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domingo, 24 de julho de 2022

Carta Apostólica Desiderio desideravi - Terceira parte (nn. 48-65)

Com esta postagem concluímos a publicação na íntegra da Carta Apostólica Desiderio desideravi (Desejei ardentemente) sobre a formação litúrgica do povo de Deus, promulgada pelo Papa Francisco no dia 29 de junho de 2022.

Dividimos nossa tradução do texto completo da Carta em três postagens. Assim, após os parágrafos nn. 01-26 (Primeira parte) e nn. 27-47 (Segunda parte), confira nesta Terceira e última parte os nn. 48-65:

Papa Francisco
Carta Apostólica Desiderio desideravi
Aos Bispos, aos presbíteros e aos diáconos, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos
Sobre a formação litúrgica do povo de Deus

Ars celebrandi

48. Um modo para conservar e para crescer na compreensão vital dos símbolos da Liturgia é certamente cuidar da arte de celebrar (ars celebrandi). Também essa expressão é objeto de diversas interpretações. Essa se esclarece se é compreendida tendo como referência o significado teológico da Liturgia descrito no n. 7 da Sacrosanctum Concilium, ao qual nos referimos várias vezes. A ars celebrandi não pode ser reduzida apenas à observância de um aparato de rubricas, nem tampouco pode ser pensada como uma fantasiosa - e às vezes selvagem - criatividade sem regras. O rito é por si mesmo norma, e a norma nunca é um fim em si mesma, mas sempre está a serviço da realidade mais elevada que quer conservar.


49. Como toda arte, requer distintos conhecimentos.
Antes de tudo, a compreensão do dinamismo que descreve a Liturgia. O momento da ação celebrativa é o lugar no qual, através do memorial, o Mistério Pascal se faz presente, para que os batizados, em virtude da sua participação, possam experimentá-lo em sua vida. Sem essa compreensão se cai facilmente no “exteriorismo” (mais ou menos refinado) e no “rubricismo” (mais ou menos rígido).
Também é preciso conhecer como o Espírito Santo age em cada celebração: a arte de celebrar deve estar em sintonia com a ação do Espírito. Só assim estará livre dos subjetivismos, que são o fruto da prevalência das sensibilidades individuais e dos culturalismos, que são aquisições acríticas de elementos culturais que nada têm a ver com um correto processo de inculturação.
É necessário, por fim, conhecer a dinâmica da linguagem simbólica, a sua peculiaridade, a sua eficácia.

50. A partir destas breves indicações fica claro que a arte de celebrar não pode ser improvisada. Como toda arte, requer aplicação constante. Para um artesão, basta a técnica; para um artista, além do conhecimento técnico, não pode faltar a inspiração, que é uma forma positiva de posse: o artista, aquele verdadeiro, não possui a arte: ele é “possuído” por ela. São se aprende a arte de celebrar porque se frequenta um curso de public speaking  (oratória) ou de técnicas de comunicação persuasiva (não julgo as intenções, vejo os efeitos). Todo instrumento pode ser útil, mas deve sempre estar a serviço da natureza da Liturgia e da ação do Espírito. É preciso uma diligente dedicação à celebração, deixando que seja a própria celebração a nos transmitir a sua arte. Escreve Romano Guardini: “Devemos dar-nos conta do quão profundamente ainda estamos enraizados no individualismo e no subjetivismo, de quanto estamos desacostumados ao apelo das grandezas e de quão pequena é a medida da nossa vida religiosa. Devemos despertar o sentido do grande estilo da oração, a vontade de envolver nela também a nossa existência. Mas o caminho para essa meta é a disciplina, a renúncia a um sentimentalismo mórbido; um trabalho sério, realizado em obediência à Igreja, em relação ao nosso ser e ao nosso comportamento religioso” [15]. É assim que se aprende a arte de celebrar.

