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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Via Sacra: Meditações do Cardeal Camillo Ruini

Hoje, 19 de fevereiro, é a primeira sexta-feira da Quaresma deste ano de 2021. Também hoje completa 90 anos o Cardeal Camillo Ruini, Vigário Geral Emérito da Diocese de Roma.

Portanto, publicaremos aqui as meditações que o Cardeal Ruini escreveu para a Via Sacra presidida pelo Papa Bento XVI na Sexta-feira Santa de 2010:

Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Via-Sacra no Coliseu presidida pelo Santo Padre Bento XVI
Sexta-Feira Santa de 2010

Meditações do Cardeal Camillo Ruini,
Vigário Geral Emérito da Diocese de Roma

Canto inicial:
R. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
1. Per lignum servi facti sumus, et per sanctam Crucem liberati sumus. R.
2. Fructus arboris seduxit nos, Filius Dei redemit nos. R.

Quando o Apóstolo Filipe lhe pediu: “Senhor, mostra-nos o Pai”, Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces...? Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,8-9). Nesta noite, enquanto em nosso coração acompanhamos a Jesus que caminha com a cruz, não nos esqueçamos destas suas palavras. Mesmo quando carrega a cruz, mesmo quando morre na cruz, Jesus é o Filho que é um só com Deus Pai. Vendo a sua face destruída pelos golpes, pela fadiga, pelo sofrimento interior, contemplamos a face do Pai. Antes, justamente neste momento, a glória de Deus, a sua luz demasiado forte para todo olho humano, faz-se ainda mais visível na face de Jesus. Aqui, neste pobre ser que Pilatos mostrou aos judeus, na esperança de induzi-los à piedade, com as palavras “Eis o homem!” (Jo 19,5), manifesta-se a verdadeira grandeza de Deus, aquela grandeza misteriosa que nenhum homem podia imaginar.
Porém, em Jesus crucificado, se revela também outra grandeza: a nossa grandeza, a grandeza que pertence a cada homem pelo simples fato de ter uma face e um coração humano. Escreve Santo Antônio de Pádua: “Cristo, que é a tua vida, está suspenso diante de ti, para que tu olhes para a cruz como num espelho... se olhares para Ele, poderás perceber como são grandes a tua dignidade... e o teu valor.... Em nenhum outro lugar, o homem pode perceber melhor quanto ele vale do que contemplando-se no espelho da cruz” (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214). Sim, Jesus, o Filho de Deus, morreu por ti, por mim, por cada um de nós, e assim nos deu a prova concreta de quão grandes e preciosos nós somos aos olhos de Deus, os únicos olhos que superam todas as aparências e veem até ao fundo a realidade das coisas.
Participando na Via-sacra, pedimos a Deus que nos conceda também a nós este seu olhar de verdade e amor, para nos tornarmos, unidos a ele, livres e bons.

Bento XVI carrega a cruz na Via Sacra
(Note-se o Cardeal Ruini atrás do Papa)

Santo Padre: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
R. Amém.
Santo Padre: Oremos
Senhor, Deus Pai onipotente, Vós sabeis tudo: vedes a enorme necessidade de vós que se esconde no nosso coração. Dai a cada um de nós a humildade de reconhecer esta necessidade. Libertai a nossa inteligência da pretensão, errada e um pouco ridícula, de poder dominar o mistério que nos envolve por todas as partes. Libertai a nossa vontade da presunção, igualmente ingênua e infundada, de poder construir sozinhos a nossa felicidade e o sentido da nossa vida. Tornai penetrante e sincero o nosso olhar interior, para poder reconhecer, sem hipocrisia, o mal que está dentro de nós. Mas dai-nos também, na luz da Cruz e da Ressurreição do vosso único Filho, a certeza de que, unidos e sustentados por Ele, poderemos também nós vencer o mal com o bem. Senhor Jesus, ajudai-nos a caminhar com este ânimo atrás da vossa cruz.
R. Amém.
I Estação: Jesus é condenado à morte

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,6-7.12.16)
Quando viram Jesus, os sumos sacerdotes e os guardas começaram a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos respondeu: “Levai-o vós mesmos para o crucificar, pois eu não encontro nele crime algum”. Os judeus responderam: “Nós temos uma Lei, e, segundo essa Lei, ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus”. Por causa disto, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam: “Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César”. Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.


