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quinta-feira, 21 de julho de 2022

Hinos de Santa Maria Madalena: Vésperas

“O amor é mais forte do que a morte” (Ct 8,6).

Já foram duas as postagens publicadas aqui em nosso blog nos últimos dias sobre Santa Maria Madalena, cuja celebração no dia 22 de julho possui desde 2016 o grau de Festa.

Na primeira postagem traçamos um breve histórico do culto a Santa Maria Madalena, desde seus fundamentos bíblicos até os nossos dias. Na segunda postagem, por sua vez, apresentamos o primeiro dos dois hinos próprios da Festa para a Liturgia das Horas:
Vésperas (e Ofício): Mágdalae sidus, múlier beáta (Ó estrela feliz de Magdala).

Os dois hinos são de nova composição, isto é, elaborados no contexto da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II pelo grupo coordenado pelo Padre Anselmo Lentini (†1989) [1], uma vez que os hinos anteriores identificavam Maria Madalena com outras mulheres do Evangelho, interpretação que foi abandonada pela Igreja.

Santa Maria Madalena (El Greco)

Assim, como fizemos com o hino das Laudes (oração da manhã), publicamos a seguir o hino das Vésperas (oração da tarde), em seu texto original em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, além de breves comentários sobre a sua teologia.

Segue, pois, o hino das Vésperas de Santa Maria Madalena, retomado no Ofício das Leituras da Festa: Mágdalae sidus, múlier beáta (Ó estrela feliz de Magdala).

Vésperas: Mágdalae sidus, múlier beáta

1. Mágdalae sidus, múlier beáta,
te pio cultu venerámur omnes,
quam sibi Christus sociávit arcti
foedere amóris.

2. Cum tibi illíus pátefit potéstas
daemonum vires ábigens treménda,
tu fide gaudes potióre necti
grata medénti.

3. Haeret hinc urgens tibi caritátis
vis ut insístas pédibus Magístri,
férvidis illum comitáta semper
sédula curis.

4. Tuque complóras Dóminum, crucíque
ímpetu flagrans pietátis astas;
membra tu terges studiósa et ungis
danda sepúlcro.

5. Quos amor Christi péperit, triúmphis
nos fac adiúngi sócios per aevum,
atque Dilécto simul affluénter
pángere laudes. Amen [2].

Maria Madalena é curada por Jesus
(Vasily Polenov)

Vésperas: Ó estrela feliz de Magdala

1. Ó estrela feliz de Magdala,
para ti nosso culto e louvor,
Jesus Cristo te uniu a si mesmo
por estreita aliança de amor.

2. Seu poder ele em ti revelou,
repelindo as potências do mal.
E na fé te ligaste ao Senhor
pelos laços de amor sem igual.

3. O amor te impeliu a segui-lo
com vibrante e fiel gratidão.
Em cuidados se fez manifesta
a ternura do teu coração.

4. Tu ficaste de pé com Maria
junto ao Cristo pendente da Cruz.
Com aromas ungiste seu corpo,
que verás ressurgido na luz.

5. Testemunha primeira, tu foste
anunciar que Jesus ressurgiu.
Guia o povo na Páscoa nascido
nos caminhos que Cristo seguiu.

6. Honra, glória e louvor à Trindade,
cujo amor fez prodígios em ti.
Contemplemos também sua face,
quando o dia da glória surgir. [3].

Comentário:

Antes de comentarmos o texto de Mágdalae sidus, vale destacar que este substitui dos hinos do anterior Breviarium Romanum:

- primeiramente, no Ofício das Leituras, substitui o antigo hino das Matinas, Maria castis osculis [4]. Como no caso das Laudes, trata-se de uma adaptação feita pelo Papa Urbano VIII (†1644) de Nardo Maria pistico, parte do hino Magno salutis gaudio.

Este, por sua vez, é um hino mais longo atribuído ao Papa São Gregório Magno (†604) e previsto para o Domingo de Ramos. As duas estrofes de Maria castis osculis, com efeito, cantam a unção de Betânia “seis dias antes da Páscoa” (Jo 12,1ss). Atualmente considera-se que Madalena e Maria, a irmã de Marta e Lázaro, que ungiu os pés do Senhor em Betânia, são pessoas distintas, de modo que o hino foi suprimido [4].

