Páginas

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 52

Quase concluindo suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II dedicou uma seção ao mistério da Ressurreição (nn. 77-82), cuja primeira meditação reproduzimos a seguir.

Para acessar a postagem com a Introdução e o índice das Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

V. A Ressurreição de Cristo

77. A Ressurreição, fato histórico e afirmação da fé
João Paulo II - 25 de janeiro de 1989

1. Nesta Catequese afrontamos a verdade culminante da nossa fé em Cristo, documentada pelo Novo Testamento, acreditada e vivida como verdade central pelas primeiras comunidades cristãs, transmitida como fundamental pela Tradição, nunca negligenciada pelos verdadeiros cristãos e hoje bem aprofundada, estudada e pregada como parte essencial do Mistério Pascal, junto com a Cruz: a Ressurreição de Cristo. O Símbolo dos Apóstolos, com efeito, diz que Ele “ressuscitou ao terceiro dia”; e o Símbolo Niceno-Constantinopolitano precisa: “Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras”.

É um dogma da fé cristã, que se insere em um fato ocorrido e constatado historicamente. Buscaremos investigar, “dobrando os joelhos da mente”, o mistério anunciado pelo dogma e encerrado no fato, começando pelo exame dos textos bíblicos que o atestam.

Ressurreição (Raffaellino del Garbo)

2. O primeiro e mais antigo testemunho escrito sobre a Ressurreição de Cristo se encontra na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios. Nela o Apóstolo recorda aos seus destinatários (próximo à Páscoa do ano 57): “Eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo recebi, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as Escrituras; e apareceu a Cefas e, depois, aos Doze. Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez. Desses, a maioria ainda vive e alguns já morreram. Depois, apareceu a Tiago e, depois, a todos os Apóstolos. Por último, apareceu também a mim, que sou como um nascido fora do tempo” (1Cor 15,3-8).

Como podemos ver, o Apóstolo fala aqui da tradição viva da Ressurreição, da qual tomou conhecimento após sua conversão às portas de Damasco (cf. At 9,3-18). Durante sua viagem a Jerusalém, encontrou o Apóstolo Pedro, e também Tiago - como precisa a Carta aos Gálatas (Gl 1,18s) -, que agora ele cita como as duas principais testemunhas do Cristo Ressuscitado.

3. Cabe notar também que, no texto citado, São Paulo fala não só da Ressurreição ocorrida ao terceiro dia “segundo as Escrituras” (referência bíblica que toca já a dimensão teológica do fato), mas ao mesmo tempo recorre às testemunhas, àqueles aos quais Cristo apareceu pessoalmente. É um sinal, entre outros, de que a fé da primeira comunidade dos crentes, expressa por Paulo na Carta aos Coríntios, está baseada no testemunho de homens concretos, conhecidos pelos cristãos e que em grande parte ainda viviam entre eles. Essas “testemunhas da Ressurreição de Cristo” (cf. At 1,22) são antes de tudo os Doze Apóstolos, mas não só eles: Paulo fala de outras cinquentas pessoas, às quais Jesus apareceu de uma vez, além de a Pedro, a Tiago e a todos os Apóstolos.

4. Diante desse texto paulino perdem toda admissibilidade as hipóteses que, de diversas formas, buscaram interpretar a Ressurreição de Cristo abstraindo-a da ordem física, de modo a não reconhecê-la como um fato histórico: por exemplo, a hipótese segundo a qual a Ressurreição não seria senão uma espécie de interpretação do estado em que Cristo se encontra após a morte (estado de vida, e não de morte), ou a hipótese que reduz a Ressurreição à influência que Cristo, após sua morte, não deixou de exercer - mais ainda, retomou com novo e irresistível vigor - sobre seus discípulos.

Essas hipóteses parecem implicar uma rejeição preconceituosa à realidade da Ressurreição, considerada apenas como o “produto” do ambiente, ou seja, da comunidade de Jerusalém. Nem a interpretação nem o preconceito encontram comprovação nos fatos. São Paulo, ao contrário, no texto citado recorre às testemunhas oculares do “fato”: sua convicção sobre a Ressurreição de Cristo tem, portanto, uma base experiencial. Está vinculada àquele argumento “ex factis”, que vemos escolhido e seguido pelos Apóstolos precisamente naquela primeira comunidade de Jerusalém. Quando, com efeito, se trata da eleição de Matias, um dos discípulos mais fiéis de Jesus, para completar o número dos “Doze” que ficou incompleto pela traição e a morte de Judas Iscariotes, os Apóstolos exigem como condição que o eleito não só tenha sido seu “companheiro” no período em que Jesus ensinava e agia, mas sobretudo que pudesse ser “testemunha da sua Ressurreição”, graças à experiência feita nos dias anteriores ao momento em que Cristo - como eles dizem - “foi elevado do meio de nós” (At 1,22).

