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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Leitura litúrgica do Livro de Malaquias

“Desde o nascer do sol até ao poente, em todo o lugar se oferece um sacrifício e uma oblação pura ao meu Nome” (Ml 1,11).

Na postagem anterior da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, começamos a analisar os escritos dos “profetas menores” após o exílio da Babilônia com o Livro de Ageu e os capítulos 1–8 do Livro de Zacarias.

Com esta postagem damos continuidade à proposta com o Livro de Malaquias (Ml), que figura na Bíblia cristã como o último dos escritos proféticos do Antigo Testamento (AT).

Profeta Malaquias (James Tissot)

1. Breve introdução ao Livro de Malaquias

A tradição judaica coloca Malaquias e o Dêutero-Zacarias (Zc 9–14) como os últimos profetas, aos quais podemos acrescentar Joel. Embora figure por último na Bíblia cristã, por razões teológicas, o Livro de Malaquias é o mais antigo dos três citados, podendo remontar ao contexto das reformas de Esdras e Neemias (século V a. C.).

As reformas desses dois personagens fundamentaram o Judaísmo em três pilares: um Templo, uma Lei, um povo. Na narrativa de Malaquias o Templo parece já estar concluído, pois o problema agora são os pecados dos sacerdotes. A idolatria, interpretada como um casamento com uma mulher estrangeira, nos coloca no contexto da proibição desses casamentos.

Malaquias é provavelmente um nome simbólico, que significa “mensageiro”. Sua mensagem, composta por três capítulos, é formada por seis unidades, “emolduradas” por um breve prólogo e um epílogo.
a) Ml 1,1: Prólogo, com o título da obra;
b) Ml 1,2-5: Acusação contra Edom e declaração do amor de Deus por Israel;
c): Ml 1,6–2,9: Acusação contra os sacerdotes, que oferecem animais indignos ao Senhor (provavelmente guardando os melhores animais para si);
d) Ml 2,10-16: Acusação contra a idolatria e o divórcio;
e) Ml 2,17–3,5: Acusação contra uma série de injustiças, anunciando a vinda do “mensageiro” que antecede o “dia de Iahweh”;
f) Ml 3,6-12: Acusação contra fraudes nos dízimos - se o povo for fiel, Deus promete abundância;
g) Ml 3,13-21: O profeta opõe o justo e o ímpio, prometendo que o homem justo receberá a bênção do Senhor;
h) Ml 3,22-24: Epílogo (talvez como acréscimo posterior), evocando Moisés, como luz para o passado, e Elias, como esperança para o futuro.

Cada unidade possui três elementos que se repetem: crítica do profeta, réplica dos destinatários e nova exortação do profeta. As primeiras três controvérsias são mais fechadas no castigo do pecado, enquanto as três últimas abrem-se à esperança escatológica no “dia de Iahweh”, quando reinará a justiça.

As referências ao “mensageiro” que prepara o caminho diante do Senhor (Ml 3,1) e ao profeta Elias (Ml 3,23-24) foram aplicadas no Novo Testamento a João Batista (Mc 1,2; 9,11-12; Mt 17,10-13; Lc 1,17.76; 7,27; Jo 3,28), razão pela qual Malaquias foi disposto como último livro do AT na Bíblia cristã, antecedendo a pregação de João.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem.

João Batista com as asas do "anjo" (mensageiro) entre Elias e Enoc
(Daniel Codrescu - Bucareste, Romênia)

2. Leitura litúrgica de Malaquias: Composição harmônica

Como temos feito com todos os livros da Sagrada Escritura estudados nesta série, analisaremos a presença do Livro de Malaquias nas celebrações litúrgicas seguindo os dois critérios de seleção dos textos indicados no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM): a composição harmônica e a leitura semicontínua [1].

