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terça-feira, 17 de agosto de 2021

Leitura litúrgica do Livro do Eclesiastes

“Há um momento oportuno para tudo que acontece debaixo do céu” (Ecl 3,1)

Em nossa série de postagens sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, já analisamos a presença nas celebrações do Rito Romano de dois livros bíblicos pertencentes ao bloco dos escritos sapienciais: o Livro da Sabedoria e o Livro dos Provérbios.

Nesta postagem gostaríamos de dar continuidade à proposta com outro texto sapiencial: o Livro do Eclesiastes (Ecl), também conhecido como Qohelet  ou Coélet.

1. Breve introdução ao Livro do Eclesiastes

A palavra grega ekklesiastes (de ekklesia, assembleia) traduz o hebraico qohelet (de qahal), significando “aquele que fala na assembleia” ou “aquele que convoca uma assembleia”. Este é o título que o autor do livro usa: “Palavras de Qohelet, filho de Davi, rei em Jerusalém” (Ecl 1,1). Não confundir com o Livro do Eclesiástico ou Sirácida.

A identificação do autor como filho de Davi, isto é, Salomão (Ecl 1,13–2,11) é simbólica (pseudonímia), uma vez que esse rei é o modelo de homem sábio. O mesmo acontece nos outros livros sapienciais: Provérbios, Cântico dos Cânticos e Sabedoria.

"Salomão"
(Gustave Doré - séc. XIX)

A obra foi escrita no período helenístico (séc. IV-I a. C.), mais provavelmente no século III a. C., época em que a sabedoria grega sofreu tanto aceitação quanto resistência em Israel. O Livro do Eclesiastes adota uma posição intermediária, com certa dose de pessimismo ("crise da sapiência"), reagindo ante um “otimismo ingênuo” da sabedoria que julga tudo conhecer, mostrando seus limites.

Destaque também para a ênfase dada ao indivíduo (porém sem cair no individualismo) e não tanto na comunidade, como na maioria dos escritos do Antigo Testamento (AT), aspecto acolhido da filosofia grega.

Devido ao seu estilo peculiar, é difícil estabelecer uma estrutura para a obra, embora a maioria dos estudiosos costume dividi-la em duas grandes partes:
a) capítulos 1–6: um “exame da vida humana” ou “investigação”;
b) capítulos 7–12: as “consequências” ou “conclusões”.

Os gêneros literários também são diversos. Porém, diferentemente de outros escritos sapienciais, onde a poesia é predominante, aqui o autor recorre mais à prosa. Destacam-se também os temas que se repetem várias vezes ao longo do texto, como a “vaidade”, a inexistência da novidade “debaixo do sol” e a inevitabilidade da morte.

É razoável supor, por fim, que, por sua preocupação central pelo humano, provavelmente foram acrescentados à obra alguns versículos sobre o temor de Deus, para dar-lhe um tom mais “teológico” (como o epílogo em Ecl 12,13-14).

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem [1].

2. Leitura litúrgica do Eclesiastes: Composição harmônica

Devido a seu caráter “pessimista”, representando a “crise da sapiência”, o Livro do Eclesiastes é lido poucas vezes nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Seguindo o critério da composição harmônica, isto é, da escolha do texto por sua sintonia com o tempo ou a festa litúrgica [2], nosso livro aparece apenas uma vez.

A única ocorrência de Ecl em composição harmônica, com efeito, encontra-se no XVIII Domingo do Tempo Comum do ano C, quando se lê Ecl 1,2; 2,21-23 [3].

Nos domingos do Tempo Comum as leituras do AT foram selecionadas em “relação às perícopes evangélicas” [4]. Assim, a reflexão do Qohelet sobre a fugacidade das preocupações humanas ilumina aqui a parábola do rico insensato de Lc 12,13-21.

"Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade!" (Ecl 1,2)
("Vanitas" de Pieter Claesz - séc. XVII)

3. Leitura litúrgica do Eclesiastes: Leitura semicontínua

Pelo critério da leitura semicontínua (proclamação dos principais textos de um livro na sequência), o Rito Romano lê dez perícopes do nosso livro: três na Celebração Eucarística e sete na Liturgia das Horas.

a) Celebração Eucarística

Na Celebração Eucarística a leitura semicontínua do Eclesiastes está concentrada em três dias da XXV semana do Tempo Comum do ano par, logo após a leitura dos Provérbios e antes do Livro de Jó.

As perícopes escolhidas aqui são:
Quinta-feira: Ecl 1,2-11;
Sexta-feira: Ecl 3,1-11;
Sábado: Ecl 11,9–12,8 [5].

b) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas, por sua vez, o nosso livro encontra-se no Ofício das Leituras da VII semana do Tempo Comum, mais uma vez entre a leitura dos Provérbios e de . As perícopes selecionadas aqui são:

VII semana do Tempo Comum:
Domingo: Ecl 1,1-18 - “Insanidade de todas as coisas”;
Segunda-feira: Ecl 2,1-3.12-26 - “Insanidade dos prazeres e da sabedoria humana”;
Terça-feira: Ecl 3,1-22 - “Diversidade do tempo”;
Quarta-feira: Ecl 5,9–6,8 - “Insanidade das riquezas”;
Quinta-feira: Ecl 6,11–7,28 - “Não queiras saber mais do que o necessário”;
Sexta-feira: Ecl 8,5–9,10 - “A consolação do sábio”;
Sábado: Ecl 11,7–12,14 - “Sentenças acerca da velhice” [6].

Cumpre notar que na maior parte destes dias a 2ª leitura do Ofício é tomada dos comentários ao Eclesiastes feitos por alguns santos, como Gregório de Nissa (séc. IV), Jerônimo (séc. V) e Gregório de Agrigento (séc. VI).

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, as mesmas sete perícopes do Qohelet são lidas na XX semana do Tempo Comum no ano par, após os profetas Jonas Zacarias 914 e antes das Cartas a Tito e Timóteo.

Qohelet

Encerramos assim este brevíssimo percurso pelas leituras do Livro do Eclesiastes ou Qohelet nas celebrações litúrgicas do Rito Romano. Na próxima postagem desta série prosseguiremos com a literatura sapiencial analisando a leitura litúrgica do Livro de Jó.

[A postagem sobre o Livro de Jó será publicada na próxima terça-feira, 24 de agosto]

Notas:

[1] ASENSIO, Víctor Morla. Livros sapienciais e outros escritos. 3ª ed. São Paulo: Ave Maria, 2008, pp. 157-187. in: Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia, v. 5.
BUEHLMANN, Alain. Coélet. in: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe [org.]. Antigo Testamento: História, Escritura e Teologia. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 653-663.

[2] cf. Elenco das Leituras da Missa, n. 66; ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[3] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, p. x.
[4] ALDAZÁBAL, op. cit., p. 103.
[5] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. x.
[6] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, pp. 198.203.207.210.214.219.223.

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