgica. Com efeito, o cuidado das celebrações exige preparação e empenho. Nós, Bispos, em nosso ministério, estamos bem cientes disso, porque precisamos da colaboração de quem prepara as Liturgias e nos ajuda a cumprir nosso mandato de presidir a oração do povo santo. Este vosso serviço à Liturgia requer, além de um conhecimento aprofundado, um profundo sentido pastoral. Alegra-me, portanto, ver que mais uma vez renovais o vosso empenho no estudo da Liturgia. Esta - como dizia São Paulo VI - é «fonte primária daquele divino intercâmbio no qual nos é comunicada a vida divina, é a primeira escola da nossa vida espiritual» (Discurso no Encerramento da 2ª Sessão do Concílio Vaticano II, 04 de dezembro de 1963). Por isso a Liturgia nunca é possuída totalmente, não é aprendida como noções, ofícios, competências humanas. É a arte primeira da Igreja, aquela que a constitui e a caracteriza.

Gostaria de vos propor alguns pontos de reflexão para este vosso serviço, que se insere no contexto da implementação da reforma litúrgica.

Hoje já não se fala mais do “cerimoniário”, isto é, daquele que cuida das “cerimônias sagradas”. Os livros litúrgicos referem-se antes ao “mestre das celebrações”. E o mestre ensina a Liturgia quando conduz ao encontro do Mistério Pascal de Cristo. Ao mesmo tempo, ele deve providenciar tudo para que a Liturgia brilhe com decoro, simplicidade e ordem (cf. Cerimonial dos Bispos, n. 34). O ministério do mestre das celebrações é uma diaconia: ele colabora com o Bispo a serviço da comunidade. Por isso cada Bispo nomeia um mestre das celebrações, que deve agir com discrição, de modo diligente, não antepondo o rito àquilo que ele exprime, mas ajudando a compreender seu significado e seu espírito, enfatizando com o seu agir que o centro é Cristo Crucificado e Ressuscitado.

Especialmente na Catedral, o responsável pelas celebrações episcopais coordena, como colaborador do Bispo, todos aqueles que exercem um ministério durante a ação litúrgica, para que se favoreça a participação frutuosa do povo de Deus. Retorna aqui um dos princípios cardeais do Vaticano: dever ter sempre diante dos olhos o bem das comunidades, o cuidado pastoral dos fiéis (cf. ibid.), para conduzir o povo a Cristo e Cristo ao povo. É o objetivo principal, que deve estar em primeiro lugar também quando preparais e conduzis as celebrações. Se descuidamos disso teremos belos rituais, mas sem força, sem sabor, sem sentido porque não tocam o coração e a existência do povo de Deus. E isto acontece quando o presidente de facto não é o Bispo, o sacerdote, mas é o cerimoniário; quando a presidência “escorrega” para o cerimoniário, tudo está acabado. O presidente é aquele que preside, não é o cerimoniário. O cerimoniário, quanto mais escondido, melhor é. Quanto menos se faz ver, melhor é. Mas que coordene tudo. É Cristo que faz vibrar o coração, é o encontro com Ele que atrai o espírito. «Uma celebração que não evangeliza não é autêntica» (Desiderio desideravi, n. 37). É um “balé”, um belo balé, estético, belíssimo, mas não é autêntica celebração.

O Concílio tinha entre os seus objetivos o de acompanhar os fiéis a recuperar a capacidade de viver em plenitude a ação litúrgica e a continuar a se surpreender com o que acontece na celebração diante de nossos olhos (cf. Desiderio desideravi, n. 31). Note-se que não se fala de prazer estético, por exemplo, ou de senso estético, não, mas do “assombro”. O assombro é uma coisa diferente do prazer estético: é o encontro com Deus. Apenas o encontro com o Senhor nos dá esse assombro. Mas como podemos alcançar este objetivo? A resposta se encontra já na Constituição Sacrosanctum Concilium. No número 14 recomenda-se a formação dos fiéis, mas - diz a Constituição - «porque não há qualquer esperança de que tal aconteça se antes os pastores de almas não se imbuírem plenamente do espírito e da força da Liturgia e não se fizerem mestres nela, é absolutamente necessário que se providencie em primeiro lugar a formação litúrgica do clero». Portanto, o mestre das celebrações cresce por primeiro na escola da Liturgia e participa da missão pastoral de formar o clero e os fiéis.

Um dos aspectos mais complexos da reforma litúrgica é a sua implementação prática, isto é, o modo como se traduz no quotidiano o que os Padres conciliares estabeleceram. E entre os primeiros responsáveis ​​pela implementação prática está justamente o mestre das celebrações, que junto ao responsável pela pastoral litúrgica acompanha a Diocese, as comunidades, os presbíteros e os outros ministros a implementar a prática celebrativa indicada pelo Concílio. Isso se faz sobretudo celebrando. Como aprendemos a servir a Missa quando éramos crianças? Olhando nossos amigos maiores que o faziam. É aquela “formação pela Liturgia” sobre a qual escrevi em Desiderio desideravi. O decoro, a simplicidade e a ordem se alcançam quando todos, pouco a pouco, ao longo dos anos, participam do rito, celebrando-o, vivendo-o, compreendem aquilo que devem fazer. Como uma grande orquestra, cada um deve conhecer a própria parte, os movimentos, os gestos, os textos que pronuncia ou canta; assim a Liturgia pode ser uma sinfonia de louvor, uma sinfonia aprendida da lex orandi da Igreja.