Por que motivo Jesus foi condenado à morte, Ele que “andou por toda a parte fazendo o bem” (At 10,38)? Esta pergunta nos acompanhará ao longo da Via-sacra, como nos acompanha por toda a vida.
Nos Evangelhos, encontramos uma resposta verdadeira: os chefes dos judeus quiseram a sua morte porque compreenderam que Jesus se considerava o Filho de Deus. E encontramos igualmente uma resposta que os judeus usaram como pretexto para obter de Pilatos a sua condenação: Jesus teria a pretensão de ser um rei deste mundo, o rei dos judeus.
Mas, por detrás destas respostas, se abre um abismo, sobre o qual os próprios Evangelhos e toda a Sagrada Escritura nos fazem abrir os olhos: Jesus morreu pelos nossos pecados. E, o que é mais profundo, morreu por nós, morreu porque Deus nos ama; e nos ama a ponto de dar o seu Filho unigênito, a fim de que tenhamos a vida por meio dele (cf. Jo 3,16-17).
Portanto, é para nós mesmos que devemos olhar: para o mal e o pecado que vivem dentro de nós e que demasiadas vezes fingimos de ignorar. Mas, ainda mais, devemos volver o nosso olhar para Deus, rico de misericórdia, que nos chamou amigos (cf. Jo 15,15). Assim, o caminho da Via-sacra e todo o caminho da vida tornam-se um itinerário de penitência, dor e conversão, mas também de gratidão, fé e alegria.

Pater noster...


II Estação: Jesus é carregado com a Cruz

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,27-31)
Então, os soldados do governador levaram Jesus consigo para o Pretório e reuniram junto d’Ele toda a companhia. Depois de O terem despido, O envolveram em um manto encarnado. Teceram uma coroa de espinhos, que Lhe puseram na cabeça, e, na mão direita, colocaram-Lhe uma cana. Ajoelharam-se diante d’Ele e escarneceram dizendo: “Salve, ó rei dos Judeus!” Depois, cuspiram n’Ele e pegaram na cana e puseram-se a bater-Lhe com ela na cabeça. No fim de O terem escarnecido, despiram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e O levaram para crucificar.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,17)
E Jesus, carregando a Cruz, saiu para o lugar chamado “Calvário”, em hebraico “Gólgota”.


Depois da condenação, vem a humilhação. Aquilo que os soldados fazem com Jesus nos parece desumano. Aliás, é, sem dúvida, desumano: são atos de escárnio e desprezo nos quais se exprime uma crueldade obscura, insensível ao sofrimento, mesmo físico, que é infligido sem motivo a uma pessoa já condenada ao tremendo suplício da cruz. Todavia, este comportamento dos soldados é também, infelizmente, demasiado humano. Milhares de páginas da história da humanidade e dos noticiários de todos os dias confirmam que ações deste gênero não são, de fato, alheias ao homem. O Apóstolo Paulo ilustrou bem este paradoxo: “Estou ciente que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne: com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero” (Rm 7,18-19).
É realmente assim: na nossa consciência está acesa a luz do bem, uma luz que em muitos casos torna-se evidente e da qual, felizmente, deixamo-nos guiar nas nossas decisões. Mas, frequentemente, acontece o contrário: aquela luz fica obscurecida pelos ressentimentos, por desejos inconfessáveis, pela perversão do coração. E assim, tornamo-nos cruéis, capazes das piores coisas, coisas mesmo inacreditáveis.
Senhor Jesus, também eu estou entre aqueles que vos escarneceram e bateram. É que Vós dissestes: “tudo aquilo que fizestes a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Senhor Jesus, perdoai-me.

Pater noster...


