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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A história do culto a São José (2)

“Eis o servo fiel e prudente, a quem o Senhor confiou a sua casa” (Lc 12,42)

Em nossa postagem anterior começamos a estudar a história do culto litúrgico a São José, o último e maior dos Patriarcas. Nesta postagem analisaremos suas celebrações específicas: a Solenidade de 19 de março, a Memória de 01 de maio e sua Missa votiva.


3. As celebrações de São José

a) Solenidade de São José, Esposo de Maria (19 de março)

O primeiro registro de uma celebração em honra a São José aparece em alguns calendários coptas dos séculos VIII-IX. Tratava-se de uma celebração do Transitus, isto é, da morte de José, no dia 26 de Epip (que corresponde a 20 de julho no calendário juliano e 02 de agosto no calendário gregoriano), data indicada no apócrifo História de José, o Carpinteiro [1].

Ícone copta de São José

No Menologion de Basílio II (século X), importante documento do Rito Bizantino, a comemoração de São José era no próprio dia do Natal do Senhor. Posteriormente, em atenção ao costume de celebrar os personagens de uma festa no dia seguinte, José era comemorado junto com sua esposa, a Virgem Maria, no dia 26 de dezembro. Atualmente, como vimos na postagem anterior, José é celebrado pelos bizantinos no domingo seguinte ao Natal (conservando-se o dia 26 como a Sinaxe da Mãe de Deus).

No Ocidente, o primeiro registro de uma celebração de São José encontra-se no Martirológio de Fulda (séc. X), na Alemanha: In Bethlehem, Sancti Joseph, no dia 19 de março. Porém, esta era uma celebração estritamente local.

A data, segundo o Cardeal Schuster, deve-se a uma confusão: inicialmente celebrava-se nesse dia a memória de um mártir de mesmo nome que, nas sucessivas cópias dos Martirológios, acabou sendo confundido com José, o esposo de Maria.

Coincidentemente, no mesmo dia celebravam-se em Roma festivais em honra da deusa Minerva (Atena para os gregos), patrona dos artesãos. Porém, entre o fim destas festas e a primeira menção à celebração de São José há séculos de distância.

Durante as Cruzadas foi edificada em Nazaré uma igreja em honra a São José, o que ajudou a propagar a sua devoção. No século XII há uma igreja dedicada em honra do Patriarca em Bolonha (Itália), e no século seguinte em Joinville (França), onde estaria a suposta relíquia do cinto de São José, trazida da Terra Santa pelos cruzados.

Igreja de São José em Nazaré

Como vimos na postagem anterior, o culto a José foi promovido no século XV pelos franciscanos - com o apoio do confrade Papa Sisto IV (1471-1484) - e pelos carmelitas.

Foi o Papa Pio IV (1559-1565) a estender a festa de São José no dia 19 de março para toda a Igreja. Inicialmente uma festa simples, foi recebendo classificações crescentes por Gregório XV (1621-1623) e Clemente X (1670-1676). O ofício da festa foi aprovado em 1714 por Clemente XI (1700-1721), uma vez no início tomavam-se os textos do Comum dos Confessores (santos não-mártires).

Para a Liturgia das Horas foram escolhidos três hinos utilizados até hoje: Te, Ioseph, célebrent (Vésperas), Iste, quem laeti (Ofício das Leituras) e Caelitum, Ioseph (Laudes) [2]. Há uma grande divergência sobre quem seria seu autor: o carmelita espanhol Juan Escollar, o Cardeal Girolamo Casanate, entre outros.


Com a definição de São José como patrono da Igreja em 1870 pelo Beato Pio IX (1846-1878), a celebração de 19 de março foi elevada ao mais alto grau (Dupla de I classe). Em 1919 seria enriquecida por um prefácio próprio, aprovado pelo Papa Bento XV (1914-1922). Na época José era o único santo, além da Virgem Maria, a possuir um prefácio próprio (atualmente há também os prefácios de São João Batista, São Pedro e São Paulo e Santa Maria Madalena):

“Na verdade é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, e na solenidade (comemoração) de São José, servo fiel e prudente, celebrar os vossos louvores.
Sendo ele um homem justo, vós o destes por esposo à Virgem Maria, Mãe de Deus, e o fizestes chefe da vossa família, para que guardasse, como pai, o vosso Filho único, concebido do Espírito Santo, Jesus Cristo, Senhor nosso”
(Missal Romano, p. 448).

Este prefácio, intitulado “A missão de São José”, é o único texto do Missale Romanum de 1962 conservado após a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Os demais textos da atual Solenidade de São José, Esposo de Maria, tanto as orações quanto as opções de leituras, são de nova composição.

b) Memória de São José Operário (01 de maio)

A Memória de São José Operário - atualmente facultativa - foi instituída pelo Papa Pio XII (1939-1958) em 1955, para dar um sentido cristão às comemorações do dia do trabalho a 01 de maio.


Estas têm sua origem em uma greve de operários ocorrida em Chicago (EUA) em 01 de maio de 1886, duramente reprimida. Em 1919 a França adotou a data como dia do trabalho, seguida no ano seguinte pela União Soviética (URSS). Posteriormente a grande maioria dos países do mundo adotaria a data (acolhida no Brasil pelo Presidente Artur Bernardes em 1925).

Apesar de ser uma Memória facultativa, a celebração de 01 de maio possui vários textos próprios. A reforma do Concílio Vaticano II conservou a coleta da edição de 1962 (“Rerum cónditor, Deus...”), a leitura e o Evangelho, sendo acrescida uma segunda opção de leitura, um novo salmo e orações sobre as oferendas e após a Comunhão, além de alguns textos na Liturgia das Horas: hinos, leituras, preces [3].

c) Missa votiva de São José

Além das duas celebrações acima, o Missal prevê ainda uma Missa votiva a São José. Esta possui um formulário completo de orações: a coleta tomada do Missale de 1962 (“Deus, qui ineffábili providéntia...”) e as outras duas orações de nova composição [4].


A origem desta Missa encontra-se na Festa do “Patrocínio” de São José, instituída pelo Papa Pio IX em 1847, em vista de sua proclamação como patrono da Igreja.

O Papa fixou a celebração para nada menos que o III Domingo depois da Páscoa (o atual IV Domingo da Páscoa). Posteriormente, o Papa São Pio X (1903-1914), a fim de preservar a centralidade do domingo, suprimiu as celebrações de santos no domingo, transferindo a festa do “Patrocínio” para a quarta-feira anterior (quarta-feira da III semana da Páscoa).

Na edição de 1962 do Missale Romanum a festa foi suprimida, conservando-se porém a possibilidade de celebrar a Missa votiva a São José nas quartas-feiras, que tornaram-se assim dia em honra do mais insigne dos Patriarcas [5].

Notas:

[1] História de José, o Carpinteiro, 23, 9. in: PROENÇA, Eduardo de [Org.] Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia, v. I. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 444.

[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. II, pp. 1479-1491.

[3] ibid., pp. 1557-1564.

[4] Podem tomar-se também as orações da Solenidade de 19 de março ou da Memória de 01 de maio. O mesmo vale para as leituras.

[5] O Missale Romanum propunha para a quarta-feira também as Missas votivas de São Pedro e São Paulo e dos Santos Apóstolos, ambas presentes na atual edição do Missal.

Referências:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 169-171.
RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955, pp. 950-953.
SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber sacramentorum, v. VII: Le Feste dei Santi dalla Quaresima all'ottava dei Principi degli Apostoli. Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 62-66 (Solenidade de 19 de março); pp. 137-139 (festa do “Patrocínio”).

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