5. A Ressurreição, portanto, não pode ser apresentada - como faz certa crítica neotestamentária pouco respeitosa dos dados históricos - como um “produto” da primeira comunidade cristã, a de Jerusalém. A verdade sobre a Ressurreição não é um produto da fé dos Apóstolos ou dos outros discípulos pré ou pós-pascais. Dos textos resulta, ao contrário, que a fé “pré-pascal” dos seguidores de Cristo foi submetida à prova radical da Paixão e da Morte na cruz do seu Mestre. Ele mesmo havia anunciado esta prova, especialmente com as palavras dirigidas a Simão Pedro quando já estava às portas dos trágicos acontecimentos de Jerusalém: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para vos peneirar como o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,31-32). O choque provocado pela Paixão e Morte de Cristo foi tão grande que os discípulos (ao menos alguns deles) inicialmente não acreditaram na notícia da Ressurreição. Encontramos a prova disso em todos os Evangelhos. Lucas, em particular, nos dá a conhecer que, quando as mulheres, “voltando do sepulcro, anunciaram tudo isso (ou seja, o sepulcro vazio) aos Onze e a todos os outros”, “estes, acharam tudo o que relataram um delírio e não acreditaram” (Lc 24,9.11).

6. A hipótese que quer ver na Ressurreição um “produto” da fé dos Apóstolos, ademais, é refutada também pelo que é referido quando o Ressuscitado em pessoa “apresentou-se no meio deles e lhes disse: ‘A paz esteja convosco!’”. Eles, com efeito, “ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma”. Nessa ocasião o próprio Jesus teve que vencer suas dúvidas e temores e convencê-los de que era Ele”: “Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne, nem ossos, como podeis ver que Eu tenho”. E porque eles “ainda não podiam acreditar, tanta era a sua surpresa”, Jesus lhes pediu algo de comer e Ele “comeu diante deles” (Lc 24,36-43).

7. É bem conhecido também o episódio de Tomé, que não estava com os demais Apóstolos quando Jesus veio a eles pela primeira vez, entrando no Cenáculo apesar de que a portas estavam fechadas (cf. Jo 20,19). Quando, à sua volta, os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor”, Tomé manifestou espanto e incredulidade, e respondeu: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não crerei”. Oito dias depois, Jesus veio novamente ao Cenáculo, para satisfazer o pedido do “incrédulo” Tomé e lhe disse: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão, coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. E quando Tomé professou a sua fé com as palavras: “Meu Senhor e meu Deus!”, Jesus lhe disse: “Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram!” (Jo 20,24-29).

A exortação a crer, sem pretender ver o que está escondido no mistério de Deus e de Cristo, permanece sempre válida; mas a dificuldade do Apóstolo Tomé a admitir a Ressurreição sem ter experimentado pessoalmente a presença de Jesus vivo, e depois o seu ceder diante das provas que lhe foram dadas pelo próprio Jesus, confirmam o que emerge dos Evangelhos sobre a resistência dos Apóstolos e dos discípulos a admitir a Ressurreição. Portanto, a hipótese de que a Ressurreição tenha sido um “produto” da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos não tem consistência. Sua fé na Ressurreição nasceu, ao contrário - sob a ação da graça divina -, da experiência direta da realidade do Cristo Ressuscitado.

8. É o próprio Jesus que, após a Ressurreição, se põe em contato com os discípulos para lhes dar o sentido da realidade e para dissipar a opinião (ou o medo) de que se tratasse de um “fantasma” e, portanto, de que fossem vítimas de uma ilusão. Com efeito, estabelece com eles relações diretas, especialmente mediante o tato, como no caso de Tomé, que acabamos de recordar, mas também no encontro descrito no Evangelho de Lucas, quando Jesus diz aos discípulos assustados: “Tocai em mim e vede!  Um espírito não tem carne, nem ossos, como podeis ver que Eu tenho” (Lc 24,39). Convida-lhes a constatar que o corpo ressuscitado com o qual se apresenta a eles é o mesmo que foi martirizado e crucificado. Contudo, esse corpo possui também propriedades novas: tornou-se “espiritual” e “glorificado” e, portanto, já não está submetido às limitações habituais aos seres materiais e, por conseguinte, a um corpo humano. Com efeito, Jesus entra no Cenáculo apesar das portas fechadas, aparece e desaparece... Mas, ao mesmo tempo, esse corpo é autêntico e real. Em sua identidade material está a demonstração da Ressurreição de Cristo.

9. O encontro no caminho de Emaús, relatado no Evangelho de Lucas, é um fato que torna visível de forma particularmente evidente como amadureceu na consciência dos discípulos a certeza da Ressurreição precisamente através do contato com o Cristo Ressuscitado (cf. Lc 24,13-35). Aqueles dois discípulos de Jesus, que no início do caminho estavam “tristes e abatidos pela recordação de tudo o que havia acontecido ao Mestre no dia da crucificação e não escondiam a decepção experimentada ao ver derrubar-se a esperança depositada n’Ele como Messias libertador - “Esperávamos que fosse Ele quem libertaria Israel” (v. 21) -, experimentam em seguida uma transformação total, quando fica claro para eles que o “peregrino” desconhecido com quem falaram é precisamente o mesmo Cristo de antes, e se dão conta de que Ele, portanto, ressuscitou. De toda a narração se deduz que a certeza da Ressurreição de Jesus fez deles quase que homens novos. Não só tinham recuperado a fé em Cristo, mas estavam prontos para dar testemunho da verdade sobre sua Ressurreição.

Todos esses elementos do texto evangélico, convergentes entre si, comprovam o fato da Ressurreição, que constitui o fundamento da fé dos Apóstolos e do testemunho que, como veremos nas próximas Catequeses, está no centro da sua pregação.

João Paulo II em 1989

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (25 de janeiro de 1989). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário