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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Hinos da Conversão de São Paulo: Vésperas

Saulo... o Deus de nossos antepassados escolheu-te... tu serás a sua testemunha diante de todos os homens” (At 22,13-15).

Em nossa última postagem começamos a apresentar os dois hinos próprios da Liturgia das Horas (LH) para a Festa da Conversão de São Paulo (25 de janeiro):
Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados);
Vésperas: Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando).

“Vocação” do Apóstolo Paulo
(Igreja de São Miguel, Lewes, Inglaterra)

Nas Laudes da Festa entoa-se a 2ª estrofe (Doctor egrégie) e a doxologia do hino Iam, bone pastor, que também é entoado no Ofício das Leituras da Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) e nas Laudes e Vésperas da Memória facultativa da Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo (18 de novembro).

Antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, o hino Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos) era entoado tanto no Ofício (Matinas) quanto nas Vésperas do dia 25 de janeiro. Para as Laudes, por sua vez, era indicado o hino do Comum dos Apóstolos (Exsultet caelum laudibus).

Assim, além do texto do Ofício (Pressi malórum pondere), a Comissão encarregada da revisão dos hinos da LH, coordenada pelo Padre Anselmo Lentini, OSB (†1989), “resgatou” o hino Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando) para as Vésperas do dia 25 de janeiro.

Trata-se de uma composição de São Pedro Damião (†1072), monge beneditino e posteriormente Bispo, proclamado Doutor da Igreja em 1828, autor de diversos hinos, alguns dos quais foram acolhidos na Liturgia das Horas.

A seguir reproduzimos o texto do hino, composto por seis estrofes de quatro versos, em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, bastante fiel ao texto original.

A tradução, como de costume, propõe rimas alternadas nos versos pares (ABAB), enquanto o texto original é irregular: algumas estrofes possuem rimas emparelhadas (AABB), outras não.

Na sequência propomos também alguns breves comentários sobre a sua teologia, com várias referências aos textos das Cartas Paulinas e de outros escritos do Novo Testamento, como no hino do Ofício das Leituras.

São Pedro Damião (†1072), autor do hino

In Conversione Sancti Pauli, Apostoli (Festum)

1. Excélsam Pauli glóriam
concélebret Ecclésia,
quem mire sibi apóstolum
ex hoste fecit Dóminus.

2. Quibus succénsus aestibus
in Christi nomen saeviit,
exársit his impénsius
amórem Christi praedicans.

3. O magnum Pauli méritum!
Caelum conscéndit tértium,
audit verba mystérii
quae nullus audet éloqui.

4. Dum verbi spargit sémina,
seges surgit ubérrima;
sic caeli replent hórreum
bonórum fruges óperum.

5. Micántis more lámpadis
perfúndit orbem rádiis;
fugat errórum ténebras,
ut sola regnet véritas.

6. Christo sit omnis glória,
cum Patre et almo Spíritu,
qui dedit vas tam fúlgidum
electiónis géntibus. Amen [1].


Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo
Ofício das Leituras: Concelebre a Igreja, cantando

1. Concelebre a Igreja, cantando,
de São Paulo a grandeza e esplendor.
De inimigo se fez um apóstolo
pelo grande poder do Senhor.

2. Contra o nome de Cristo lutara,
inflamado de grande furor,
mas ardeu maior chama em seu peito
anunciando de Cristo o amor.

3. Grande dom mereceu do Senhor:
no mais alto dos céus escutar
as palavras do grande mistério
que a ninguém é devido falar.

4. Espalhando as sementes do Verbo,
surgem messes com tais florações,
que o celeiro dos céus é repleto
com os frutos das boas ações.

5. Refulgindo, qual luz, ilumina
todo o orbe com tal claridade
que, dos erros a treva expulsando,
faz reinar, soberana, a verdade.

6. Glória ao Cristo, a Deus Pai e ao Espírito,
que governam a toda nação,
e doaram aos povos da terra
um tal vaso de sua eleição [2].

Comentário:

Diferentemente do hino do Ofício que, como vimos na postagem anterior, é essencialmente uma súplica, invocando a intercessão do Apóstolo, a composição das Vésperas é um “hino de louvor” propriamente dito, celebrando as “glórias” de Paulo.

