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sábado, 16 de novembro de 2019

Liturgia nas Diretrizes da Ação Evangelizadora 2019-2023

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promulga a cada quatro anos as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE).

Em sua 57ª Assembleia Geral, que ocorreu em Aparecida nos dias 01 a 10 de maio, a Conferência aprovou as novas Diretrizes para o quadriênio 2019-2023, publicadas em seguida como o Documento n. 109 da CNBB.

Neste artigo gostaríamos de analisá-lo a partir da perspectiva da Liturgia, como fizemos com os documentos ligados ao Sínodo dos Jovens de 2018. Cumpre dizer primeiramente que o tema da Liturgia adquire muito mais importância nas atuais Diretrizes do que em suas antecessoras.

Capítulos 1 e 2: A imagem da cidade

“Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas e proclamando o Evangelho do Reino” (Mt 9,35)

Após a Introdução (nn. 1-9), que apresenta o plano geral do documento, os capítulos 1 (O anúncio do Evangelho de Jesus Cristo, nn. 10-40) e 2 (O olhar de discípulos missionários, nn. 41-72) trazem reflexões mais gerais em relação à evangelização, portanto não tratam diretamente sobre o tema da Liturgia.

O capítulo 1 apresenta os fundamentos da evangelização: Jesus Cristo, “Missionário do Pai”, e a Igreja, chamada a anunciar o amor de Deus n’Ele revelado. O capítulo 2, por sua vez, traz uma análise da sociedade brasileira cada vez mais urbanizada: por isso elencamos estes dois capítulos sob a imagem da cidade. O grande desafio proposto pela Igreja no Brasil neste quadriênio é a pastoral urbana, a evangelização na cidade.


Capítulos 3 e 4: A imagem da casa

“Eles eram perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42)

Os capítulos 3 (A Igreja nas casas, nn. 73-123) e 4 (A Igreja em missão, nn. 124-202), por sua vez, estão centrados na imagem de uma casa, edificada sobre quatro pilares, que são as quatro propostas de evangelização da Igreja neste quadriênio: Palavra (Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral), Pão (Liturgia e espiritualidade), Caridade (Serviço à vida plena) e Ação Missionária (Estado permanente de missão).

O capítulo 3 apresenta os quatro pilares, retomando alguns textos bíblicos, e o capítulo 4 traz alguns encaminhamentos mais práticos.


Capítulo 3: A Igreja nas casas

Pilar da Palavra: Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral
Já na apresentação do Pilar da Palavra (nn. 88-92), além de mencionar as etapas da Iniciação Cristã (querigma, catecumenato, purificação, iluminação e mistagogia), que interpelam diretamente as celebrações litúrgicas, o documento define este processo como “fundamentado na Sagrada Escritura e na Liturgia” (n. 90).

O tema da iniciação cristã já foi abordado no Documento n. 107 da CNBB: “Iniciação à vida cristã - Itinerário para formar discípulos missionários”, citado diversas vezes ao longo das Diretrizes.

Pilar do Pão: Liturgia e espiritualidade
Naturalmente, nos números dedicados ao Pilar do Pão (nn. 93-101) encontramos várias referências ao tema da Liturgia, que aqui agrupamos em cinco pontos:

a) Eucaristia: Os nn. 93-94 trazem o tema da Eucaristia. O n. 93 destaca sua centralidade, retomando a experiência dos primeiros cristãos, enquanto o n. 94 evoca a imagem da mesa, símbolo da celebração como “ato comunitário, que exige presença, acolhida das pessoas, cuidado e afeto pelos outros”. A família se reúne ao redor da mesa da refeição, a Igreja ao redor da mesa eucarística.

b) Oração: Os números seguintes (95-97) não trazem tanto o tema da Liturgia e sim da espiritualidade, destacando a importância da oração na vida cristã. Contudo, como a Liturgia é essencialmente oração, estas reflexões podem ajudar-nos a celebrá-la melhor.