Maria Madalena aos pés da Cruz (Eugène Delacroix)

- como hino das Vésperas, por sua vez, a nova composição Mágdalae sidus substitui Pater superni luminis [5], um hino de cinco estrofes atribuído a São Roberto Belarmino (†1621).

Ao contrário do anterior, que associava Madalena a Maria de Betânia, este hino a vincula à mulher pecadora que lavou os pés de Jesus com suas lágrimas (Lc 7,36-50). Não obstante, celebra também o amor de Maria Madalena pelo Mestre e sua presença junto à sua Cruz e ao sepulcro, “temas” presentes no novo hino, como veremos a seguir.

Podemos dividir o hino Mágdalae sidus em quatro partes: uma introdução (1ª estrofe); uma seção sobre Madalena como discípula (estrofes 2-3); uma seção sobre sua participação no Mistério Pascal de Cristo (4ª estrofe); e uma conclusão (5ª estrofe).

A tradução oficial para o português do Brasil, realizada pela CNBB, reelabora completamente a 5ª estrofe e acrescenta uma 6ª, que não existe no texto original, como doxologia final, como veremos adiante.

a) 1ª estrofe: Introdução

A 1ª estrofe, como na grande maioria dos hinos, serve de introdução ao poema. No caso, na forma de um “oferecimento”: dirigindo-nos diretamente a Santa Maria Madalena, oferecemos-lhe o nosso louvor.

Nossa santa é invocada já no primeiro verso com dois títulos: “estrela de Magdala” (Mágdalae sidus) e “mulher bem-aventurada” (múlier beáta), unidos em um só na tradução brasileira. Vale recordar que o hino das Laudes a invocava como “flor graciosa de Magdala” (flos venúste Mágdalae).

Os últimos dois versos da estrofe, por sua vez, nos introduzem já no corpo do hino, apresentando os motivos do louvor: veneramos Maria Madalena com toda piedade (te pio cultu venerámur omnes) pelo estreito vínculo/aliança de amor que a unia a Cristo (sibi Christus sociávit arcti foedere amóris).

A conversão de Maria Madalena (Paolo Veronese)

b) 2ª e 3ª  estrofes: Maria Madalena, a discípula

As estrofes 2-3 compõem a primeira parte da anamnese do hino, isto é, do “memorial” da história da salvação. Aqui a composição recorre ao texto de Lc 8,1-3, no qual Maria Madalena é apresentada sob dois aspectos:

- em Lc 8,2 se afirma que Maria havia sido curada por Jesus de uma enfermidade, simbolizada pela “expulsão de sete demônios”. Assim, a 2ª estrofe do hino canta como Cristo revelou seu poder em Maria, expulsando com força tremenda as potências demoníacas (tibi illíus pátefit potéstas daemonum vires ábigens treménda).

Por conseguinte, se celebra a conversão de Maria: embora esta não seja mais associada à mulher pecadora de Lc 7, certamente a cura/exorcismo realizada por Jesus comportava o perdão dos pecados. Assim, ela se alegra em unir-se pela fé Àquele que a curou. Ou, segundo a tradução espanhola do hino, ela “troca as correntes [do pecado] pela fé” [6].

- no v. 3 do capítulo 8, por sua vez, o evangelista Lucas indica que Maria Madalena pertencia ao grupo das mulheres que “serviam Jesus com seus bens”, auxiliando materialmente o Mestre e o grupo dos Apóstolos.

Portanto, a 3ª estrofe celebra o seguimento de Maria Madalena, impelida pelo amor (urgens tibi caritátis) a seguir as pegadas do Mestre, como atesta uma das opções de leitura da Missa da Festa: “Caritas Christi urget nos”, “O amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14).

O amor de Maria por Cristo se manifesta, como indicam os últimos versos da estrofe, em servi-lo sempre com terno cuidado. Não se trata aqui de identificar Madalena com Maria de Betânia, a irmã de Marta e Lázaro (Jo 12,1ss), como antes se pensava. O verso deve ser interpretado, pois, à luz de Lc 8,1-3, como vimos acima.

c) 4ª estrofe: Maria Madalena, testemunha do Mistério Pascal

A 4ª estrofe do hino prossegue com a anamnese celebrando Santa Maria Madalena como testemunha do Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo, conforme narram os Quatro Evangelhos.

