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segunda-feira, 24 de abril de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (32)

A oração de Santo Estêvão, Diácono e Protomártir, foi o tema da quarta Catequese sobre a oração do Papa Bento XVI centrada no Livro dos Atos dos Apóstolos

Para conferir a postagem com os links para todas as suas Catequeses sobre a oração, clique aqui.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 02 de maio de 2012
A oração (32):
A oração de Santo Estêvão

Queridos irmãos e irmãs,
Nas últimas Catequeses vimos como, na oração pessoal e comunitária, a leitura e a meditação da Sagrada Escritura abrem à escuta de Deus que nos fala e infundem luz para compreender o presente. Hoje gostaria de falar sobre o testemunho e a oração do primeiro mártir da Igreja, Santo Estêvão, um dos sete escolhidos para o serviço da caridade para com os necessitados. No momento do seu martírio, narrado pelos Atos dos Apóstolos, manifesta-se mais uma vez a fecunda relação entre a Palavra de Deus e a oração.

Estêvão é conduzido ao tribunal, diante do Sinédrio, onde é acusado de ter declarado que «Jesus Nazareno ia destruir este lugar [o templo] e ia mudar os costumes que Moisés nos transmitiu» (At 6,14). Com efeito, durante a sua vida pública, Jesus tinha prenunciado a destruição do templo de Jerusalém: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei» (Jo 2,19). Todavia, como anota o evangelista João, «estava falando do Templo do seu corpo. Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele» (vv. 21-22).

Pregação de Santo Estêvão (Fra Angelico)

O discurso de Estêvão diante do tribunal, o mais longo dos Atos dos Apóstolos, desenvolve-se precisamente a respeito desta profecia de Jesus, que é o novo templo, inaugura o novo culto e substitui, com a oferta que faz de Si mesmo na cruz, os sacrifícios antigos. Estêvão quer demonstrar como é infundada a acusação que lhe é dirigida, de alterar a lei de Moisés, e explica a sua visão da história da salvação, da aliança entre Deus e o homem. Assim, ele relê toda a narração bíblica, itinerário contido na Sagrada Escritura, para mostrar que ela conduz ao «lugar» da presença definitiva de Deus, que é Jesus Cristo, em particular a sua Paixão, Morte e Ressurreição. Nesta perspectiva, Estêvão lê também o seu ser discípulo de Jesus, seguindo-o até ao martírio. A meditação sobre a Sagrada Escritura permite-lhe, assim, compreender a sua missão, a sua vida e o seu presente. Nisto, ele é orientado pela luz do Espírito Santo, pela sua relação íntima com o Senhor, a tal ponto que os membros do Sinédrio viram que o seu rosto era «como o de um anjo» (At 6,15). Tal sinal de assistência divina evoca o rosto resplandecente de Moisés que descia do monte Sinai, depois de ter encontrado Deus (Ex 34,29-35; 2Cor 3,7-8).

No seu discurso, Estêvão começa a partir do chamado de Abraão, peregrino rumo à terra indicada por Deus, e que a possuiu só a nível de promessa; depois, passa a José, vendido pelos irmãos, mas assistido e libertado por Deus, para enfim chegar a Moisés, que se torna instrumento de Deus para libertar o seu povo, mas encontra também e várias vezes a rejeição da sua própria gente. Nestes acontecimentos narrados pela Sagrada Escritura, da qual Estêvão demonstra que está em religiosa escuta, sobressai sempre Deus, que não se cansa de ir ao encontro do homem, não obstante encontre com frequência uma oposição obstinada. E isto no passado, no presente e no futuro. Portanto, em todo o Antigo Testamento ele vê a prefiguração da vicissitude do próprio Jesus, o Filho de Deus que se fez carne e que - como os antigos Pais - encontra obstáculos, rejeição e morte. Em seguida, Estêvão refere-se a Josué, a Davi e a Salomão, postos em relação com a construção do templo de Jerusalém, e conclui com as palavras do profeta Isaías: «O céu é o meu trono e a terra é o estrado dos meus pés. Que casa construireis para mim? Qual será o lugar do meu descanso? Não foi minha mão que fez todas essas coisas?» (Is 66,1-2; At 7,49-50).

