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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Leitura litúrgica da Primeira Carta de Pedro (3)

“Alegrai-vos por participar dos sofrimentos de Cristo, para que possais também exultar de alegria na revelação da sua glória” (1Pd 4,13).

Nas postagens anteriores desta série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura iniciamos um estudo sobre a presença da Primeira Carta de Pedro (1Pd) nas celebrações do Rito Romano.

Após uma breve introdução, analisamos sua leitura na Celebração Eucarística e nos demais sacramentos sob o critério da composição harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou a festa litúrgica, como indicado no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM) [1]. Para acessar as primeiras duas partes, clique aqui: 1ª parte / 2ª parte.

Nesta postagem concluiremos a análise sob esse critério com os sacramentais e a Liturgia das Horas.

São Pedro (Bartolomé Esteban Murillo)

2. Leitura litúrgica de Primeira Carta de Pedro: Composição harmônica

c) Sacramentais

Iniciamos essa terceira parte do nosso estudo com os sacramentais, particularmente com as consagrações de pessoas e lugares e com as bênçãos.

Primeiramente, nas consagrações de pessoas e lugares há três leituras ad libitum (à escolha) da nossa Carta:

- Bênção de abade ou abadessa: 1Pd 5,1-4 [2], a exortação aos presbíteros a apascentar o “rebanho de Deus” que lhes confiado. Trata-se, portanto, de uma leitura mais adequada para a bênção de abades.

- Consagração das virgens e Profissão religiosa (celebrações que compartilham os mesmos textos bíblicos): 1Pd 1,3-9 [3], parte da “ação de graças” da Carta, com a promessa de que, após as provações deste mundo, receberemos “uma herança incorruptível” (v. 4).

- Dedicação de igreja: 1Pd 2,4-9 [4], a exortação a formarmos, “como pedras vivas”, um “edifício espiritual”, do qual o templo cristão é a imagem.

Quanto às bênçãos de pessoas, lugares e objetos, há cinco leituras à escolha de 1Pd:

- Bênção de peregrinos por ocasião da partida: 1Pd 2,4-12 [5], com a exortação aos cristãos, “peregrinos e forasteiros neste mundo”, a um bom comportamento, para que os pagãos, “vendo as suas boas obras, glorifiquem a Deus”;

- Bênção de pedra fundamental de edifício: 1Pd 2,4-10 [6], exortando a formar um “edifício espiritual” alicerçado em Cristo, “a pedra viva”;

- Bênção de imagens de santos para veneração pública: 1Pd 4,7b-11 [7], uma exortação ao amor fraterno e ao serviço, fontes de toda santidade;

- Bênção de estações da Via Sacra: por fim, nesta Bênção são sugeridas duas leituras de 1Pd à escolha: 1Pd 2,19-25, com o “cântico” ou “hino” à Paixão de Cristo, e 1Pd 3,18–4,2, com a recordação do Mistério Pascal: “Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus” [8].

Jesus Cristo, a “pedra viva” do “edifício espiritual”
(Porta da Basílica da Sagrada Família, Barcelona)

d) Liturgia das Horas

Em relação à Liturgia das Horas (LH) é preciso distinguir dois tipos de leituras: as leituras longas, proferidas no Ofício das Leituras, e as leituras breves, proferidas nas demais horas (Laudes, Hora Média e Vésperas).

Começaremos nossa análise da leitura em composição harmônica de 1Pd na LH com as leituras longas, que são quatro, todas nos Comuns dos Santos:

- Ofício das Leituras do Comum da dedicação de igreja (Tempo Comum): 1Pd 2,1-17 [9], sobre o “edifício espiritual” formado pelos cristãos como “pedras vivas”;

- Ofício das Leituras do Comum dos Pastores: para presbíteros (Tempo Comum): 1Pd 5,1-11 [10], a exortação aos presbíteros a apascentar o “rebanho de Deus” que lhes confiado;

- Ofício das Leituras do Comum dos Santos Homens: para santos que viveram no Matrimônio (Advento, Natal, Quaresma e Páscoa): 1Pd 3,7-17 [11], os conselhos do autor da Carta aos maridos, dentro do “código doméstico”, unidos aos conselhos a todos os cristãos;

- Ofício das Leituras do Comum das Santas Mulheres: para santas que viveram no Matrimônio (2ª opção): 1Pd 3,1-6.8-17 [12], como acima, com os conselhos às esposas e a todos os cristãos (vv. 8-17).