III Estação: Jesus cai pela primeira vez

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Livro do profeta Isaías  (Is 53,4-6)
Eram os nossos males que Ele suportava, e as nossas dores que tinha sobre Si. Mas nós víamos n’Ele um homem castigado, ferido por Deus e sujeito à humilhação. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas, e esmagado devido às nossas faltas. O castigo que nos salva, caiu sobre Ele, e por causa das suas chagas é que fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada qual o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre Ele as faltas de todos nós.


Os Evangelhos não nos falam das quedas de Jesus sob a cruz, contudo esta antiga tradição é profundamente verossímil. Lembremos apenas que, antes de lhe ser dada a cruz para carregar, Jesus tinha sido flagelado a mando de Pilatos. Depois de tudo o que passara a partir da noite no Horto das Oliveiras, as suas forças deviam estar praticamente exauridas.
Antes de nos determos nos aspectos mais profundos e interiores da Paixão de Jesus, concentremo-nos na dor física que ele teve que suportar. Uma dor enorme e tremenda, até ao último suspiro na cruz, uma dor que provoca medo.
A dor física é a mais fácil de vencer, ou pelo menos de atenuar, com as nossas técnicas e métodos atuais, com anestesias e outras terapias da dor. Ainda assim, devido a muitas causas, naturais ou resultantes de comportamentos humanos, uma gigantesca massa de sofrimento físico permanece no mundo.
De qualquer forma, Jesus não rejeitou a dor física e assim se fez solidário com toda a família humana, especialmente com uma grande parte desta, cuja vida, hoje em dia, está marcada por esta forma de dor. Enquanto o vemos cair sob a cruz, peçamos-lhe humildemente a coragem de alargar, com uma solidariedade feita não só de palavras, os espaços demasiado estreitos do nosso coração.

Pater noster...


IV Estação: Jesus encontra sua Mãe

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,25-27)
Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Dessa hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.


Nos Evangelhos não se fala diretamente de um encontro de Jesus com a sua Mãe durante o caminho da cruz, mas da presença de Maria junto da cruz. E lá Jesus se dirige a ela e ao discípulo predileto, o evangelista João. As suas palavras têm um sentido imediato: confiar Maria a João, para que cuide dela. E um sentido muito mais amplo e profundo: junto da cruz, Maria é chamada a dizer um segundo “sim”, depois do sim da Anunciação, com o qual se tornara Mãe de Jesus, abrindo assim a porta à nossa salvação.
Com este segundo “sim”, Maria torna-se mãe de todos nós, de cada homem e de cada mulher, pelos quais Jesus derramou o seu sangue. Uma maternidade que é sinal vivo do amor e da misericórdia de Deus por nós. Por isso os vínculos de afeto e confiança que unem o povo cristão a Maria são tão profundos e fortes; por isso recorremos espontaneamente a ela, sobretudo nas circunstâncias mais difíceis da vida.
Maria, porém, pagou a caro preço esta sua maternidade universal. Como lhe profetizou Simeão no tempo de Jerusalém, “quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” (Lc 2,35).
Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe, ajudai-nos a experimentar nas nossas almas, nesta noite e sempre, aquele sofrimento cheio de amor que vos uniu à cruz do vosso Filho.

Pater noster...


V Estação: Jesus é ajudado por Simão Cireneu a levar a Cruz

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo Lucas  (Lc 23,26)
Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e mandaram-no carregar a cruz atrás de Jesus.