Os primeiros dois versos da estrofe remetem à Paixão (Jo 19,25): movida por ardente piedade (ímpetu flagrans pietátis), Madalena permanece em pé junto à cruz, lamentando o sofrimento do Senhor (complóras Dóminum), juntamente com Maria, a Mãe de Jesus (referida na tradução brasileira) e o Discípulo Amado.

Deposição da Cruz (Rogier van der Weyden)
Madalena aparece à direita, aos pés do Mestre

Os últimos dois versos, seguindo novamente o relato de João, cantam seu papel no sepultamento do Senhor: “membra tu terges studiósa et ungis danda sepúlcro” - “Tu, cuidadosa, enxugas e unges seus membros, dando-lhe sepultura”.

Nos Evangelhos Sinóticos, Madalena e as mulheres observam de longe, e preparam os perfumes para ungir o Corpo do Senhor apenas na manhã do domingo (Mc 15,40–16,2 e paralelos). No Evangelho de João, por sua vez, o Corpo de Jesus é ungido já na tarde da sexta-feira: embora sejam mencionados apenas José de Arimateia e Nicodemos, podemos supor a presença de Madalena e das demais “miróforas” (Jo 19,38-42).

d) 5ª estrofe: Conclusão

No texto original, a 4ª estrofe conclui a anamnese do hino. Enquanto as Laudes (oração da manhã) estão diretamente ligadas ao mistério da Ressurreição, as Vésperas (oração da tarde) nos remetem à Paixão (cf. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, nn. 38-39). Por esse motivo, Mágdalae sidus, como hino das Vésperas, conclui sua anamnese com a Morte e o Sepultamento do Senhor.

Não obstante, a tradução oficial para o português do Brasil, além de acrescentar uma 6ª estrofe, como veremos a seguir, transformou a 5ª em uma continuação da anamnese/memorial do hino, propondo-nos também a contemplação do mistério da Ressurreição do Senhor.

À luz do Evangelho de João (Jo 20,11-18), a 5ª estrofe brasileira canta a missão de Maria Madalena como “testemunha primeira” e anunciadora do Cristo Ressuscitado, ao mesmo tempo em que pede que ela nos guie, como “povo nascido na Páscoa”, nos caminhos de Cristo.

A 5ª estrofe original do hino Mágdalae sidus, por sua vez, é uma súplica a Santa Maria Madalena para que nós, gerados no amor de Cristo (Quos amor Christi péperit), possamos participar da Sua vitória e, com ela, cantar eternamente o louvor do Amado (triúmphis nos fac adiúngi sócios per aevum, atque Dilécto simul affluénter pángere laudes).

A tradução oficial para o português do Brasil, realizada pela CNBB, acrescentou uma 6ª estrofe, que serve de doxologia final: embora dirigida a Santa Maria Madalena, é na verdade uma fórmula de louvor à Santíssima Trindade, como é comum nos hinos da Liturgia das Horas.

Nessa doxologia, após recordar os “prodígios” do amor de Deus realizados em Maria Madalena, pedimos que, como ela, possamos um dia contemplar a face do Senhor: “Honra, glória e louvor à Trindade, cujo amor fez prodígios em ti. Contemplemos também sua face, quando o dia da glória surgir”.

Madalena encontra-se com o Ressuscitado
(Ícone do século XVI)

Notas:

[1] cf. BUGNINI, Annibale. A reforma litúrgica: 1948-1975. São Paulo: Paulinas; Paulus; Loyola, 2018, pp. 461-463.
AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992.

[2] Fonte: CATTOLICI ROMANI: Thesaurus Liturgiae: Inni della «Liturgia Horarum» - 2. Proprium de Sanctis & Communia. Acesso em 20 de julho de 2022.

[3] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, p. 1439.

[4] cf. BREVIARIUM ROMANUM. Ex Decreto Sacrosancti Concilii Tridentini Restitutum. Pars aestiva. Tournai: Desclée, 1942, p. 786.
The Hymns of the Breviary and Missal: Maria castis osculis. in: Catholic Cornucopia. Acesso em 20 de julho de 2022.

[5] cf. BREVIARIUM ROMANUM, op. cit., p. 786.
The Hymns of the Breviary and Missal, Pater superni luminis. in: Catholic Cornucopia. Acesso em 20 de julho de 2022.

[6] “Gozosa de haber trocado tus cadenas por la fe” (AROCENA, op. cit., p. 253).

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