Conversão de São Paulo (detalhe)
(Michelangelo, Capela Paulina, Vaticano, séc. XVI)

A 1ª estrofe, com efeito, começa com o “convite ao louvor”, exortando todos os cristãos (a Igreja) a celebrar juntos (“concelebrar”) a “excelsa glória de Paulo” (“Excélsam Pauli glóriam concélebret Ecclésia”).

Do “convite” passamos aos “motivos do louvor”, que se entendem ao longo de todo o “corpo do hino”, até a 5ª estrofe. Os últimos dois versos da 1ª estrofe nos remetem diretamente ao mistério celebrado: a “conversão” de Paulo, que antes era “inimigo” (perseguidor dos cristãos), mas Deus o transformou admiravelmente em seu Apóstolo.

A 2ª estrofe prossegue celebrando o acontecimento do caminho de Damasco (At 9,1-19a; 22,3-16; 26,9-18; Gl 1,11-24): inflamado de ira, perseguiu “o nome de Cristo”; agora, impulsionado por uma chama ainda mais intensa, prega o seu amor (cf. 2Cor 5,14).

Na 3ª estrofe se celebra o “grande mérito de Paulo” (“O magnum Pauli méritum”), não no sentido de algo que ele mereceu ou conquistou, mas sim do dom que lhe foi concedido, como indica a tradução oficial para o Brasil: “Grande dom mereceu do Senhor”.

A estrofe recorda então qual foi esse dom: seu encontro com Cristo, no qual Paulo foi “elevado ao terceiro céu”, onde ouviu as palavras do mistério que ninguém ousa pronunciar. Esses versos fazem referência ao que o próprio Apóstolo afirma na Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12,1-10).

Em relação ao “terceiro céu” (“Caelum conscéndit tértium”), como indica o Padre Félix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas [3], na tradição judaica o céu era dividido em três esferas: a atmosfera, os astros e a morada de Deus.

Na cultura ocidental é conhecida também a divisão proposta por Dante Alighieri (†1321) na terceira parte da Divina Comédia, o Paraíso. Nessa célebre obra o céu “físico” é composto por nove esferas, além do “Empíreo”, que é o lugar onde Deus habita. A tradução brasileira, com efeito, optou por adaptar a expressão como “no mais alto dos céus”.

“Glória de São Paulo”
(Federico Zuccari, Capela Paulina, Vaticano, séc. XVI)

Da metáfora “celeste” passamos à metáfora “terrestre” na 4ª estrofe, que utiliza a imagem da semeadura, recorrente em toda a Sagrada Escritura e utilizada por Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 3,5-9).

A estrofe celebra o Apóstolo como um “semeador” (cf. Mt 13,4-9.18-23 e paralelos), que espalhou as sementes do Verbo, isto é, da Palavra de Deus, que frutificaram em uma colheita fecundíssima (“ubérrima”) de boas obras, que enchem o “celeiro” do céu.

Concluindo a tríade de metáforas, após o “céu” e a “semente”, a 5ª estrofe traz a imagem da “luz”, também muito presente em toda a Sagrada Escritura, inclusive no relato da “conversão” de São Paulo.

Jesus, com efeito, exorta seus seguidores a ser “luz do mundo” (Mt 5,14-16): assim, o hino atesta que a pregação de Paulo foi como uma lâmpada que iluminou o mundo, dissipando as trevas do erro e permitindo que reine a verdade (cf. 2Cor 4,3-6; Ef 1,18).

Por fim, como de costume nos hinos da LH, a 6ª estrofe, é uma doxologia (breve fórmula de louvor) em honra da Santíssima Trindade.

São Pedro Damião, autor do hino, nos exorta a dar “toda a glória a Cristo, com o Pai e o Santo Espírito”. Aqui é utilizado o adjetivo “almus” para referir-se ao Espírito, o qual, como vimos em postagens anteriores, possui várias traduções: bom, santo, que sustenta, que dá a vida...

Além do “convite”, a estrofe traz também o “motivo” do louvor à Trindade nessa circunstância particular: a “doação” do Apóstolo Paulo às nações como brilhante “vaso de eleição” (cf. At 9,15).

Martírio de Estêvão, Conversão e Batismo de Paulo
(Michelangelo, Capela Paulina, Vaticano, séc. XVI)

Notas:


[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, vol. III, p. 1214.

[3] AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, pp. 203-204.

Imagens: Wikimedia Commons.

Confira também outras postagens sobre os hinos do Próprio dos Santos da Liturgia das Horas clicando aqui.

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