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terça-feira, 23 de março de 2021

Missas votivas da Terra Santa (9): Gallicantu, Flagelação e Condenação

Em nossa postagem anterior da série sobre as Missas votivas dos Santuários da Terra Santa, começamos a apresentar as “Missas votivas do lugar” das igrejas ligadas à Paixão do Senhor: Betfagé e os santuários junto ao Monte das Oliveiras, em Jerusalém (Dominus Flevit e Basílica da Agonia).

Aqui prosseguiremos com os santuários da Paixão em Jerusalém, falando sobre as igrejas de São Pedro in Gallicantu, da Flagelação e da Condenação.

Como temos feito em todas as postagens desta série, apresentaremos a “oração do lugar”, as indicações de leituras e do prefácio de cada celebração, além de algumas adaptações mais dignas de nota.

2. JERUSALÉM

2c. Santuário de São Pedro in Gallicantu

Na encosta do Monte Sião, próximo ao Cenáculo, encontra-se a igreja de São Pedro in Gallicantu (latim para “canto do galo”). Esta igreja marca o local onde, segundo a tradição, Jesus foi interrogado pelo Sinédrio (Mt 26,57-68 e paralelos) e Pedro o negou três vezes (Mt 26,69-75 e paral.).

Uma capela recordando a negação de Pedro e seu arrependimento (Mt 26,75 e paral.) foi construída no local durante o século V, sendo destruída pelos muçulmanos no início do século XI. No século seguinte os cruzados reconstruiriam a igreja, mas esta se deteriorou após o fim do reino cristão de Jerusalém.

Santuário de São Pedro in Gallicantu - Jerusalém

A igreja atual foi construída em 1931, sob os cuidados da Congregação dos Agostinianos da Assunção (assuncionistas), de origem francesa. Como está construído na encosta de um monte, o templo possui três níveis: a capela superior, dedicada ao interrogatório de Jesus pelo Sinédrio; a capela do nível médio, recordando o arrependimento de Pedro após negar Jesus; e o nível inferior, composto por antigas grutas onde, segundo a tradição, Jesus passou a noite preso antes de ser levado a Pilatos.

Na parte externa da igreja há uma escadaria de pedras conhecida como a “escada santa”, pois teria sido o caminho que Jesus fez com os Apóstolos após a Ceia até o Getsêmani e o caminho por onde foi conduzido preso até o sumo-sacerdote.

Embora não esteja confiada à Custódia Franciscana da Terra Santa, esta igreja possui um Missal votivo (embora este não tenha sido divulgado em latim, apenas nas outras línguas), com três formulários de Missa. Destaque para os dois primeiros que, como veremos a seguir, possuem até mesmo um prefácio e uma bênção próprios.

Capela superior

Missa votiva do pranto de São Pedro
A primeira Missa votiva do lugar celebra o pranto de São Pedro (“De Sancti Petri fletu”), que expressa seu arrependimento após negar Jesus (Lc 22,61-62). As orações e leituras desta Missa são específicos desta igreja, sem paralelo no Missal Romano, como podemos ver a seguir.

Oração do lugar: “Senhor, Vós sois a fonte do amor e do perdão: escutai a súplica dos vossos fiéis que se reconhecem pecadores. Como vosso Filho olhou para Pedro quando este o negou, fazei que Seu olhar se volte também para nós, conduzindo-nos à vossa paz”;

Leituras: Sb 11,23–12,2 / Sl 129,1-8 (R: v. 7b) (*) / Tg 4,5-10 / Lc 22,54-62;
(*) Em português consta aqui o Sl 21, indicado para a Missa de Cristo, Servo sofredor;

Capela inferior

Prefácio: “Na verdade, ó Pai, é justo e bom glorificar-vos e oferecer-vos nossa ação de graças, sempre e em todo lugar. Celebrando a memória de São Pedro (neste lugar), proclamamos a vossa paciência infinita e o vosso grande amor. Vós amais os homens e não vos afastais daqueles que tropeçam, mas os levantais quando se voltam para Vós com confiança, por Jesus Cristo, nosso Senhor. Ele, abandonado por todos, pousou seu olhar compassivo sobre Pedro, convidando-o a levantar-se e segui-lo de novo com fé. Hoje ele nos faz o mesmo convite. Por isso, com a multidão daqueles que foram perdoados e que vivem junto de Vós, proclamamos a vossa glória, cantando a uma só voz...” (A frase entre parênteses não aparece em português, mas sim nas outras línguas);

Bênção: “Deus fundou a nossa fé sobre o testemunho dos apóstolos. Pela intercessão de São Pedro, Ele vos abençoe e vos guarde na sua graça. / Ele vos conceda seguir com fervor o caminho da paixão de Cristo, conduzindo-vos à glória da ressurreição. / Ele vos oriente por sua palavra de reconciliação e confirme os vossos corações no amor fraterno”.


