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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Hinos da Conversão de São Paulo: Ofício

Saulo... o Deus de nossos antepassados escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires a sua própria voz” (At 22,13-14).

Há dois anos, em janeiro de 2022, traçamos aqui em nosso blog uma breve história das Festas da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) e da Conversão de São Paulo (25 de janeiro).

Conversão de São Paulo
(Vitral do Castelo de Cardiff, Gales)

Como vimos, essas duas celebrações compartilham um hino na Liturgia das Horas (LH): Iam, bone pastor, com duas estrofes dedicadas aos Apóstolos e uma doxologia final em honra da Trindade (Sit Trinitáti sempitérna glória).

No Ofício das Leituras da Festa da Cátedra de São Pedro entoa-se a 1ª estrofe, Iam, bone pastor (Ó Pedro, pastor piedoso), e a doxologia, enquanto nas Laudes da Festa da Conversão de São Paulo entoa-se a 2ª estrofe, Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos), e a doxologia.

O hino completo é entoado na Memória facultativa da Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo (18 de novembro), tanto nas Laudes quanto nas Vésperas.

Além desse hino, cada uma das Festas dos Apóstolos, possui outros dois textos próprios, os quais apresentaremos nas próximas postagens, começando pelos hinos da Festa da Conversão de São Paulo:
Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados);
Vésperas: Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando).

Antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, por sua vez, entoava-se no Ofício (Matinas) e nas Vésperas do dia 25 de janeiro o hino Doctor egrégie, enquanto para as Laudes era indicado o hino do Comum dos Apóstolos (Exsultet caelum laudibus).

Nesta postagem apresentaremos o hino do Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados), uma composição anônima do século XVIII “resgatada” pela Comissão encarregada da revisão dos hinos da LH, coordenada pelo Padre Anselmo Lentini, OSB (†1989).

A seguir reproduzimos o texto do hino, composto por seis estrofes de quatro versos, em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, bastante fiel ao texto original (acrescentando rimas nos versos pares).

Na sequência propomos também alguns breves comentários sobre a teologia do hino, repleto de referências aos textos das Cartas Paulinas e de outros escritos do Novo Testamento.

Conversão de São Paulo
(Bartolomé Esteban Murillo, séc. XVII)

In Conversione Sancti Pauli, Apostoli (Festum)
Officium lectionis: Pressi malórum póndere

1. Pressi malórum póndere
te, Paule, adímus súpplices,
qui certa largus désuper
dabis salútis pígnora.

2. Nam tu beáto cóncitus
divíni amóris ímpetu,
quos insecútor óderas,
defénsor inde amplécteris.

3. Amóris, eia, prístini
ne sis, precámur, ímmemor,
et nos supérnae lánguidos
in spem redúcas grátiae.

4. Te deprecánte flóreat
ignára damni cáritas,
quam nulla turbent iúrgia
nec ullus error sáuciet.

5. O grata caelo víctima,
te, lux amórque Géntium,
o Paule, clarum víndicem,
nos te patrónum póscimus.

6. Laus Trinitáti, cántica
sint sempitérnae glóriae,
quae nos boni certáminis
tecum corónet praemiis. Amen [1].


 Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo
Ofício das Leituras: Ao peso do mal vergados

1. Ao peso do mal vergados,
São Paulo, por ti clamamos;
da graça o penhor eterno,
que salva, te suplicamos.

2. Outrora oprimindo a Igreja,
tocou-te o divino amor.
E aqueles que perseguias
abraças qual defensor.

3. Daquele primeiro amor
conserva a fiel lembrança.
Aos tíbios e fracos traze
a graça e a esperança.

4. Floresça por teu socorro
o amor que ignora o mal;
as rixas não o perturbem,
nem erro nenhum fatal. 

5. Ó vítima que agrada aos céus,
dos povos amor e luz,
fiel defensor da Igreja,
protege-a, e a nós conduz. 