51. Falando deste tema, somos levados a pensar que diz respeito apenas aos ministros ordenados, que exercem o serviço da presidência. Na realidade, é uma atitude que todos os batizados são chamados a viver. Penso em todos os gestos e palavras que pertencem à assembleia: o reunir-se, o caminhar em procissão, o estar sentados, em pé, de joelhos, o cantar, o estar em silêncio, o aclamar, o olhar, o escutar. São muitos os modos pelos quais a assembleia, como um só homem (Ne 8,1), participa da celebração. Realizar todos juntos o mesmo gesto, falar todos juntos a uma só voz, transmite a cada indivíduo a força de toda a assembleia. É uma uniformidade que não só não mortifica, mas, ao contrário, educa cada fiel a descobrir a autêntica singularidade da própria personalidade não em atitudes individualistas, mas na consciência de ser um só corpo. Não se trata de dever seguir uma “etiqueta” litúrgica: se trata antes de uma “disciplina” - no sentido usado por Guardini - que, se observada com autenticidade, nos forma: são gestos e palavras que põem ordem dentro do nosso mundo interior, fazendo-nos experimentar sentimentos, atitudes, comportamentos. Não são a enunciação de um ideal no qual buscamos nos inspirar, mas são uma ação que envolve o corpo na sua totalidade, isto é, no seu ser unidade de alma e de corpo.

"Entre os gestos rituais ocupa um lugar de absoluta importância o silêncio"

52. Entre os gestos rituais que pertencem a toda a assembleia ocupa um lugar de absoluta importância o silêncio. Várias vezes é expressamente prescrito nas rubricas: toda a Celebração Eucarística está imersa no silêncio que precede o seu início e marca cada instante do seu desenvolvimento ritual. De fato, está presente no ato penitencial; após o convite à oração; na Liturgia da Palavra (antes das leituras, entre as leituras e depois da homilia); na Oração Eucarística; após a Comunhão [16]. Não se trata de um refúgio no qual se esconder para um isolamento intimista, quase que “suportando” a ritualidade como se fosse uma distração: tal silêncio estaria em contradição com a própria essência da celebração. O silêncio litúrgico é muito mais: é o símbolo da presença e da ação do Espírito Santo que anima toda a ação celebrativa. Por isso constitui muitas vezes o ápice de uma sequência ritual. Precisamente por ser símbolo do Espírito, tem a força para expressar a sua multiforme ação. Assim, percorrendo os momentos que recordei acima, o silêncio leva ao arrependimento e ao desejo de conversão; suscita a escuta da Palavra e a oração; dispõe à adoração do Corpo e do Sangue de Cristo; sugere a cada um, na intimidade da Comunhão, aquilo que o Espírito deseja realizar na vida para nos conformar ao Pão partido. Por isso somos chamados a observar com extremo cuidado o gesto simbólico do silêncio: é nele o Espírito nos dá forma.

53. Cada gesto e cada palavra contém uma ação precisa que é sempre nova porque vai ao encontro de um instante sempre novo da nossa vida. Explico-me com apenas um simples exemplo. Ajoelhamo-nos para pedir perdão; para dobrar o nosso orgulho; para entregar a Deus nossas lágrimas; para suplicar a sua intervenção; para agradecer-lhe um dom recebido: é sempre o mesmo gesto que diz essencialmente o nosso ser pequenos diante de Deus. Todavia, realizado em momentos distintos da nossa vida, molda a nossa interioridade profunda para depois manifestar-se externamente na nossa relação com Deus e com os irmãos. Também o ajoelhar-se deve ser feito com arte, ou seja, com plena consciência do seu significado simbólico e da necessidade que nós temos de exprimir com este gesto o nosso modo de estar na presença do Senhor.
Se tudo isso é verdadeiro para esse simples gesto, quanto mais o será para a celebração da Palavra? Que arte somos chamados a aprender ao proclamar a Palavra, ao ouvi-la, ao fazê-la inspiração da nossa oração, fazê-la tornar-se vida? Tudo isso merece o máximo cuidado, não formal, externo, mas vital, interior, porque cada gesto e cada palavra da celebração expressos com “arte” formam a personalidade cristã do indivíduo e da comunidade.

54. Se é verdade que a ars celebrandi diz respeito a toda assembleia que celebra, é igualmente verdade que os ministros ordenados devem ter com ela um cuidado especial. Ao visitar as comunidades cristãs, notei muitas vezes que o seu modo de viver a celebração é condicionado - para o bem e, infelizmente, também para o mal - por como o seu pároco preside a assembleia. Poderíamos dizer que existem diferentes “modelos” de presidência. Eis um possível elenco de atitudes que, apesar de opostas entre si, caracterizam a presidência de modo certamente inadequado: rigidez austera ou criatividade exasperada; misticismo espiritualizante ou funcionalismo prático; vivacidade apressada ou lentidão enfatizada; descuido desleixado ou refinamento excessivo; superabundante afabilidade ou impassividade hierática. Apesar da amplitude de exemplos, penso que a inadequação desses modelos tenha uma raiz comum: um exasperado personalismo do estilo celebrativo que, muitas vezes, exprime uma mal disfarçada mania de protagonismo. Muitas vezes isso fica mais evidente quando nossas celebrações são transmitidas online, o que nem sempre é oportuno e sobre o qual devemos refletir. Entendamo-nos, nem sempre essas são as atitudes mais comuns, embora não raro as assembleias sofram esses “maus-tratos”.

