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quarta-feira, 8 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (14)

Em sua 14ª Catequese sobre a oração, no contexto de uma série de reflexões sobre os salmos, o Papa Bento XVI meditou sobre o célebre Salmo 22 (23).

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 05 de outubro de 2011
A oração (14): Salmo 22

Queridos irmãos e irmãs,
Dirigir-se ao Senhor na oração exige um gesto de confiança radical, com a consciência de que nos confiamos a Deus que é bom, «misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel» (Ex 34, 6-7; Sl 85,15; cf. Gl 2,13; Gn 4,2; Sl 102,8; 1445,8; Ne 9,17). Por isso, hoje gostaria de meditar convosco sobre um Salmo inteiramente imbuído de confiança, no qual o salmista exprime a sua certeza tranquila de que é guiado e protegido, salvaguardado de todo o perigo, porque o Senhor é o seu pastor. Trata-se do Salmo 22 (23) - 22 segundo os dados greco-latinos, 23 segundo a tradição judaica - um texto familiar para todos e amado por todos.

Jesus, o Bom Pastor

«O Senhor é pastor que me conduz: não me falta coisa alguma» (v. 1): assim começa esta linda oração, evocando o ambiente nômade do pastoreio e a experiência de conhecimento recíproco que se estabelece entre o pastor e as ovelhas que compõem o seu pequeno rebanho. A imagem evoca uma atmosfera de confiança, intimidade e ternura: o pastor conhece as suas ovelhas uma por uma, chama-as pelo nome e elas seguem-no porque o reconhecem e confiam nele (cf. Jo 10,2-4). Ele cuida delas, conserva-as como bens preciosos, pronto a defendê-las, a garantir o seu bem-estar e a fazer com que vivam em tranquilidade. Nada lhes pode faltar, se o pastor estiver com elas. A esta experiência faz referência o salmista, chamando Deus seu pastor e deixando-se orientar por Ele para pastagens seguras:
«Pelos prados e campinas verdejantes
Ele me leva a descansar.
Para as águas repousantes me encaminha,
e restaura as minhas forças.
Ele me guia no caminho mais seguro,
pela honra do seu nome» (vv. 2-3).

A visão que se abre aos nossos olhos é de verdes prados e águas refrescantes, oásis de paz rumo aos quais o pastor acompanha o rebanho, símbolos dos lugares de vida para os quais o Senhor conduz o salmista, que se sente como as ovelhas deitadas na relva ao lado de uma nascente, em uma situação de descanso, não em tensão nem em estado de alarme, mas confiantes e tranquilas, porque o lugar é seguro, a água é fresca e o pastor vela sobre elas. E não esqueçamos aqui que a cena evocada do Salmo é ambientada em uma terra em boa parte desértica, atingida pelo sol ardente, onde o pastor seminômade do Oriente Médio vive com o seu rebanho nas estepes que se estendem ao redor dos povoados. Mas o pastor sabe onde encontrar erva e água fresca, essenciais para a vida, sabe conduzir ao oásis em que a alma «se restabelece» e é possível retomar as forças e novas energias para se pôr novamente a caminho.

Como diz o salmista, Deus guia-o rumo a «verdes prados» e «águas refrescantes», onde tudo é superabundante, tudo é concedido abundantemente. Se o Senhor é o pastor, também no deserto, lugar de ausência e de morte, não esmorece a certeza de uma presença de vida radical, a ponto de poder dizer: «Nada me falta». O pastor, com efeito, se preocupa pelo bem do seu rebanho, adapta os próprios ritmos e as suas exigências aos das suas ovelhas, caminha e vive com elas, guiando-as por caminhos «retos», ou seja, adequados, com atenção às necessidades delas, e não às suas. A segurança do seu rebanho é a sua prioridade, e é o que busca ao guiá-lo.