Na sua meditação sobre o agir de Deus na história da salvação, evidenciando a tentação perene de rejeitar Deus e a sua ação, ele afirma que Jesus é o Justo anunciado pelos profetas; n’Ele foi o próprio Deus que se tornou presente de modo singular e definitivo: Jesus é o «lugar» do culto verdadeiro. Estêvão não nega a importância do templo durante certo tempo, mas ressalta que «o Altíssimo não mora em casa feita por mãos humanas» (At 7,48). O novo templo no qual Deus habita é o seu Filho, que assumiu a carne humana, é a humanidade de Cristo, o Ressuscitado que congrega os povos e que os une no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. A expressão acerca do templo «não erguido por mãos humanas», encontra-se inclusive na teologia de São Paulo e na Carta aos Hebreus: o corpo de Jesus, que Ele assumiu para oferecer a si mesmo como vítima sacrifical para expiar os pecados, é o novo templo de Deus, o lugar da presença do Deus vivo; nele, Deus e o homem, Deus e o mundo estão realmente em contato: Jesus assume sobre si todo o pecado da humanidade, para levá-lo ao amor de Deus e para «fazê-lo arder» neste amor. Aproximar-se da Cruz, entrar em comunhão com Cristo, quer dizer entrar nesta transformação. E isto significa entrar em contato com Deus, entrar no templo verdadeiro.

Repentinamente, a vida e o discurso de Estêvão interrompem-se com a lapidação, mas precisamente o seu martírio é o cumprimento da sua vida e da sua mensagem: ele torna-se um só com Cristo. Assim, a sua meditação sobre o agir de Deus na história, sobre a Palavra divina que em Jesus encontrou o seu pleno cumprimento, torna-se uma participação na própria oração da Cruz. Com efeito, antes de morrer ele exclama: «Senhor Jesus, acolhe o meu espírito» (At 7,59), apropriando-se das palavras do Salmo 30 (v. 6) e imitando a última expressão de Jesus no Calvário: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46); e enfim, como Jesus, brada com voz forte àqueles que o apedrejavam: «Senhor, não os condenes por este pecado» (At 7,60). Observemos que, se por um lado a oração de Estêvão retoma a prece de Jesus, diverso é o destinatário, uma vez que a invocação é dirigida ao próprio Senhor, ou seja a Jesus, que ele contempla glorificado à direita do Pai: «Estou vendo o céu aberto, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus» (v. 56).

Caros irmãos e irmãs, o testemunho de Santo Estêvão oferece-nos algumas indicações para a nossa oração e a nossa vida. Podemos interrogar-nos: de onde tirou este primeiro mártir cristão a força para enfrentar os seus perseguidores e chegar até ao dom de si mesmo? A resposta é simples: da sua relação com Deus, da sua comunhão com Cristo, da meditação sobre a história da salvação, da visão do agir de Deus, que em Jesus Cristo alcançou o ápice. Também a nossa oração deve ser alimentada pela escuta da Palavra de Deus, na comunhão com Jesus e com a sua Igreja.

Um segundo elemento: Santo Estêvão vê prenunciada, na história da relação de amor entre Deus e o homem, a figura e a missão de Jesus. Ele - o Filho de Deus - é o templo «não erguido por mãos humanas», em quem a presença de Deus Pai se fez tão próxima a ponto de entrar na nossa carne humana para nos levar a Deus, para nos abrir as portas do Céu. Então, a nossa oração deve ser contemplação de Jesus à direita de Deus, de Jesus como Senhor da nossa, da minha, existência quotidiana. Nele, sob a guia do Espírito Santo, também nós podemos dirigir-nos a Deus, entrar em contato real com Deus, com a confiança e o abandono dos filhos que se dirigem a um Pai que os ama de modo infinito.

Martírio de Santo Estêvão (Fra Angelico)

Fonte: Santa Sé.

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