55. Muito se poderia dizer sobre a importância e sobre a delicadeza de presidir. Em várias ocasiões me concentrei sobre a exigente tarefa da homilia [17]. Limito-me aqui a algumas considerações mais amplas, sempre buscando refletir convosco sobre como somos formados pela Liturgia. Penso na normalidade das Missas dominicais em nossas comunidades: refiro-me, portanto, aos presbíteros, mas implicitamente a todos os ministros ordenados.

56. O presbítero vive a sua participação típica na celebração em virtude do dom recebido no sacramento da Ordem: esta tipicidade se exprime precisamente na presidência. Como em todos os ofícios que é chamado a desempenhar, não se trata primordialmente de uma tarefa atribuída pela comunidade, mas é uma consequência da efusão do Espírito Santo recebida na ordenação que o habilita a tal tarefa. Também o presbítero é formado pelo seu presidir a assembleia que celebra.

"Recebe a oferenda do povo para apresentá-la a Deus..."

57. Para que este serviço seja feito bem - com arte, aliás - é de fundamental importância que o presbítero tenha antes de tudo uma viva consciência de ser, por misericórdia, uma particular presença do Ressuscitado. O ministro ordenado é ele mesmo uma das modalidades da presença do Senhor que torna a assembleia cristã única, diferente de qualquer outra (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7). Este fato dá profundidade “sacramental” - em sentido amplo - a todos os gestos e palavras daquele que preside. A assembleia tem direito de poder sentir naqueles gestos e naquelas palavras o desejo que o Senhor tem, hoje como na última Ceia, de continuar a comer a Páscoa conosco. O Ressuscitado é, pois, o protagonista, e não certamente nossas imaturidades que buscam assumir um papel, uma atitude, um modo de apresentar-se que não lhes correspondem. O próprio presbítero deve ser dominado por este desejo de comunhão que o Senhor tem para com cada um: é como se fosse colocado entre o coração ardente do amor de Jesus e o coração de cada fiel, objeto do seu amor. Presidir a Eucaristia é estar mergulhado na fornalha do amor de Deus. Quando nos é dado compreender, ou ao menos intuir, esta realidade, certamente já não precisamos de um diretório que nos exija um comportamento adequado. Se precisamos disso é pela dureza do nosso coração. A norma mais elevada e, portanto, mais exigente, é a própria realidade da Celebração Eucarística que seleciona palavras, gestos, sentimentos, fazendo-nos compreender se são ou não adequados à tarefa que devem desempenhar. É evidente que também isto não se improvisa: é uma arte, pede ao presbítero aplicação, isto é, uma frequência assídua do fogo de amor que o Senhor veio trazer à terra (cf. Lc 12,49).

58. Quando a primeira comunidade parte o pão em obediência ao mandato do Senhor, o faz sob o olhar de Maria, que acompanha os primeiros passos da Igreja: “Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14). A Virgem Mãe “supervisiona” os gestos do seu Filho confiados aos Apóstolos. Assim como guardou no seu seio, depois de ter acolhido as palavras do anjo Gabriel, o Verbo feito carne, a Virgem guarda mais uma vez no seio da Igreja aqueles gestos que fazem o corpo do seu Filho. O presbítero que, em virtude do dom recebido com o sacramento da Ordem, repete esses gestos, é guardado no seio da Virgem. Precisamos de uma regra para dizer- nos como se comportar?

59. Tornados instrumentos para fazer arder o fogo do seu amor sobre a terra, guardados no seio de Maria, Virgem feita Igreja (como cantava São Francisco), os presbíteros devem deixar-se modelar pelo Espírito, que deseja levar a cumprimento a obra que iniciou na sua ordenação. A ação do Espírito oferece-lhes a possibilidade de exercer a presidência da assembleia eucarística com o temor de Pedro, consciente do seu ser pecador (cf. Lc 5,1-11), com a forte humildade do servo sofredor (cf. Is 42ss), com o desejo de “deixar-se consumir” pelo povo que lhe é confiado no exercício quotidiano do ministério.