Destacamos aqui o n. 97, que afirma: “é preciso superar a ideia de que o agir já é uma forma de oração. Quando confundimos agir com rezar, chegamos a abreviar ou dispensar os tempos de oração e de contemplação”. A tentação do ativismo atinge sobretudo aqueles que exercem algum ministério litúrgico, os quais “correm o risco de se esquecer da dignidade batismal, como verdadeiros sujeitos eclesiais, reduzindo-se a meros voluntários”.

c) Testemunho dos santos: Ainda refletindo sobre o tema da espiritualidade, os dois números seguintes (98-99) trazem o testemunho dos santos, particularmente os santos e beatos do Brasil: os Mártires do Rio Grande do Norte (Santos André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e companheiros), São José de Anchieta, Santo Antônio de Santana Galvão, Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus e Santa Dulce Lopes Pontes, recentemente canonizada.

d) Piedade popular: O número 100, retomando sobretudo o Documento de Aparecida e a Exortação Evangelii Gaudium, reitera o valor da piedade popular, ao mesmo tempo que adverte para o risco de sua instrumentalização.

e) Reconciliação: Por fim, esta apresentação do Pilar do Pão conclui com uma referência ao Sacramento da Reconciliação (n. 101), através do qual é possível “formar comunidades dispostas a percorrer um caminho de discernimento espiritual, buscando a verdade do Evangelho”.

Pilar da Caridade: serviço à vida plena
Na apresentação do Pilar da Caridade não encontramos uma reflexão propriamente dita sobre a Liturgia, mas sim a citação da Oração Eucarística VI-D (Jesus que passa fazendo o bem), indicada para algumas Missas para Diversas Circunstâncias, que fundamenta a preocupação social da Igreja. Reproduzimos o número 103 na íntegra:

A Igreja reza em sua Liturgia, dirigindo-se ao Pai, recordando que Jesus ‘sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas’. Igualmente, suplica: ‘Dai-nos olhos para ver as necessidades e sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo, e seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a eles’”.
(cf. Missal Romano, pp. 860.864. A primeira parte da citação é um trecho do prefácio próprio da Oração Eucarística e a segunda um trecho da intercessão pela Igreja).

Por fim, o quarto Pilar, da Ação Missionária, e a conclusão do capítulo (Rumo à Casa da Santíssima Trindade), que abre a reflexão sobre a evangelização a uma perspectiva escatológica, não trazem nenhuma reflexão sobre a Liturgia.

Celebração Eucarística durante a Assembleia da CNBB

Capítulo 4: A Igreja em missão

Pilar da Palavra: Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral
O capítulo 4 é o que mais contém referências ao tema da Liturgia, uma vez que traz algumas orientações mais práticas. Antes de entrar no Pilar do Pão, encontramos ainda uma referência no Pilar da Palavra, que retoma o n. 90.

Trata-se do n. 150, que propõe “assumir o caminho de iniciação à vida cristã, de inspiração catecumenal, com a necessária reformulação da estrutura paroquial, catequética e litúrgica, com especial atenção à catequese para recepção e vivência dos sacramentos com crianças, jovens e adultos (sacramentos da iniciação cristã e demais)”.

Pilar do Pão: Liturgia e espiritualidade
Passando ao Pilar do Pão, encontramos antes dos encaminhamentos práticos quatro números introdutórios, que abordam três temas:

a) Centralidade da Eucaristia: O número 160 recorda a centralidade da Eucaristia para a comunidade cristã, como já afirmado nos nn. 93-94. Reproduzimos esse número na íntegra:

A Eucaristia e a Palavra são elementos essenciais e insubstituíveis para a vida cristã. Para que a comunidade de fé seja casa aberta para todos, exercendo o acolhimento ativo e a dinâmica de saída como conatural à sua existência, ela precisa se nutrir do essencial, daquele ‘Pão da Vida’ (Jo 6,35) que revigora para a caminhada rumo ao Reino definitivo. A Liturgia é o coração da comunidade. Ela remete ao Mistério e, a partir dele, ao compromisso fraterno e missionário”.

