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sábado, 26 de dezembro de 2020

O ícone da Sinaxe da Mãe de Deus

Fiéis ao seu costume de celebrar no dia seguinte a uma festa litúrgica os personagens nela envolvidos, os cristãos de Rito Bizantino celebram no dia 26 de dezembro [1], após a Natividade do Senhor, a Sinaxe da Santíssima Mãe de Deus (Συναξη Της Υπεραγιας Θεοτοκου).

A palavra “sinaxe” (do grego σύναξις) indica uma assembleia reunida para uma celebração litúrgica, sendo utilizada na tradição bizantina para nomear as comemorações de grupos de santos (como a Sinaxe dos Santos Anjos, a 08 de novembro, ou a Sinaxe dos Doze Apóstolos, no dia 30 de junho) ou as comemorações de personagens após as grandes festas (como a Sinaxe de São João Batista no dia 07 de janeiro, após a Teofania - para saber mais sobre as celebrações desse santo, clique aqui).

Como afirmamos em nossa postagem sobre os ícones da Mãe de Deus, sua Sinaxe tecnicamente não possui um ícone próprio, uma vez que continua exposto no proskinetárion o ícone do Natal do Senhor. Além disso, temos os ícones “genéricos” de Maria, isto é, aqueles que fazem referência não a um evento específico, mas sim à totalidade do mistério (a Hodigítria, a Eleoússa e a Orante).

Porém, existe um ícone “didático” associado à comemoração de 26 de dezembro, cujas representações mais antigas remontam aos séculos XIII-XIV. O nomeamos “didático” porque este ícone é a versão em imagens de um hino entoado nas Vésperas da Festa da Natividade do Senhor:

O que te ofereceremos, ó Cristo, por te haveres mostrado sobre a terra como homem?
Cada uma das criaturas por ti criada oferece-te a sua gratidão:
os anjos, o cântico; os céus, a estrela;
os magos, os dons; os pastores, a sua admiração;
a terra, uma gruta; o deserto, um presépio;
mas nós, uma Mãe Virgem!
Ó Deus, existente antes dos séculos, tem piedade de nós!” [2].


O hino, assim como o respectivo ícone, expressa a “dimensão cósmica” do mistério da Encarnação, “a união escatológica do celestial e do terreno”, como vimos na postagem sobre o ícone do Natal do Senhor, com o qual este possui muitas semelhanças.

A Mãe e o Menino:

No centro, assim como no ícone do Natal, encontra-se a Virgem Maria com o Menino. Porém, enquanto no ícone do Natal o Menino está reclinado na manjedoura e a Mãe está ao seu lado, contemplando-o, no ícone da Sinaxe a Virgem está sentada em um trono com o Menino no colo.

Em algumas versões do ícone o trono é guarnecido de um manto vermelho, símbolo da humanidade que Deus assumiu no seio de Maria. Em volta dos dois há um grande halo ou auréola, símbolo da santidade de ambos.


Os anjos e o céu:

Na parte superior do ícone encontramos a esfera celeste: os anjos que oferecem seu cântico (Lc 2,13-14), geralmente em número de seis para harmonizar com os grupos de três magos e três pastores; e os céus, que oferecem uma estrela (Mt 2,2.9).

A estrela costuma ser representada com oito pontas, indicando que em Cristo começa uma nova criação (o “sete” recorda a primeira criação em Gn 1,1–2,4a, enquanto o “oito” simboliza o tempo messiânico, o “dia eterno”, sendo por isso também associado com o Batismo, pelo qual entramos no mistério de Deus).

A estrela é representada dentro de um facho de luz vindo do céu que, ao aproximar-se de Cristo e da Virgem, divide-se em três raios, em alusão à Trindade.

Os magos e os pastores:

No centro do ícone, na mesma linha da Virgem, encontramos de um lado os três magos, que oferecem seus presentes (Mt 2,10-11), e do outro lado os pastores (geralmente também três, por uma questão de simetria), oferecendo “a sua admiração” (Lc 2,15-20). O primeiro dos pastores aparece às vezes cobrindo os olhos com a mão ao contemplar a estrela, em um gesto de reverência diante do mistério.

A terra e o deserto:

Nos cantos inferiores do ícone temos duas mulheres, as representações da terra (γῆ) e do deserto (έρημη). A terra, à esquerda, costuma ser retratada em vestes nobres e até mesmo como uma coroa: ela estende os braços para a Virgem e o Menino, oferecendo a gruta.

O deserto, por sua vez, é retratado em vestes verdes, indicando sua “fecundidade espiritual”, sendo o lugar por excelência do encontro com Deus na tradição oriental. O deserto tem nas mãos a manjedoura, que oferece a Maria.

“Nós”, os Santos:

Por fim, no centro da parte inferior do ícone temos “nós”, isto é, a Igreja, representada pelos santos. “’Que é a Igreja senão a assembleia de todos os santos?’. A comunhão dos santos é precisamente a Igreja” [3].

Os santos aqui retratados - Bispos, religiosos, leigos - representam na verdade não apenas a Igreja, mas toda a humanidade, que oferece a Deus uma Mãe virgem.

Além disso, os santos são retratados em um contextos litúrgico, isto é, em atitude de louvor a Deus, o que é demonstrado pelo destaque dado aos hinógrafos, como São João Damasceno e São Cosme de Maiúma, representados com o pergaminho de suas composições em honra da Mãe e do Filho.

“Verdadeiramente é digno e justo que te bendigamos, ó bem-aventurada Mãe de Deus. Tu, mais venerável que os Querubins e incomparavelmente, mais gloriosa que os Serafins, deste à luz o Verbo de Deus, conservando intacta a glória da tua virgindade. Nós te glorificamos, ó Mãe de nosso Deus!”
(Aclamação à Mãe de Deus na Anáfora de São João Crisóstomo) [4]


Notas:

[1] 08 de janeiro para as igrejas que seguem o calendário juliano, com uma diferença de 13 dias em relação ao calendário gregoriano.

[2] DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, p. 48.

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 946. O trecho entre aspas simples é uma citação da Explanatio Symboli (Explanação sobre o Símbolo) de São Nicetas de Remesiana.

[4] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.). Hieratikon: Pequeno Missal bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 65.


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