Queridos irmãos e irmãs, também nós, como o salmista, se caminharmos atrás do «Bom Pastor», por mais difíceis, sinuosos ou longos que possam parecer os percursos da nossa vida, com frequência inclusive em regiões espiritualmente desérticas, sem água e com um sol de racionalismo ardente, sob a guia do Bom Pastor, Cristo, temos a certeza de caminhar pelas estradas «retas», e que o Senhor nos orienta e está sempre próximo de nós, e nada nos faltará.

Por isso, o salmista pode declarar uma tranquilidade e uma segurança, sem incertezas nem temores:
«Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,
nenhum mal eu temerei;
estais comigo com bastão e com cajado;
eles me dão a segurança!» (v. 4).

Quem caminha com o Senhor sente-se seguro mesmo nos vales sombrios do sofrimento, da incerteza e de todos os problemas humanos. “Tu estás comigo”: esta é a nossa certeza, aquela que nos sustém. A escuridão da noite causa medo, com as suas sombras mutáveis, a dificuldade de distinguir os perigos, o seu silêncio cheio de ruídos indecifráveis. Se o rebanho se move depois do pôr-do-sol, quando a visibilidade se faz incerta, é normal que as ovelhas se sintam inquietas, pois há o risco de tropeçar, ou então de se afastar e de se perder, e há ainda o temor de possíveis agressores que se escondam na escuridão. Para falar do vale «sombrio», o salmista usa uma expressão hebraica que evoca as trevas da morte, pelo que o vale a atravessar é um lugar de angústia, de ameaças terríveis, de perigo de morte. E, no entanto, o orante procede seguro, sem medo, porque sabe que o Senhor está com ele. Aquele «estais comigo» é uma proclamação de confiança inabalável e resume a experiência de fé radical; a proximidade de Deus transforma a realidade, o vale sombrio deixa de ser perigoso, esvaziando-se de qualquer ameaça. Agora, o rebanho pode caminhar tranquilo, acompanhado pelo barulho familiar do bastão que bate no terreno e denota a presença tranquilizadora do pastor.

Esta imagem confortadora encerra a primeira parte do Salmo, e deixa o lugar a um cenário diverso. Ainda estamos no deserto, onde o pastor vive com o seu rebanho, mas agora somos transportados para a sua tenda, que se abre para oferecer hospitalidade:
«Preparais à minha frente uma mesa,
bem à vista do inimigo,
e com óleo vós ungis minha cabeça;
o meu cálice transborda» (v. 5).

Agora o Senhor é apresentado como Aquele que recebe o orante com os sinais de uma hospitalidade generosa e cheia de atenções. O anfitrião divino prepara o alimento na «mesa», um termo que em hebraico indica, no seu sentido primitivo, a pele de animal que era estendida no chão, e sobre a qual eram postos os alimentos para a refeição em comum. Trata-se de um gesto de partilha não só da comida, mas também da vida, em uma oferenda de comunhão e de amizade que cria vínculos e exprime solidariedade. E depois há ainda o dom magnânimo do óleo perfumado sobre a cabeça, que dá alívio ao calor do sol do deserto, refresca e cura a pele, e alegra o espírito com a sua fragrância. Enfim, a taça transbordante acrescenta uma nota de festa, com o seu vinho delicioso, compartilhado com generosidade superabundante. Alimento, óleo e vinho: são os dons que fazem viver e dão alegria porque vão além do que é estritamente necessário e expressam a gratuidade e a abundância do amor. Celebrando a bondade providente do Senhor, o Salmo 103 (104) proclama: «Fazeis crescer os verdes pastos para o gado e as plantas que são úteis para o homem; para da terra extrair o seu sustento e o vinho que alegra o coração, o óleo que ilumina a sua face e o pão que revigora suas forças» (vv. 14-15). O salmista torna-se objeto de muitas atenções, pelo que se vê como um viajante que encontra refúgio em uma tenda hospitaleira, enquanto os seus adversários devem parar para olhar, sem poder intervir, porque aquele que consideravam sua presa encontrou refúgio, tornou-se hóspede sagrado, intocável. E o salmista somos nós, se formos realmente crentes em comunhão com Cristo. Quando Deus abre a sua tenda para nos receber, nada nos pode ferir.