Após as leituras longas, passamos às leituras breves de 1Pd na Liturgia das Horas em composição harmônica, que são bem mais numerosas.

Seguindo o ciclo do Ano Litúrgico, começamos pela Quaresma e pela Semana Santa, onde identificamos quatro leituras do nosso livro, particularmente nas Vésperas, uma vez que nesta Hora sempre se leem textos do Novo Testamento:

- I Vésperas do V Domingo da Quaresma e do Domingo de Ramos e Vésperas do Sábado Santo: 1Pd 1,18-21 [13], atestando que fomos resgatados “pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha nem defeito”;

- Hora Média do V Domingo da Quaresma e do Domingo de Ramos:
12h: 1Pd 4,13-14, a exortação a alegrar-se “por participar dos sofrimentos de Cristo”;
15h: 1Pd 5,10-11, a promessa de que, após os sofrimentos do tempo presente, participaremos da “glória eterna, em Cristo” [14];

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça” (Mt 5,10)
(A coroa e as palmas, símbolos do martírio)

- Vésperas da sexta-feira da V semana da Quaresma e Vésperas da Sexta-feira Santa: 1Pd 2,21b-24 [15], um trecho do “cântico” à Paixão de Cristo: “Cristo sofreu por vós deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos...”.

No Tempo Pascal, por sua vez, são proclamadas quatro perícopes do nosso livro:

- I Vésperas dos Domingos do Tempo Pascal (II a VII): 1Pd 2,9-10 [16], os cristãos são “a raça escolhida, o sacerdócio do Reino, a nação santa... o povo de Deus”;

- Hora Média (9h) das terças-feiras do Tempo Pascal: 1Pd 3,21-22a [17], o Batismo é a nossa salvação, “em virtude da Ressurreição de Jesus Cristo”;

- Vésperas das terças-feiras do Tempo Pascal (até a VI semana): 1Pd 2,4-5 [18], Cristo é “a pedra viva”, rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus. Também nós, como “pedras vivas”, formamos um “edifício espiritual”;

- Vésperas das quintas-feiras do Tempo Pascal (até a VI semana) e II Vésperas da Solenidade da Ascensão do Senhor: 1Pd 3,18.21b-22 [19], a afirmação do Mistério Pascal: Cristo morreu pelos nossos pecados, ressuscitou, “subiu ao céu e está à direita de Deus”.

Prosseguindo nosso percurso com as celebrações dos santos, contemplamos o Próprio, com textos específicos para os principais santos.

Seguindo a ordem de precedência das pessoas, a primeira celebração a se considerar é cristológica: na Hora Média (15h) da Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro), com efeito, lemos 1Pd 1,18-19 [20], com a afirmação de que fomos resgatados “pelo precioso sangue de Cristo”, Cordeiro sem mancha.

Depois de Cristo, segue-se a sua Mãe, com a presença da Carta nas Vésperas da Festa da Visitação de Nossa Senhora (31 de maio), quando se lê 1Pd 5,5b-7 [21], uma exortação à humildade, “para que, na hora oportuna, Deus vos exalte”. Esta leitura faz um paralelo com o cântico da Virgem Maria, o Magnificat: Deus “derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc 1,52).

Após as celebrações cristológicas e marianas do Próprio, consideremos as celebrações hagiológicas propriamente ditas, isto é, as celebrações dos demais santos:

- Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro), com duas leituras da nossa Carta:
Hora Média (12h): 1Pd 5,1-2a, a exortação aos presbíteros a apascentar o rebanho;
Vésperas: 1Pd 1,3-5, parte da “ação de graças” da Carta, bendizendo a Deus por sua misericórdia e por nos fazer “nascer de novo” em Cristo [22];

Cristo entrega as chaves do Reino a Pedro
(Pietro Perugino)

- Laudes da Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos (29 de junho): 1Pd 4,13-14 [23], a exortação à alegria se sofremos por causa de Cristo;

- Hora Média (12h) da Solenidade de Todos os Santos (01 de novembro): 1Pd 1,15-16 [24], a exortação à santidade, citando o “refrão” do Levítico: “Sede santos, porque Eu sou santo”;

- Hora Média (9h) da Festa de Santo Estêvão, Diácono e Protomártir (26 de dezembro): 1Pd 5,10-11 [25], a promessa de que, após passar pelos sofrimentos do tempo presente, participaremos da “glória eterna, em Cristo”.