Jesus devia estar verdadeiramente esgotado, e os soldados remediam a situação agarrando o primeiro desafortunado que encontraram, fazendo-o carregar a cruz. Também na vida de cada dia, a cruz, sob muitas formas diversas - desde uma doença até um grave acidente, até à perda de uma pessoa cara ou do trabalho - se abate muitas vezes de improviso sobre nós. E nós vemos nela somente pouca sorte ou, no pior dos casos, uma desgraça.
Mas, Jesus dissera aos seus discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo. Tome a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Não são palavras fáceis; antes, na vida concreta, são as palavras mais difíceis do Evangelho. Todo o nosso ser, tudo aquilo que existe dentro de nós, revolta-se contra semelhantes palavras.
Todavia, Jesus continua dizendo: “Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 16,25). Detenhamo-nos nas palavras “por causa de mim”: aqui está toda a pretensão de Jesus, a consciência que tinha de si mesmo e a exigência que nos faz. Ele está no centro de tudo, ele é o Filho de Deus que é um só com Deus Pai (cf. Jo 10,30), ele é o nosso único Salvador (cf. At 4,12).
Com efeito, aquilo que no início parecia somente pouca sorte ou uma desgraça se revela depois, amiúde, uma porta que se abriu na nossa vida e nos trouxe um bem maior. Mas, nem sempre é assim: tantas vezes, neste mundo, as desgraças não passam de perdas dolorosas. Também aqui Jesus tem algo a dizer-nos. Ou melhor, aconteceu algo com ele: depois da cruz, ele ressuscitou dos mortos e ressuscitou como primogênito de muitos irmãos (cf. Rm 8,29; 1Cor 15,20). Sim, a sua cruz não pode ser separada da sua ressurreição. Somente acreditando na ressurreição podemos percorrer de modo sensato o caminho da cruz.

Pater noster...


VI Estação: A Verônica limpa o rosto de Jesus

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Livro do profeta Isaías (Is 53,2-3)
Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível era, não fazíamos caso dele.


Quando a Verônica limpou a face de Jesus com um lenço, certamente aquele rosto não devia ser atraente: era uma face desfigurada. Porém, aquele rosto não podia deixar a ninguém indiferente, aquela face perturbava. Podia provocar escárnio e desprezo, mas também compaixão e até mesmo amor, desejo de ir em sua ajuda. A Verônica é o símbolo destes sentimentos.
Apesar de desfigurado, o rosto de Jesus é sempre o rosto do Filho de Deus. É uma face desfigurada por nós, pelo enorme acúmulo da maldade humana. Mas é também um rosto desfigurado em nosso favor, que expressa o amor e a doação de Jesus e que é espelho da misericórdia infinita de Deus Pai.
No rosto sofredor de Jesus, vemos, ainda, outro acúmulo gigantesco, o dos sofrimentos humanos. E assim, o gesto de piedade da Verônica torna-se para nós uma provocação, uma solicitação urgente: torna-se a solicitação, suave mas imperiosa, de não virarmos a cara para o lado, mas de olharmos também nós para aqueles que sofrem, próximos e distantes. E não somente olhar, mas ajudar. A Via-sacra desta noite não terá sido em vão se nos levar a gestos concretos de amor e de solidariedade operativa.

Pater noster...


VII Estação: Jesus cai pela segunda vez

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Livro dos Salmos (Sl 41,6-10)
Os inimigos me desejam o mal: “Quando é que vai morrer e ser cancelado o seu nome?” Quem vem visitar-me diz mentira, seu coração acumula maldade e saindo fora fala mal. Juntos murmuram contra mim os meus inimigos, prevendo o mal para mim: “Uma doença ruim caiu sobre ele, de onde está deitado não vai levantar-se”. Até o amigo em que eu confiava, também aquele que comia do meu pão, levanta contra mim o seu calcanhar.


Jesus cai de novo sob a cruz. É verdade que estava esgotado fisicamente, mas estava mortalmente ferido também no seu coração. Pesava sobre ele a rejeição daqueles que, desde o início, tinham se oposto obstinadamente contra a sua missão. Pesava a rejeição que, ao final, tinha-lhe demonstrado o povo que parecia cheio de admiração e até entusiasmo por ele. Por isso, vendo a cidade santa que tanto amava, Jesus exclamara: “Jerusalém, Jerusalém... quantas vezes eu quis reunir teus filhos como uma galinha reúne seus pintainhos debaixo das asas, mas não quiseste!” (Mt 23,37). Pesava terrivelmente a traição de Judas, o abandono dos discípulos no momento da prova suprema, pesava particularmente a tríplice negação de Pedro.
Sabemos bem que pesava igualmente sobre ele a massa inumerável dos nossos pecados, das culpas que acompanham toda a história humana através dos milênios.
Por isso, peçamos a Deus, com humildade, mas também com confiança: Pai rico de misericórdia, ajudai-nos a não tornar ainda mais pesada a cruz de Jesus. Com efeito, como escreveu João Paulo II: “O limite imposto ao mal, do qual o homem é artífice e vítima, é, em definitivo, a Misericórdia Divina” (Memória e identidade, p. 70).