Depois, quando o viajante volta a partir, a proteção divina prolonga-se e acompanha-o durante a sua viagem:
«Felicidade e todo bem hão de seguir-me
por toda a minha vida;
e, na casa do Senhor, habitarei
pelos tempos infinitos» (v. 6).

A bondade e a fidelidade de Deus são a escolta que acompanha o salmista que sai da tenda e se põe novamente a caminho. Mas é um caminho que adquire um novo sentido e se torna peregrinação rumo ao Templo do Senhor, o lugar santo em que o orante quer «habitar» para sempre e para o qual também deseja «voltar». O verbo hebraico utilizado aqui tem o sentido de «voltar», mas com uma pequena modificação vocálica, pode ser entendido como «habitar», e é assim citado pelas antigas versões e pela maior parte das traduções modernas. Ambos os sentidos podem ser conservados: voltar ao Templo e ali habitar é o desejo de cada israelita, e habitar perto de Deus na sua proximidade e bondade é o anseio e a saudade de cada crente: poder habitar realmente onde está Deus, perto de Deus. O seguimento do Pastor conduz à sua casa; esta é a meta de cada caminho, oásis almejado no deserto, tenda de refúgio na fuga dos inimigos, lugar de paz onde experimentar a bondade e o amor fiel de Deus, dia após dia, na alegria serena de um tempo sem fim.

As imagens deste Salmo, com a sua riqueza e profundidade, acompanharam toda a história e a experiência religiosa do povo de Israel e acompanham os cristãos. A figura do pastor, em particular, evoca o tempo originário do êxodo, o longo caminho no deserto, como um rebanho sob a guia do Pastor divino (cf. Is 63,11-14; Sl 76,20-21; 77,52-54). E na Terra Prometida era o rei que tinha a tarefa de apascentar a grei do Senhor, como Davi, pastor escolhido por Deus e figura do Messias (2Sm 5,1-2; 7,8; Sl 77,70-72). Depois, após o exílio da Babilónia, como que em um novo êxodo (Is 40,3-5.9-11; 43,16-21), Israel é reconduzido à sua pátria como uma ovelha perdida que voltou a ser encontrada, reconduzida por Deus para verdes prados e lugares de descanso (Ez 34,11-16.23-31). Mas é no Senhor Jesus que toda a força evocativa do nosso Salmo alcança a sua completude, encontra a sua plenitude de significado: Jesus é o «Bom Pastor» que vai à procura da ovelha perdida, que conhece as suas ovelhas e que dá a própria vida por elas (Mt 18,12-14; Lc 15,4-7; Jo 10,2-4.11-18); Ele é o caminho reto que nos leva à vida (Jo 14,6), a luz que ilumina o vale sombrio e vence todo o nosso medo (Jo 1,9; 8,12; 9,5; 12,46). Ele é o anfitrião generoso que nos recebe e nos protege dos inimigos, preparando-nos a mesa do seu Corpo e do seu Sangue (Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,19-20) e a mesa definitiva do banquete messiânico no Céu (Lc 14,15ss; Ap 3,20; 19,9). Ele é o Pastor real, Rei na mansidão e no perdão, entronizado no madeiro glorioso da Cruz (Jo 3,13-15; 12,32; 17,4-5).

Caros irmãos e irmãs, o Salmo 22 (23) convida-nos a renovar a nossa confiança em Deus, abandonando-nos totalmente nas suas mãos. Portanto, peçamos com fé ao Senhor que nos conceda, também através das estradas difíceis do nosso tempo, caminhar sempre pelos seus caminhos como um rebanho dócil e obediente, que Ele nos receba em sua casa, à sua mesa e nos conduza a «águas refrescantes» para que, no acolhimento do dom do seu Espírito, possamos saciar-nos nas suas nascentes, fontes daquela água viva «que jorra para a vida eterna» (Jo 4,14; 7,37-39).

O Papa recebe o pálio, símbolo da ovelha que o pastor deve levar sobre os ombros

Fonte: Santa Sé.

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