Por fim, nos Comuns, com textos para cada “categoria” de santos, ocorrem três perícopes da Primeira Carta de Pedro:

- Comuns de vários mártires e de um mártir:
Hora Média (9h): 1Pd 5,10-11, como na Festa de Santo Estêvão [26];
II Vésperas: 1Pd 4,13-14, a exortação à alegria por “participar dos sofrimentos de Cristo” [27].

A leitura das Vésperas é indicada particularmente nas celebrações da Memória de Santa Inês, Virgem e Mártir (21 de janeiro) e da Festa de São Lourenço, Diácono e Mártir (10 de agosto) [28].

- I e II Vésperas do Comum dos Pastores: 1Pd 5,1-4 [29], a exortação aos presbíteros a apascentarem o rebanho, como vimos anteriormente. Esta leitura é indicada particularmente para a Memória de São Martinho, Bispo (11 de novembro) [30].

Concluímos assim a terceira parte do nosso estudo sobre a leitura litúrgica da Primeira Carta de Pedro e com ela a análise sob o critério da composição harmônica. A quarta e última parte será dedicada à sua leitura semicontínua e ao texto de 1Pd 2,21-25, entoado como cântico na Liturgia das Horas.

A exemplo de Cristo, os presbíteros são exortados a apascentar o rebanho de Deus

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] LECIONÁRIO IV: Lecionário do Pontifical Romano. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 2000, p. 120.
[3] ibid., p. 143.
[4] ibid., p. 180.
[5] RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, p. 149.
[6] ibid., p. 170.
[7] ibid., p. 373. Uma imagem particular, para devoção pessoal, é abençoada com o formulário para objetos devocionais.
[8] ibid., pp. 402-403.
[9] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. III, p. 1485; vol. IV, p. 1497. Para os tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa são indicadas outras leituras, a fim de oferecer uma maior diversidade de textos.
[10] ibid., vol. III, p. 1621; vol. IV, p. 1633. Nos outros tempos litúrgicos lê-se aqui um texto de 1Tm.
[11] ibid., vol. I, p. 1311; vol. II, p. 1864. No Tempo Comum lê-se um texto de Ef.
[12] ibid., vol. I, p. 1339; vol. II, p. 1893; vol. III, p. 1715; vol. IV, p. 1727. A 1ª opção de leitura é Pv 31,10-31.
[13] ibid., vol. II, pp. 301.362.456.
[14] ibid., vol. II, pp. 309-310.371.
[15] ibid., vol. II, pp. 349.432.
[16] ibid., vol. II, pp. 566.622.675.731.783.865. O Domingo da Páscoa não possui I Vésperas, uma vez que a celebração da Ressurreição começa na Vigília Pascal.
[17] ibid., vol. II, pp. 514.590.645.698.754.804.886.
[18] ibid., vol. II, pp. 515.591.646.699.754.804. Nas Vésperas da VII semana as leituras são dedicadas ao Espírito Santo, em preparação para a Solenidade de Pentecostes.
[19] ibid., vol. II, pp. 541.606.659.714.768.816.840. Em alguns países, incluindo o Brasil, a Solenidade da Ascensão do Senhor, celebrada na quinta-feira da VI semana da Páscoa, é transferida para o domingo seguinte.
[20] ibid., vol. IV, p. 1275.
[21] ibid., vol. II, p. 1607; vol. III, p. 1328.
[22] ibid., vol. II, pp. 1457-1458; vol. III, p. 1277.1279.
[23] ibid., vol. III, p. 1396. No Brasil essa solenidade é transferida para o domingo.
[24] ibid., vol. IV, p. 1426. Essa solenidade também é transferida para o domingo no Brasil
[25] ibid., vol. I, p. 1086.
[26] ibid., vol. I, pp. 1202.1227; vol. II, pp. 1736.1768; vol. III, pp. 1579.1604; vol. IV, pp. 1591.1616.
[27] ibid., vol. I, pp. 1207.1231; vol. II, pp. 1741.1773; vol. III, pp. 1583.1609; vol. IV, pp. 1595.1621.
[28] ibid., vol. III, p. 1201; vol. IV, p. 1183.
[29] ibid., vol. I, pp. 1236.1264; vol. II, pp. 1781.1810; vol. III, pp. 1614.1640; vol. IV, pp.1626.1652. As I Vésperas só são rezadas quando a celebração tem o grau de solenidade (por exemplo, onde o santo é o titular da igreja e/ou o padroeiro do lugar).
[30] ibid., vol. IV, p. 1447.

Imagens: Wikimedia Commons.

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