Pater noster...


VIII Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém que choram por Ele

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,27-29.31)
Seguia-O grande massa de povo e mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: “Mulheres de Jerusalém, não choreis por Mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos. Pois dias virão em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, as entranhas que não tiveram filhos e os peitos que não amamentaram’. Porque, se fazem assim no madeiro verde, que será no madeiro seco?”.


Vemos que é Jesus que tem compaixão das mulheres de Jerusalém e de todos nós. Mesmo enquanto carrega a cruz, Jesus continua sendo o homem que tem compaixão das multidões (cf. Mc 8,2), que chora diante da tumba de Lázaro (cf. Jo 11,35), que proclama bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (cf. Mt 5,4).
É justamente assim que Jesus mostra ser o único que verdadeiramente conhece o coração de Deus Pai e pode dar a conhecê-lo também a nós: “Ninguém conhece o Pai, senão o filho e aquele a quem o filho o quiser revelar” (Mt 11,27).
Desde os tempos mais remotos, a humanidade se questionou, frequentemente com angústia, sobre qual fosse a verdadeira atitude de Deus para conosco: uma atitude de solicitude providencial ou, ao invés, de soberana indiferença, ou mesmo de ira e ódio? A uma questão desde gênero, não podemos dar uma resposta certa somente com os recursos da nossa inteligência, da nossa experiência e mesmo do nosso coração.
Por isso Jesus - a sua vida e a sua palavra, a sua Cruz e a sua Ressurreição - é, de longe, a realidade mais importante de toda a história da humanidade, a luz que brilha sobre o nosso destino.

Pater noster...


IX Estação: Jesus cai pela terceira vez

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 5,19-21)
Em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação. (...) Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus.


Eis aqui o motivo mais profundo das repetidas quedas de Jesus: não somente os sofrimentos físicos, não somente as traições humanas, mas a vontade do Pai. Aquela vontade misteriosa e humanamente incompreensível, mas infinitamente boa e generosa, pela qual Jesus se fez “pecado por nós”; para Ele foram transferidas todas as culpas da humanidade, cumprindo aquela misteriosa troca que faz de nós, pecadores, “justiça de Deus”.
Enquanto procuramos nos identificar com Jesus que caminha e cai sob a cruz, é justo que experimentemos em nós sentimentos de arrependimento e de dor. Contudo, ainda mais forte deve ser a gratidão que invade a nossa alma.
Sim, ó Senhor, vós nos resgatastes, nos libertastes; com a vossa cruz, nos fizestes justos diante de Deus. Antes, nos unistes tão intimamente a vós que fizestes também de nós, em vós, os filhos de Deus, os seus familiares e amigos. Obrigado, Senhor, fazei que a gratidão para convosco seja a característica predominante da nossa vida.

Pater noster...


X Estação: Jesus é despojado das suas vestes

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,23-24)
Ao crucificarem Jesus, os soldados ficaram-Lhe com as vestes, das quais fizeram quatro lotes, um para cada soldado, e ficaram também com a túnica. A túnica era sem costura, tecida de alto a baixo como um todo. Disseram, pois, entre si: “Não a rasguemos, vamos tirá-la à sorte, para ver de quem será”. Assim se cumpria a Escritura: “Repartiram entre si as minhas vestes, e tiraram à sorte a minha túnica”.