Começamos pela composição harmônica: a escolha do texto em sintonia com o tempo ou festa litúrgica.

a) Celebração Eucarística

Iniciando nosso percurso pelos ciclo do Ano Litúrgico, identificamos leituras do nosso livro em três ocasiões, uma no Advento e duas no Tempo Comum:

Na Missa do dia 23 de dezembro lê-se Ml 3,1-4.23-24 [2]. De 17 a 24 de dezembro as leituras do AT foram selecionadas “levando em consideração o Evangelho do dia, com os acontecimentos que preparam o nascimento do Senhor [3]. O Evangelho do dia 23, com efeito, narra o nascimento de João Batista (Lc 1,57-66), o que justifica a dupla perícope tradicionalmente aplicada a ele, como vimos acima: o “mensageiro” (Ml 3,1-4), traduzido aqui como “anjo”, e o “Elias” (vv. 23-24).

Antes de entrarmos nas leituras do Tempo Comum, cabe destacar a célebre antífona de entrada da Missa do Dia da Solenidade da Epifania do Senhor (Ecce advénit Dominátor...): “Eis que veio o Senhor dos senhores, em suas mãos, o poder e a realeza” (cf. Ml 3,1; 1Cr 19,12) [4].

No XXXI Domingo do Tempo Comum do ano A lemos Ml 1,14b–2,2b.8-10 [5]. Aqui as leituras do AT são igualmente escolhidas em “relação às perícopes evangélicas” (ELM, n. 106) [6], razão pela qual se proclama a crítica do profeta aos maus sacerdotes, em paralelo à crítica de Jesus aos fariseus e mestres da Lei no Evangelho (Mt 23,1-12).

No XXXIII Domingo do Tempo Comum do ano C a leitura é Ml 3,19-20a [7], texto escatológico que anuncia o “dia do Senhor”, no qual, para os justos, “nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas”. No Evangelho (Lc 21,5-19), o discurso escatológico de Jesus centra-se na exortação à perseverança em vista do fim: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (v. 19).

Passando ao Próprio dos santos, que recolhe os textos para as celebrações do Senhor, da Virgem Maria e dos principais santos com data fixa, encontramos nosso livro na Festa da Apresentação do Senhor (02 de fevereiro). A perícope indicada aqui é Ml 3,1-4 [8], proferida como 1ª leitura quando a festa cai em um domingo ou como leitura à escolha quando cai em dia de semana, destacando a profecia messiânica: “Logo chegará ao seu templo o Dominador” (v. 1b).

O mesmo texto de Ml 3,1-4 é previsto para a Missa da Bem-aventurada Virgem Maria na Apresentação do Senhor, formulário n. 7 da Coletânea de Missas de Nossa Senhora, a ser celebrada como “ponte” entre o Natal e o Tempo Comum [9].

Nos Comuns dos Santos, por fim, com textos para as várias “categorias” de santos, vale destacar a antífona de entrada do formulário n. 4 do Comum dos Santos, com o “elogio” do homem justo: “A palavra da verdade estava em sua boca e não se encontrou falsidade nos seus lábios. Andou comigo na paz e na retidão e a muitos afastou do mal” (Ml 2,6) [10].

“Eis que veio o Senhor dos senhores...”
(Adoração dos Magos e Apresentação - Catedral de Cremona, Itália)

b) Demais sacramentos

Além da Celebração Eucarística, há um texto do nosso livro proposto para o Sacramento da Reconciliação: Ml 3,1-7a [11], mais especificamente para celebrações penitenciais no Tempo do Advento. Aqui o profeta exorta contra uma série de injustiças, anunciando a vinda do “dia do Senhor”, concluindo com o mesmo convite de Zc 1,3: “Voltai a mim e Eu voltarei a vós, diz o Senhor (Ml 3,7a).

c) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas, por sua vez, identificamos quatro leituras breves de Malaquias sob o critério da composição harmônica:

- Hora Média (15h) das quintas-feiras do Advento até a III semana e do dia 22 de dezembro: Ml 3,20-21b [12], anunciando que, para os que temem o nome do Senhor, “nascerá o sol da justiça, trazendo salvação”. Vale recordar que em uma das “Antífonas do Ó”, entoadas de 17 a 23 de dezembro, Cristo é aclamado precisamente como “sol nascente, justiceiro” (“Oriens, sol justitiae”).