6. Louvor à Trindade eterna,
hosanas, poder, vitória.
O prêmio do bom combate
contigo nos dê, na glória [2].

Tríptico: Martírio de Estêvão, Conversão e Batismo de Paulo
(Benjamin West, séc. XVIII)

Comentário:

Mais do que um “hino” de louvor ou ação de graças, a composição é na verdade uma súplica, invocando a intercessão do Apóstolo Paulo.

Já na 1ª estrofe, com efeito, que serve como uma espécie de “ato penitencial”, nos dirigimos ao Apóstolo “suplicantes” (“súpplices”), reconhecendo que os pecados que cometemos nos oprimem com o seu peso, pedindo-lhe que nos conceda o “penhor da salvação” (cf. 2Cor 1,22; 5,5; Ef 1,14).

A 2ª estrofe, por sua vez, possui um caráter mais “anamnético”, isto é, de “memorial” da história da salvação, celebrando o episódio da “conversão” de São Paulo (At 9,1-19a; 22,3-16; 26,9-18; Gl 1,11-24): movido por um impulso do amor divino (cf. 2Cor 5,14), passou a “abraçar como defensor” aqueles que antes perseguia com ódio: os cristãos.

Nos primeiros versos da 3ª estrofe nos dirigimos ao Apóstolo exortando-o a “recordar o primeiro amor” (“amóris prístini”), isto é, o primeiro encontro com Cristo. Esta exortação serve também para nós, como indica o Livro do Apocalipse (Ap 2,4-5).

Na sequência, nos últimos dois versos da 3ª estrofe, pedimos a intercessão de Paulo por nós, que somos fracos (“lánguidos”), para que nos reconduza à “esperança da graça celeste” (cf. Rm 5,2).

A 4ª estrofe, como indica o Padre Félix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas [3], evoca o célebre “hino à caridade” ou “hino ao amor” da Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 13).

Confira a meditação do Papa Francisco sobre o “hino à caridade” em sua Exortação Apostólica Amoris laetitia (nn. 89-119) clicando aqui.

Conversão de São Paulo
(Cristoforo Gherardi, séc. XVI)

Pela intercessão do Apóstolo, com efeito, pede-se que “floresça a caridade” (amor), a qual “ignora o mal”. O hino pede ainda que a caridade não seja perturbada pelas intrigas (disputas) nem seja ferida pelos erros (enganos).

Por fim, concluindo o “corpo do hino”, a 5ª estrofe traz uma espécie de “ladainha” de títulos de São Paulo:
- “Vítima que agrada ao céu” (cf. Rm 12,1; Fl 2,17-18; 2Tm 4,6), em alusão ao oferecimento da própria vida no martírio;
- “Amor e luz dos povos” (cf. 1Tm 2,7; At 9,15), uma vez que anunciou o Evangelho a vários povos;
- “Ilustre defensor” (cf. Fl 1,16), traduzido para o português do Brasil como “fiel defensor da Igreja”.

Após essa “ladainha”, concluímos a estrofe indicando que escolhemos Paulo como nosso patrono. Na tradução oficial há aqui uma pequena diferença, com a súplica para que ele “proteja e conduza” a Igreja.

Se as cinco primeiras estrofes invocam a intercessão do Apóstolo Paulo, a 6ª estrofe, como é costume nos hinos da LH, é uma doxologia (breve fórmula de louvor) à Santíssima Trindade.

Exortando a entoar eternamente um canto de louvor à Trindade, o hino pede que sejamos “coroados” com o “prêmio do bom combate” (cf. 2Tm 4,7-8) junto com Paulo, na glória.

“No caminho de Damasco”
(Andrei Mironov, séc. XXI)

Notas:


[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, vol. III, pp. 1206-1207.

[3] AROCENA, Félix. Los himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, pp. 201-202.

Imagens: Wikimedia Commons.

Confira também outras postagens sobre os hinos do Próprio dos Santos da Liturgia das Horas clicando aqui.

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