Jesus é despojado de suas vestes: estamos no ato final daquele drama, iniciado com a prisão no Horto das Oliveiras; agora Jesus é despojado da sua dignidade de homem, antes mesmo da de Filho de Deus.
Jesus, deste modo, é apresentado despido à vista do povo de Jerusalém e à vista de toda humanidade. Num sentido profundo, é justo que seja assim: de fato, Ele se despojou completamente de si mesmo, para sacrificar-se por nós. Por isso, o gesto de despojá-lo das vestes é também o cumprimento de uma palavra da Sagrada Escritura.
Vendo Jesus despido na cruz, percebemos dentro de nós uma necessidade imperativa: olhar sem véus para dentro de nós mesmos; despir-nos espiritualmente diante de nós, mas, ainda antes, diante de Deus e mesmo diante dos nossos irmãos na humanidade. Despir-nos da pretensão de aparecer melhor do que somos, procurando, ao invés, ser sinceros e transparentes.
De fato, o comportamento que causava, talvez mais do que qualquer outro, a indignação de Jesus era a hipocrisia. Quantas vezes disse aos seus discípulos: não façais “como fazem os hipócritas” (Mt 6,2.5.16); ou àqueles que contestavam as suas boas obras: “Ai de vós, hipócritas” (Mt 23,13.15.23.25.27.29).
Senhor Jesus, despido na cruz, ajudai-me a estar também eu despido diante de vós.

Pater noster...


XI Estação: Jesus é pregado na Cruz

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,25-27)
Eram nove horas da manhã quando o crucificaram. O letreiro com o motivo da condenação dizia: “O Rei dos Judeus!”. Com ele crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda.


Jesus é pregado na cruz. Uma tortura tremenda. E enquanto está suspenso na cruz, muitos são aqueles que o escarnecem e provocam: “A outros salvou... a si mesmo não pode salvar! Confiou em Deus; que o livre agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus” (Mt 27,42-43). Assim foi escarnecida não somente a sua pessoa, mas também a sua missão de salvação, aquela missão que Jesus estava levando a cumprimento precisamente na cruz.
Mas, no seu íntimo, Jesus conhece um sofrimento incomparavelmente maior, que lhe faz irromper num grito: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mc 15,34). Trata-se, é verdade, das palavras do início de um Salmo, que se conclui com a reafirmação da plena confiança em Deus. E, todavia, são palavras para levar-se totalmente a sério, que exprimem a maior prova a qual Jesus esteve submetido.
Quantas vezes, no meio de uma provação, pensamos que fomos esquecidos ou abandonados por Deus. Ou somos tentados a concluir que Deus não existe.
O Filho de Deus, que bebeu até ao fundo o seu cálice amargo e, depois, ressuscitou dos mortos, nos diz, ao invés, com todo o seu ser, com a sua vida e a sua morte, que devemos confiar em Deus. Nele podemos crer.

Pater noster...


XII Estação: Jesus morre na Cruz

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo João (Jo 19,28-30)
Jesus, sabendo que tudo estava consumado, e para que a Escritura se cumprisse até o fim, disse: “Tenho sede”. Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram numa vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está consumado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.


Quando a morte chega, depois de uma dolorosa enfermidade, costuma-se dizer com alívio: “parou de sofrer”. Em certo sentido, estas palavras valem também para Jesus. Mas são palavras extremamente limitadas e superficiais frente à morte de qualquer homem, ainda mais frente à morte daquele homem que é o Filho de Deus.
Com efeito, quando Jesus morre, o véu do templo de Jerusalém se rasga em dois e seguem-se outros sinais, que fazem o centurião romano, que estava de guarda à cruz, exclamar: “Ele era mesmo o Filho de Deus” (cf. Mt 27,51-54).
Na realidade, nada é tão escuro e misterioso como a morte do Filho de Deus, que junto com Deus Pai é a fonte e plenitude da vida. Mas também nada é tão luminoso, porque aqui refulge a glória de Deus, a glória do Amor onipotente e misericordioso.
Diante da morte de Jesus, a nossa resposta é o silêncio da adoração. Assim nos entregamos a Ele, colocamo-nos em suas mãos, pedindo-lhe que nada, tanto na nossa vida como na nossa morte, possa nos separar jamais dele (cf. Rm 8,38-39).

Pater noster...


XIII Estação: Jesus é descido da Cruz e entregue a sua Mãe

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo João (Jo 2,1-5)
Houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava presente. Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento. Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho”. Jesus respondeu-lhe: “Mulher, porque dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou”. Sua mãe disse aos que estavam servindo: “Fazei o que ele vos disser”.


