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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Catequeses sobre os Salmos (56): Vésperas da terça-feira da IV semana

Nesta postagem propomos as Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos das Vésperas da quinta-feira da IV semana do Saltério, proferidas nos dias 30 de novembro (Sl 136) e 07 de dezembro de 2005 (Sl 137).

Como afirmamos anteriormente, não foram retomados os cânticos do Apocalipse, sobre os quais João Paulo II já havia refletido.

157. Junto dos rios da Babilônia: Sl 136(137),1-6
30 de novembro de 2005

1. Nesta primeira quarta-feira do Advento, tempo litúrgico de silêncio, vigilância e oração em preparação para o Natal, meditamos o Salmo 136, que se tornou célebre na versão latina do seu início, Super flumina Babylonis. O texto recorda a tragédia vivida pelo povo hebraico durante a destruição de Jerusalém, que aconteceu em 586 a. C., e o sucessivo e consequente exílio na Babilônia. Estamos diante de um canto nacional de sofrimento, marcado por uma saudade crescente do que se perdeu.
Esta insistente invocação ao Senhor para que liberte os seus fiéis da escravidão babilônica, exprime bem também os sentimentos de esperança e de expectativa da salvação com os quais iniciamos o nosso caminho do Advento.
A primeira parte do Salmo (vv. 1-4) tem como pano de fundo a terra do exílio, com os seus rios e canais, precisamente os que irrigam a planície babilônica, sede dos deportados hebreus. É quase a antecipação simbólica dos campos de extermínio nos quais o povo hebreu - no século que há pouco terminou - foi encaminhado através de uma opressão aviltante de morte, que permaneceu como vergonha indelével na história da humanidade.
A segunda parte do Salmo (vv. 5-6), ao contrário, está impregnada pela recordação amorosa de Sião, a cidade perdida mas viva no coração dos exilados.

"Junto aos rios da Babilônia" (Gebhard Fugel)

2. Nas palavras do salmista estão incluídos a mão, a língua, a boca, a voz, as lágrimas. A mão é indispensável para quem toca a harpa: mas agora ela está paralisada pela dor (v. 5), também porque as harpas estão penduradas nos salgueiros.
A língua é necessária ao cantor, mas agora está “colada ao céu da boca” (v. 6). Em vão os “opressores” babilônicos “pediram nossos cânticos... exigiam alegria” (v. 3). Os “cânticos de Sião” são “cânticos do Senhor” (vv. 3-4), não são canções folclóricas e de espetáculo. Só na Liturgia e na liberdade de um povo podem elevar-se ao céu.

3. Deus, que é o último árbitro da história, saberá compreender e acolher segundo a sua justiça também o grito das vítimas, além dos acentos ásperos que por vezes ele assume.
Gostaríamos de nos confiar a Santo Agostinho para uma ulterior meditação sobre o nosso Salmo. Nela o grande Padre da Igreja introduz uma nota surpreendente e de grande atualidade: ele sabe que entre os habitantes da Babilônia se encontram pessoas que se comprometem pela paz e pelo bem da comunidade, mesmo se não partilham a fé bíblica, isto é, se não conhecem a esperança da cidade eterna pela qual nós aspiramos. Eles levam consigo uma centelha de desejo do desconhecido, do maior, do transcendente, de uma verdadeira redenção. E ele diz que também entre os perseguidores, entre os não-crentes, existem pessoas com esta centelha, com uma espécie de fé, de esperança, na medida que lhes é possível nas circunstâncias em que vivem. Com esta fé, também em uma realidade desconhecida, eles estão realmente a caminho rumo à verdadeira Jerusalém, a Cristo.
E com esta abertura de esperança também para os babilônicos - como lhes chama Agostinho -, para os que não conhecem Cristo, nem sequer Deus, e todavia desejam o desconhecido, o eterno, ele adverte-nos também a nós que não nos fixemos simplesmente nas coisas materiais do momento presente, mas que perseveremos no caminho para Deus. Só com esta esperança maior podemos também, do modo justo, transformar este mundo. Santo Agostinho diz isto com as seguintes palavras: “Se somos cidadãos de Jerusalém... e devemos viver nesta terra, na confusão do mundo presente, na atual Babilônia, onde não habitamos como cidadãos, mas somos presos, é preciso que quanto foi dito pelo Salmo não só o cantemos, mas vivamos: o que se faz com uma aspiração profunda do coração, plena e religiosamente desejoso da cidade eterna”.
E acrescenta em relação à “cidade terrestre, chamada Babilônia”: ela “tem pessoas que, movidas pelo amor por ela, se esforçam para garantir a paz - a paz temporal - sem alimentar no coração outra esperança, aliás, pondo nisto toda a sua alegria, sem promover outra coisa. E nós vemo-los fazer todos os esforços para se tornarem úteis à sociedade terrena. Mas, se se esforçam com consciência pura nestas tarefas, Deus não permitirá que pereçam com Babilônia, tendo-os predestinado para serem cidadãos de Jerusalém: mas contanto que, vivendo na Babilônia, não tenham a ambição da soberba, a pompa caduca e a arrogância irritante... Ele vê a sua disponibilidade e lhes mostrará a outra cidade, pela qual devem verdadeiramente suspirar e à qual devem orientar todos os seus esforços” (Exposições sobre os Salmos, 136, 1-2; Nova Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma, 1977, pp. 397.399).
Peçamos ao Senhor que desperte em todos nós este desejo, esta abertura a Deus, e que também os que não conhecem a Cristo possam ser tocados pelo seu amor, para que todos juntos nos coloquemos em peregrinação para a cidade definitiva e a luz desta cidade possa surgir também neste nosso tempo e neste nosso mundo.