b) Valor do domingo: O número 161, por sua vez, traz o tema da valorização do domingo. Aqui já são apresentadas algumas propostas práticas para esse dia, como:
Manter as igrejas abertas;
Cuidar que haja clima efetivo de acolhida àqueles que chegam;
Flexibilizar horários para atender às necessidades dos fiéis;
Oferecer oportunidade de participar da Celebração da Palavra onde efetivamente não for possível a Celebração Eucarística;
Incentivar a criação da pastoral litúrgica;
Valorizar o ministério da Celebração da Palavra de Deus;
Cuidar da qualidade da música litúrgica.

c) Extremos na Liturgia: Por fim, os nn. 162-163 advertem sobre o perigo dos extremos na Liturgia: de um lado, o “subjetivismo emotivo” e do outro a “rigidez rubricista”. Ambos impedem os fiéis de “mergulhar no mistério de Deus, sem deixar o chão concreto da história de fora da oração comunitária”.

Por fim, elencamos aqui os sete encaminhamentos práticos propostos em relação ao Pilar do Pão nos nn. 164-170:

1. Centralidade do domingo: Como já afirmado acima, é preciso redescobrir o valor do domingo como Dia do Senhor, no qual a comunidade cristã se reúne para a Celebração Eucarística ou, se efetivamente não for possível, para a Celebração da Palavra de Deus (n. 164).

2. Celebrações da Palavra: Retomando o número anterior, que prevê a Celebração da Palavra de Deus nas comunidades onde realmente não for possível celebrar a Eucaristia, o n. 165 recomenda a formação dos ministros para presidi-la (diáconos ou leigos), recorrendo-se para isso ao Documento n. 108 da CNBB: “Ministério e Celebração da Palavra”.

3. Piedade popular: Sobre o tema da piedade popular, já mencionado no n. 100, no número 166 se propõe incentivá-la enquanto “caminho de aprofundamento da fé e não apenas realidade meramente cultural ou folclórica”. O documento recorda ainda que a piedade popular deve ser “iluminada pela Palavra de Deus e pelas orientações da Igreja” e que não devem ser criadas novas devoções de modo artificial, às vezes com interesse mercadológico.

4. Música e arte: Na sequência se recorda a contribuição das artes à celebração: música litúrgica, espaço sagrado, etc. Incentiva-se também a comunhão entre as pastorais da Liturgia, Catequese e comissões de Cultura e Arte Sacra (n. 167).

5. Ano Litúrgico: As Diretrizes reiteram ainda, no n. 168, a importância de respeitar o Ano Litúrgico em seus vários ritmos. Advertem, pois, contra certas celebrações que atendem interesses particulares, sem relação com o tempo litúrgico, e que “por vezes desfocam a importância da centralidade do Domingo” (pensemos, por exemplo, em certas “novenas” e nos denominados “Cercos de Jericó”).

6. Homilia: O número 169 exorta a zelar pela qualidade da homilia, em sintonia com a realidade litúrgica. Menciona-se aqui a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, que dedica amplo espaço a este tema.

7. Meios de comunicação: Por fim, o n. 170 recorda o contributo dos meios de comunicação social. Por exemplo, as celebrações transmitidas por rádio, televisão ou internet “atingem um enorme contingente de fiéis que não podem ir às igrejas”, como enfermos e idosos. Não obstante, as Diretrizes exortam a que estas celebrações “estejam em conformidade com as normas litúrgicas” e que haja diálogo entre as pastorais da Liturgia e da Comunicação.

Celebração Eucarística durante a Assembleia da CNBB

Conclusão
A Conclusão (nn. 203-2210), após reiterar o convite à evangelização e recomendar o estudo do documento nas várias instâncias eclesiais (Dioceses, paróquias, comunidades), termina invocando a proteção de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil (n. 210).

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