60. É a própria celebração que educa para esta qualidade de presidência; não é, repetimos, uma adesão mental, ainda que nela esteja envolvida toda a nossa mente, assim como a nossa sensibilidade. O presbítero é, portanto, formado para a presidência pelas palavras e pelos gestos que a Liturgia põe em seus lábios e em suas mãos.
Não se senta em um trono [18], porque o Senhor reina com a humildade de quem serve.
Não rouba a centralidade do altar, “símbolo de Cristo de cujo lado aberto correram água e sangue, os sacramentos que fazem nascer a Igreja” e “centro do nosso louvor e da nossa ação de graças” [19].
Aproximando-se do altar para a oferta, o presbítero é educado à humildade e ao arrependimento com as palavras: “De coração contrito e humilde, sejamos, Senhor, acolhidos por vós; e seja o nosso sacrifício de tal modo oferecido que vos agrade, Senhor, nosso Deus” [20].
Não pode presumir-se do ministério que lhe foi confiado, porque a Liturgia o convida a pedir ser purificado no sinal da água: “Lavai-me, Senhor, de minhas faltas, e purificai-me de meus pecados” [21].
As palavras que a Liturgia põe em seus lábios têm conteúdos diversos, que pedem tonalidades específicas: pela importância dessas palavras, pede-se ao presbítero uma verdadeira ars dicendi. Essas palavras dão forma aos seus sentimentos interiores, ora na súplica ao Pai em nome da assembleia, ora na exortação dirigida à assembleia, ora na aclamação a uma só voz com toda a assembleia.
Com a Oração Eucarística - da qual também todos os batizados participam, escutando com reverência e silêncio e intervindo com as aclamações [22] - quem preside tem a força, em nome de todo o povo santo, de recordar ao Pai a oferenda do seu Filho na última Ceia, para que aquele dom imenso se faça novamente presente no altar. Naquela oferenda ele participa com a oferta de si mesmo. O presbítero não pode narrar ao Pai a última Ceia sem participar dela. Não pode dizer: “Tomai todos e comei: Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós”, e não viver o mesmo desejo de oferecer o próprio corpo, a própria vida pelo povo que lhe é confiado. É o que acontece no exercício do seu ministério.
Por tudo isso, e por muito mais, o sacerdote é continuamente formado na ação celebrativa.

"De coração contrito e humilde..."

Conclusão

61. Quis simplesmente oferecer algumas reflexões que certamente não esgotam o imenso tesouro da celebração dos santos mistérios. Peço a todos os Bispos, aos presbíteros e aos diáconos, aos formadores dos seminários, aos professores das faculdades teológicas e das escolas de teologia, a todos os catequistas, a ajudar o povo santo de Deus a haurir daquela que sempre foi a fonte primária da espiritualidade cristã: a Liturgia. Somos continuamente chamados a redescobrir a riqueza dos princípios gerais expostos nos primeiros números da Sacrosanctum Concilium, compreendendo o estreito vínculo entre a primeira das Constituições conciliares e todas as outras. Por este motivo não podemos voltar àquela forma ritual que os Padres conciliares, cum Petro e sub Petro, sentiram a necessidade de reformar, aprovando, sob a guia do Espírito e segundo a sua consciência de pastores, os princípios a partir dos quais nasceu a reforma. Os Santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, aprovando os livros litúrgicos reformados ex decreto Sacrosancti Oecumenici Conciliii Vaticani II, garantiram a fidelidade da reforma ao Concílio. Por este motivo escrevi Traditionis Custodes, para que a Igreja possa elevar, na diversidade das línguas, uma só e idêntica oração, capaz de exprimir a sua unidade [23]. Esta unidade, como já escrevi, pretendo que seja restabelecida em toda a Igreja de Rito Romano.

62. Gostaria que esta Carta nos ajudasse a reavivar o assombro pela beleza da verdade da celebração cristã, a recordar a necessidade de uma formação litúrgica autêntica e a reconhecer a importância de uma arte da celebração que esteja a serviço da verdade do Mistério Pascal e da participação de todos os batizados, cada um com a especificidade da sua vocação.
Toda esta riqueza não está longe de nós: está nas nossas igrejas, nas nossas festas cristãs, na centralidade do domingo, na força dos sacramentos que celebramos. A vida cristã é um contínuo caminho de crescimento: somos chamados a deixar-nos formar com alegria e na comunhão.