158. Ação de graças: Sl 137(138),1-8
07 de dezembro de 2005

1. Colocado pela tradição judaica sob o patrocínio de Davi, embora provavelmente tenha surgido numa época sucessiva, o hino de ação de graças que agora escutamos e que constitui o Salmo 137, abre-se com um cântico pessoal do orante. Ele eleva a sua voz no âmbito da assembleia do templo ou, pelo menos, tendo como referência o santuário de Sião, sede da presença do Senhor e do seu encontro com o povo dos fiéis.
De fato, o salmista confessa: “ante o vosso templo vou prostrar-me” (v. 2); ele canta diante de Deus que está nos céus com a sua corte de anjos (v. 1), mas que também está à escuta no espaço terreno do templo de Jerusalém. O orante tem a certeza de que o “nome” do Senhor, isto é, a sua realidade pessoal, viva e operante, e as suas virtudes, a fidelidade-verdade e a misericórdia-amor, sinais da aliança com o seu povo, são a base de qualquer confiança e esperança (v. 2).

2. O olhar dirige-se então, por um instante, ao passado, ao dia do sofrimento: o grito do fiel angustiado tinha sido então respondido pela voz divina. Ela tinha infundido coragem na alma perturbada (v. 3). O original hebraico fala literalmente do Senhor que “agita a força na alma” do justo oprimido: é como se fosse a irrupção de um vento impetuoso que elimina as hesitações e os receios, imprime uma energia vital nova, faz florescer a fortaleza e a confiança.
Depois desta promessa aparentemente pessoal, o salmista alarga o olhar ao mundo e imagina que o seu testemunho envolve todo o horizonte: “os reis de toda a terra”, em uma espécie de adesão universalista, se associam ao orante hebreu num louvor comum em honra da grandeza e do poder soberano do Senhor (vv. 4-6).

3. O conteúdo deste louvor coral, que se eleva de todos os povos, já mostra a futura Igreja universal. Este conteúdo tem como primeiro tema a “glória” e os “caminhos” do Senhor (v. 5), isto é, os seus projetos de salvação e a sua revelação. Assim, descobre-se que Deus é certamente “Altíssimo” e transcendente, mas “olha os pobres” com afeto, enquanto afasta do seu rosto o soberbo, em sinal de rejeição e de julgamento (v. 6).
Como proclamava Isaías: “Pois assim diz Aquele que está no alto, lá em cima, Aquele que mora na eternidade e que tem um nome santo: Eu moro na Altura santa, mas estou com os oprimidos e humilhados, para reanimar o espírito dos humilhados e reanimar o coração dos oprimidos” (Is 57,15). Por conseguinte, Deus escolhe declarar-se em defesa dos débeis, das vítimas, dos últimos: isto é dado a conhecer a todos os reis, para que saibam qual deve ser a sua posição ao governar as nações.
Naturalmente isto é dito não só aos reis e a todos os governos, mas a todos nós, porque também nós devemos saber que escolha fazer, qual é a opção: colocarmo-nos ao lado dos humildes, dos últimos, dos pobres e fracos.

4. Depois desta interpelação, a nível mundial, aos responsáveis das nações, não só daquele tempo, mas de todos os tempos, o orante volta ao louvor pessoal (vv. 7-8). Com um olhar que se orienta para o futuro da sua vida, ele implora a ajuda de Deus também para as provações que a existência ainda vai apresentar. E todos nós rezamos assim com este orante daquele tempo.
Fala-se de modo sintético da “ira dos inimigos” (v. 7), uma espécie de símbolo de todas as hostilidades que podem apresentar-se ao justo durante o seu caminho na história. Mas ele sabe - e com ele também nós sabemos - que o Senhor jamais o abandonará e que estenderá a sua mão para ampará-lo e guiar. O fim do Salmo é, então, uma última e apaixonada profissão de confiança em Deus, cuja bondade é “para sempre”: Ele “não deixará inacabada a obra de suas mãos”, isto é, sua criatura (v. 8). Nesta confiança, nesta certeza da bondade de Deus, devemos viver também nós.
Podemos estar seguros de que, por mais pesadas e tempestuosas que sejam as provas que nos esperam, nós jamais seremos abandonados, nunca agiremos fora das mãos do Senhor, aquelas mãos que nos criaram e que agora nos acompanham no itinerário da vida. Como confessará São Paulo: “Deus, que em vós começou esse bom trabalho, vai continuá-lo até que seja concluído” (Fl 1,6).

5. Assim, também nós rezamos com o Salmo de louvor, de ação de graças e de confiança. Desejamos continuar a fazer correr este fio de louvor hínico através do testemunho de um cantor cristão, o grande Efrém, o Sírio (século IV), autor de textos de extraordinária elevação poética e espiritual.
“Por maior que seja a nossa admiração por ti, ó Senhor, / a tua glória supera o que os nossos lábios podem expressar”, canta Efrém em um hino (Hinos sobre a Virgindade, 7:  A harpa do Espírito, Roma, 1999, p. 66), e em outro: “Louvor a ti, para quem todas as coisas são fáceis, / porque tu és onipotente” (Hinos sobre a Natividade, 11: ibid., p. 48), e este é o último motivo da nossa confiança, que Deus tem o poder da misericórdia e usa o seu poder para a misericórdia. Por fim, mais uma citação: “Louvor a ti de todos os que compreendem a tua verdade” (Hinos sobre a Fé, 14: ibid., p. 27).

"Ante o vosso templo vou prostrar-me" (Sl 137,2)
(Parábola do fariseu e do publicano - Barent Fabritius)

Ap 4,11; 5,9-10.12: cf. Catequeses nn. 102 e 124.

Fonte: Santa Sé (30 de novembro e 07 de dezembro de 2005).

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