Missa votiva da conversão de São Pedro (Tempo Pascal)
Este formulário substitui o anterior durante o Tempo Pascal, celebrando a “vida nova de São Pedro” ou a “conversão de São Pedro” (“De Sancti Petri conversione”). As orações e leituras desta celebração traçam um paralelo entre a tríplice negação de Pedro e sua tríplice profissão de amor após a Páscoa (Jo 21).

Oração do lugar: “Pai santíssimo, que restaurais o mundo por vosso Filho humilhado, Vós destes ao apóstolo Pedro a graça de proclamar por três vezes o seu amor, depois de ter negado Jesus por três vezes. Concedei-nos um arrependimento sincero a fim de que possamos alegrar-nos na vida nova que nos ofereceis em vosso Filho, que convosco vive e reina...”;

Leituras: Os 14,2-10 / Sl 138,1-3.11-12.23-24 (R: cf. v. 1) / 1Pd 2,20b-25 / Jo 21,15-19;

Prefácio: “Na verdade ó Pai, é justo e bom dar-vos glória em todo tempo, e mais ainda nestes dias em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Destruindo o mundo decaído, ele fez uma nova criação como nos mostra a vida nova de Pedro. Pois, quando o galo cantou por três vezes sobre (este) Monte Sião, o apóstolo, antes tomado pelo medo, recuperou a fé no seu Mestre. E, após a Páscoa, à beira do Lago de Tiberíades, sua fé foi fortalecida e recompensada depois de professar por três vezes seu amor em Jesus ressuscitado. Por isso, vosso povo perdoado, exultando de alegria pascal, com os anjos do céu, canta por toda a terra o hino de vossa glória...” (A palavra entre parênteses não aparece em português, mas sim nas outras línguas);

Bênção: “Deus vos conceda nos sacramentos a graça da Páscoa. Que ela vos fortifique e vos proteja na hora da dúvida. / Sobre a fé renovada do Apóstolo Pedro, Deus fundou a sua igreja. Que a graça da fé esteja sempre nos vossos corações. / Deus vos convida a seguir a cada dia os passos do Ressuscitado. Que possais assim entrar no seu reino onde o amor permanece para sempre”.


Missa votiva de Cristo, Servo sofredor
Por fim, temos a Missa votiva de Cristo, Servo sofredor (“De Christo, servo patiente”). Diferentemente das duas anteriores, esta não possui tantos textos próprios, tomando do Missal Romano o Prefácio da Santíssima Eucaristia I e a bênção da Paixão do Senhor. As leituras, por sua vez, são adaptadas do Domingo de Ramos.

Oração do lugar: “Deus eterno e todo-poderoso, a fim de mostrar-nos seu amor, o vosso Filho aceitou ser vosso Servo Sofredor. Ele foi desprezado e preso, carregando assim as nossas dores. Humilhado até a morte, ele apagou os nossos pecados. Transformai o nosso egoísmo em gestos de doação; ajudai-nos a viver neste mundo que nos destes transformando o ódio em amor, o conflito em paz e o desespero em esperança”;

Leituras: Is 53,1-10 / Sl 21, 8-9.17-20.22-24 (R: v. 2) / Fl 2,1-11 / Mc 14,55-65;

Prefácio próprio (Cristo, Servo Sofredor): Na verdade é bom e justo dar-vos graças e elevar a vós um hino de bênção e de louvor, Deus onipotente e eterno, por Cristo nosso Senhor. Embora inocente, o Senhor Jesus quis sofrer pelos pecadores, e, sem ter cometido nenhum mal, se deixou julgar como um malfeitor. Morrendo destruiu nosso pecado, ressurgindo dos mortos nos santifica dando-nos a vida verdadeira. Por este mistério de salvação, unidos aos coros dos anjos, proclamamos (cantamos) a vossa glória... (Em português é indicado o Prefácio da Eucaristia I, como afirmamos acima. O prefácio próprio aparece nas demais línguas).

Cristo, o Servo do Senhor

2d. Santuários da Flagelação e da Condenação

O convento franciscano da Flagelação compreende duas igrejas: o Santuário da Flagelação e o Santuário da Condenação e Imposição da Cruz. Ambos marcam também o início da célebre Via Dolorosa.

As igrejas foram construídas sobre o local onde a tradição identifica o Lithostrotos (grego para “Pavimento”), o mosaico em frente ao tribunal onde Pilatos sentou-se para julgar Jesus (Jo 19,13). 