63. Por isso, desejo deixar ainda uma indicação para prosseguir no nosso caminho. Convido-vos a redescobrir o sentido do ano litúrgico e do dia do Senhor: também este é um dom do Concílio (cf. Sacrosanctum Concilium, nn. 102-111).

64. À luz de quanto recordamos acima, compreendemos que o ano litúrgico é para nós a possibilidade de crescer no conhecimento do mistério de Cristo, mergulhando a nossa vida no mistério da sua Páscoa, à espera do seu retorno. Esta é uma verdadeira formação permanente. A nossa vida não é uma sucessão aleatória e caótica de eventos, mas um percurso que, de Páscoa em Páscoa, nos conforma a Ele, enquanto “vivendo a bendita esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador” [24].

65. Na passagem do tempo renovado pela Páscoa, a cada oito dias a Igreja celebra no domingo o acontecimento da salvação. O domingo, antes de ser um preceito, é um dom que Deus dá ao seu povo (por isso a Igreja o guarda com um preceito). A celebração dominical oferece à comunidade cristã a possibilidade de ser formada pela Eucaristia. De domingo a domingo, a Palavra do Ressuscitado ilumina a nossa existência, buscando realizar em nós aquilo para o quaç foi enviada (cf. Is 55,10-11). De domingo a domingo, a comunhão com o Corpo e o Sangue de Cristo quer fazer também da nossa vida um sacrifício agradável ao Pai, na comunhão fraterna que se faz partilha, acolhida, serviço. De domingo a domingo, a força do Pão partido nos sustenta no anúncio do Evangelho, no qual se manifesta a autenticidade da nossa celebração.

Abandonemos as polêmicas para ouvirmos juntos o que o Espírito diz à Igreja: conservemos a comunhão, continuemos a nos maravilhar com a beleza da Liturgia. Foi-nos dada a Páscoa, deixemo-nos conservar pelo desejo que o Senhor continua a ter de poder comê-la conosco. Sob o olhar de Maria, Mãe da Igreja.

Dado em Roma, junto de São João de Latrão, a 29 de junho, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, do ano de 2022, décimo do meu pontificado.

FRANCISCO

Toda a humanidade trema, estremeça o universo inteiro e exulte o céu quando sobre o altar, na mão do sacerdote, está presente Cristo, o Filho do Deus vivo.
Ó admirável altura e estupenda condescendência! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde, que o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, se humilhe a ponto de esconder-se, para nossa salvação, sob a pequena aparência de pão!
Vede, irmãos, a humildade de Deus, e abri diante d’Ele vossos corações; humilhai-vos também vós, porque sereis exaltados por Ele.
Nada, pois, guardeis de vós para vós mesmos, para que todos e por inteiro vos acolha Aquele que por inteiro se oferece a vós.
(São Francisco de Assis, Carta a toda a Ordem II, 26-29).


Notas:

[15] Romano Guardini, Liturgische Bildung (1923); in: Liturgie und liturgische Bildung. Mainz, 1992, p. 99 (trad. ital.: Formazione Liturgica. Brescia, 2022, p. 139).
[16] cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano (Institutio Generalis Missalis Romani), 3ª edição, nn. 45.51.54-56.66.71.78.84.88.271.
[17] cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), nn. 135-144.
[18] cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, n. 310.
[19] Rito da dedicação de um altar: Prece de dedicação; in: Pontifical Romano, p. 497.
[20] Missal Romano, p. 403 (“In spiritu humilitatis et in animo contrito suscipiamur a te, Domine; et sic fiat sacrificium nostrum in conspectu tuo hodie, ut placeat tibi, Domine Deus”).
[21] ibid. (“Lava me, Domine, ab iniquitate mea, et a peccato meo munda me”).
[22] cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, nn. 78-79.
[23] cf. Paulo VI, Constituição Apostólica Missale Romanum (03 de abril de 1969); in: AAS 61 (1969), 222.
[24] Missal Romano, p. 501: (“exspectantes beatam spem et adventum Salvatoris nostri Iesu Christi”).

Tradução nossa a partir do texto italiano da Carta, disponível no site da Santa Sé.

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