Agora a hora de Jesus se cumpriu e Jesus é descido da cruz. Prontos a acolhê-lo estão os braços de sua Mãe. Depois de ter provado profundamente a solidão da morte, Jesus logo encontra - no seu corpo inerte - o mais forte e doce dos seus laços humanos, o calor do afeto da sua Mãe. Os maiores artistas, pensemos na “Pietá” de Michelangelo, souberam intuir e exprimir a profundidade e a consistência indestrutível deste laço.
Lembrando que Maria, aos pés da cruz, tornou-se também mãe de cada um de nós, pedimos-lhe que coloque no nosso coração os sentimentos que a unem a Jesus. De fato, para sermos verdadeiramente cristãos, para podermos seguir autenticamente Jesus, é necessário estar ligados a Ele com tudo aquilo que existe dentro de nós: a mente, a vontade, o coração, as nossas pequenas e grandes escolhas diárias.
Somente assim Deus poderá estar no centro da nossa vida e não reduzir-se a uma consolação que deveria estar sempre disponível, mas sem interferir com os interesses concretos que estão na base da nossa atividade.

Pater noster...


XIV Estação: Jesus é depositado no sepulcro

V. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,57-60)
Ao entardecer, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tornara discípulo de Jesus. Ele foi procurar Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe entregassem o corpo. José, tomando o corpo, envolveu-o num lençol limpo, e o colocou em um túmulo novo, que havia mandado escavar na rocha. Em seguida, rolou uma grande pedra para fechar a entrada do túmulo, e retirou-se.


Com a pedra que fecha a entrada do túmulo tudo parece verdadeiramente terminado. Porém, poderia permanecer prisioneiro da morte o Autor da vida? Por isso, desde então até hoje, o túmulo de Jesus tornou-se não apenas o objeto da mais sentida devoção, mas também provocou a mais profunda divisão das inteligências e dos corações: aqui se separa o caminho entre aqueles acreditam em Cristo e aqueles que, ao invés, não creem n’Ele, mesmo se frequentemente o consideram um homem maravilhoso.
Com efeito, bem depressa aquele túmulo ficou vazio e jamais foi possível encontrar uma explicação convincente do por que tenha ficado vazio, para além daquela que deram as testemunhas de Jesus Ressuscitado dos mortos, de Maria Madalena até Pedro e aos outros Apóstolos.
Diante do túmulo de Jesus, detenhamo-nos em oração, pedindo a Deus àqueles olhos da fé que permitam nos unir às testemunhas da sua Ressurreição. Assim, o caminho da cruz torna-se fonte de vida também para nós.

Pater noster...


Discurso do Santo Padre

Bênção Apostólica:
V. Dominus vobiscum.
R. Et cum spiritu tuo.
V. Sit nomen Domini benedictum.
R. Ex hoc nunc et usque in saeculum.
V. Adiutorium nostrum in nomine Domini.
R. Qui fecit caelum et terram.
V. Benedicat vos omnipotens Deus, Pater et Filius et Spiritus Sanctus.
R. Amen.

Cântico final
R. Crux fidelis, inter omnes arbor una nobilis,
Nulla talem silva profert, flore, fronde, germine!
Dulce lignum dulci clavo dulce pondus sustinens.

1. Pange, lingua, gloriosi proelium certaminis,
Et super Crucis trophaeo dic triumphum nobilem,
Qualiter Redemptor orbis immolatus vicerit. R.

2. De parentis protoplasti fraude factor condolens,
Quando pomi noxialis morte morsu corruit,
Ipse lignum tunc notavit, damma ligni ut solveret. R.

Cardeal Camillo Ruini com o Papa Bento XVI

Fonte: Santa Sé.

Observação sobre as imagens:
O livreto da celebração foi ilustrado com a Via Sacra elaborada por Joseph von Führich (1880-1876) para a igreja de São João Nepomuceno em Viena (Áustria). Como não encontramos imagens em boa resolução dessa obra, ilustramos nossa postagem com a Via Sacra pintada por Konrad Schmider (1859-1898) na igreja de São Sinforiano em Zell am Harmersbach (Alemanha), claramente inspirada na de Führich.


Para acessar outros modelos de meditações para a Via Sacra, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

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