- Laudes da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi): Ml 1,11 [13], anunciando o “sacrifício perfeito” no tempo messiânico: em todo o tempo e lugar “se oferece um sacrifício e uma oblação pura” ao nome do Senhor.

- Laudes da Festa da Apresentação do Senhor (02 de fevereiro): Ml 3,1 [14], sobre o Messias que vem ao templo, como na Missa da Festa.

- Laudes da Solenidade da Natividade de São João Batista (24 de junho): Ml 3,23-24 [15], sobre a vinda do “Elias” antes do “dia do Senhor”, como vimos anteriormente.

3. Leitura litúrgica de Malaquias: Leitura semicontínua

a) Celebração Eucarística

Sob o critério da leitura semicontínua - proclamação dos principais textos do livro na sequência -, nosso profeta é lido na Celebração Eucarística em apenas um dia: na quinta-feira da XXVII semana do Tempo Comum do ano ímpar. Nesta semana leem-se três profetas pós-exílicos: além de Malaquias, Jonas (segunda a quarta-feira) e Joel (sexta-feira e sábado).

A perícope selecionada aqui é Ml 3,13-20a [16], a última das seis “controvérsias”, na qual o profeta opõe o justo e o ímpio, prometendo que o homem justo receberá a bênção do Senhor.

b) Liturgia das Horas

Na Liturgia das Horas, por sua vez, temos duas leituras em composição harmônica de Malaquias, proclamadas no Ofício das Leituras da sexta-feira e do sábado da XXVIII semana do Tempo Comum, logo após a leitura dos outros dois profetas pós-exílicos que o precederam: Ageu (domingo e segunda-feira) e Zacarias 1–8 (terça a quinta-feira).

O nosso livro é proclamado aqui quase na íntegra, sendo omitidos apenas os primeiros versículos do capítulo 2:

Ofício das Leituras: XXVIII semana do Tempo Comum
Sexta-feira: Ml 1,1-14; 2,13-16 - “Profecia sobre os sacerdotes negligentes e sobre o repúdio”;
Sábado: Ml 3,1-24 - “O dia do Senhor” [17].

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que infelizmente ainda não foi traduzido para o Brasil, as mesmas perícopes acima são lidas na sexta-feira e no sábado da XVIII semana do Tempo Comum no ano par, logo após outros dois profetas pós-exílicos, Abdias (domingo) e Joel (segunda a quinta-feira) [18].

Profeta Malaquias (Lorenzo Monaco)

Breve bibliografia sobre o Livro de Malaquias:

ABREGO DE LACY, José Maria. O profeta Malaquias e a sua obra. in: Os livros proféticos. 2ª ed. São Paulo: Ave Maria, pp. 250-253. Coleção: Introdução ao Estudo da Bíblia, vol. 4.

CODY, Aelred. Malaquias. in: BROWN, Raymond E.; FITZMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland E. [org.] Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2007, pp. 720-724.

HIMBAZA, Innocent. Malaquias. in: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo Testamento: História, Escritura e Teologia. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 568-575.

RIVAS, Pedro Jaramillo Dias. Malaquias. in: OPORTO, Santiago Guijarro; GARCÍA, Miguel Salvador [org.]. Comentário ao Antigo Testamento II. São Paulo: Ave Maria, 2004, pp. 389-393.

Notas:
[1] ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995.
[3] ALDAZÁBAL, op. cit., p. 94.
[4] MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 164.
[5] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994.
[6] ALDAZÁBAL, op. cit., p. 103.
[7] LECIONÁRIO I, op. cit.
[8] ibid.; LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1997.
[9] LECIONÁRIO para Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 36.
[10] MISSAL ROMANO, p. 774.
[11] RITUAL DA PENITÊNCIA. Tradução portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus: 1999, p. 206.
[12] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. I, pp. 148.203.259.329.
[13] ibid., vol. III, p. 553.
[14] ibid., vol. III, p. 1239.
[15] ibid., vol. III, p. 1377.
[16] LECIONÁRIO II, op. cit.
[17] OFÍCIO DIVINO, vol. IV, pp. 341.345.
[18] Fonte: Dei Verbum.

Imagens: Wikimedia Commons.

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