Junto às Catedrais são estabelecidas escolas de prática litúrgica. É uma boa iniciativa. Reflete-se “mistagogicamente” sobre o que se celebra. Avalia-se o estilo celebrativo para considerar os progressos e os aspectos a corrigir. Encorajo-vos a ajudar os superiores dos seminários a presidir melhor, a cuidar da proclamação, dos gestos, dos sinais, de modo que os futuros presbíteros, junto ao estudo da teologia litúrgica, aprendam a celebrar bem: e isto é o estilo da presidência. Aprende-se olhando dia a dia um presbítero que sabe como presidir, como celebrar, porque vive da Liturgia e, quando celebra, reza. Exorto-vos a ajudar os responsáveis pelos “coroinhas e acólitos” a preparar a Liturgia das paróquias, criando pequenas escolas de formação litúrgica, que conjuguem fraternidade, catequese, mistagogia e prática celebrativa.

Quando o responsável pelas celebrações acompanha o Bispo a uma paróquia, é importante valorizar o estilo celebrativo que ali se vive. Não adianta fazer um belo “desfile” quando está o Bispo e depois tudo volta a ser como antes. Vossa tarefa não é organizar o rito de um dia, mas propor uma ´Liturgia que possa ser imitada, com aquelas adaptações que a comunidade possa incorporar para crescer na vida litúrgica. Assim, pouco a pouco, o estilo celebrativo da Diocese cresce. Contudo, ir às paróquias e não dizer nada diante de Liturgias um pouco desleixadas, mal cuidadas, mal preparadas, significa não ajudar a comunidade, não a acompanhar. Ao contrário, com delicadeza, com espírito de fraternidade, é importante ajudar os párocos a refletir sobre a Liturgia, a prepará-la com os fiéis. Nisto o mestre das celebrações deve usar uma grande sabedoria pastoral: se está no meio do povo compreenderá logo e saberá bem como acompanhar os irmãos, como sugerir às comunidades aquilo que é adequado e realizável, quais são os passos necessários para redescobrir a beleza da Liturgia e do celebrar juntos.

E, por fim, vos exorto a cuidar do silêncio. Nesta época se fala, fala... Silêncio! Especialmente antes das celebrações - um momento que às vezes é entendido como um encontro social, se fala: “Como vai? Como tem passado?” -, o silêncio ajuda a assembleia e os concelebrantes a se concentrarem no que vão realizar. Muitas vezes as sacristias são barulhentas, antes e depois das celebrações, mas o silêncio abre e prepara ao mistério: é o silêncio que te prepara ao mistério, permite a assimilação, deixa ressoar o eco da Palavra ouvida. É bela a fraternidade, é belo cumprimentar-se, mas é o encontro com Jesus que dá sentido ao nosso encontro, ao nosso reencontro. Devemos redescobrir e valorizar o silêncio!

Gostaria de enfatizar muito isso. E aqui digo uma coisa que está ligada ao silêncio, mas para os sacerdotes. Por favor, as homilias: são um desastre; às vezes escuto alguém dizer: “Sim, fui à Missa naquela paróquia... Sim, uma boa aula de filosofia, 40 45 minutos...”. Oito, dez: não mais! E sempre um pensamento, um afeto e uma imagem. Assim as pessoas levam algo para casa. Na Evangelii gaudium quis enfatizar isso. E já o disse várias vezes, porque é uma coisa que não terminamos de compreender: a homilia não é uma conferência, é um sacramental. Os luteranos dizem que é um sacramental - creio que sejam os luteranos -, é um sacramental, não é uma conferência. A homilia se prepara em oração, se prepara com espírito apostólico. Por favor, as homilias, que são um desastre, em geral.

Caríssimos, antes de saudar-vos, gostaria de exprimir mais uma vez o meu encorajamento pelo que fazeis a serviço da implementação da reforma litúrgica que os Padres conciliares nos confiaram. Empenhemo-nos todos em prosseguir a boa obra que foi começada. Ajudemos as comunidades a viver da Liturgia, a deixar-se moldar por ela, para que, como diz a Escritura, «Quem tem sede, venha, e quem quiser, receba de graça a água da vida» (Ap 22,17). Ofereçamos a todos a água viva que jorra copiosa da Liturgia da Igreja.
Desejo-vos um bom trabalho e de coração vos abençoo. E, por favor, peço que rezeis por mim; não se esqueçam. Obrigado!


Notas:
[1] O Papa Francisco saúda aqui o Abate Primaz da Ordem Beneditina, Gregory Polan, o Reitor do Ateneu Santo Anselmo, Padre Bernhard Eckerstorfer, e o Presidente do Instituto Litúrgico, Padre Jordi-Agustí Piqué i Collado.
[2] Cardeal Arthur Roche, Prefeito, e Dom Vittorio Francesco Viola, Secretário.

Tradução nossa a partir do original italiano divulgado no site da Santa Sé.

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