A igreja da Flagelação foi construída pelos cruzados no século XII, tendo sido abandonada após a queda do reino cristão de Jerusalém, quando todo o complexo foi transformado em estábulos e casas particulares. O terreno só foi recuperado pela Custódia em 1838. A atual igreja foi construída em 1929.

Igreja da flagelação - Jerusalém

A igreja da Condenação, por sua vez, foi construída em 1904 sobre uma série de lajes da época romana (que continuam sob o adjacente convento das Irmãs de Sião, a igreja do “Ecce Homo”) que supostamente seriam do Lithostrotos.

Missa votiva do Preciosíssimo Sangue do Senhor
O Missal votivo em português propõe para as duas igrejas a Missa votiva do Preciosíssimo Sangue do Senhor, já indicada, como vimos na postagem anterior, para a Basílica do Getsêmani, com as mesmas orações, mas com leituras próprias:

Leituras: Is 50,4-9a / Sl 115,12-.1315-18 (R: 1Cor 10,16) / 1Pd 1,17-21 / Mc 15,15-20 ou Jo 19,28-37.

Missa votiva da Flagelação do Senhor
Os Missais em outras línguas, porém, trazem uma Missa votiva do lugar própria para cada uma das igrejas. Para o Santuário da Flagelação está prevista a Missa votiva da Flagelação do Senhor (“De flagellatione Domini”), com leituras e orações específicas (tomando do Missal Romano apenas o Prefácio da Paixão I).

Interior da igreja da Flagelação

Oração do lugar: “Ó Deus, que segundo a riqueza da vossa misericórdia, a fim de nos livrar do castigo eterno, dispusestes que o vosso Filho aqui sofresse a cruel flagelação, dai-nos reparar o mal que fizemos com a devida penitência e, pela memória de suas chagas, evitar novas ofensas”;

Leituras: Is 50,4-10 / Sl 68,8-10.21-22.31.33-34 (R: v. 14) / 1Pd 4,12-19 / Jo 18,38-39; 19,1-5;

Evangelho: “Então Pilatos aqui mandou flagelar Jesus” (Jo 19,1).

Missa votiva da Via Crucis
Para o Santuário da Condenação e Imposição da Cruz, por sua vez, é prevista a Missa votiva da Via Crucis (“De commemoratione Viae Crucis”). Como a anterior, esta Missa possui leituras e orações específicas (tomando do Missal Romano novamente o Prefácio da Paixão I).

Interior da igreja da Condenação

Oração do lugar: “Ó Deus, que pela gloriosa paixão do vosso Filho nos ensinastes que pelo caminho da Cruz podemos chegar à eterna glória, concedei-nos que, com sentimentos de piedade, acompanhemos o Cristo no caminho do Calvário, para segui-lo também no triunfo da sua ressurreição”;

Leituras: Is 53,1-10 / Sl 68,8-10.15-19 (R: v. 14) / 1Pd 2,20-25 / Jo 19,16-22.


Ecce Homo e Via Dolorosa

Antes de concluir esta postagem, vale uma menção à Basílica do Ecce Homo e à Via Dolorosa.

A Basílica do Ecce Homo (em referência às palavras de Pilatos em Jo 19,5: “Eis o homem”) foi construída sobre o mesmo conjunto de lajes romanas do Santuário da Condenação. Pertence ao convento da Congregação francesa das Irmãs de Nossa Senhora de Sion.

O co-fundador da Congregação, Padre Marie-Alphonse Ratisbonne, um judeu convertido ao Catolicismo, adquiriu o terreno em 1857, construindo entre 1858 e 1862 a igreja e o convento anexo, além de um orfanato.

Como não pertence à Custódia, não é extensiva a esta igreja a concessão das Missas votivas do lugar. Porém, nos dias em que as Missas votivas são permitidas, o sacerdote poderia celebrar, por exemplo, a Missa do Preciosíssimo Sangue do Senhor.

Basílica do "Ecce homo"

A Via Dolorosa, por sua vez, é uma rota processional que refaz, segundo a tradição, o caminho que fez Jesus carregando a cruz. Seu percurso foi elaborado pelos franciscanos no século XIV.

A primeira estação é diante do Santuário da Flagelação, enquanto as cinco últimas são dentro da Basílica do Santo Sepulcro. As demais se distribuem ao longo do caminho. Enquanto algumas são assinaladas apenas por um medalhão em uma parede, outras possuem pequenas capelas, algumas sob a responsabilidade da Custódia, outras das igrejas católicas orientais (melquitas, armênios).

Capela da IV Estação (Jesus encontra sua Mãe)

Imagens: Wikimedia Commons

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