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terça-feira, 7 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (13)

Continuando com suas meditações sobre alguns salmos dentro das suas Catequeses sobre a oração, após o Sl 3 o Papa Bento XVI refletiu sobre o Salmo 21 (22).

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de setembro de 2011
A oração (13):
Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Sl 21)

Queridos irmãos e irmãs,
Na Catequese de hoje gostaria de meditar sobre um Salmo com fortes implicações cristológicas, que sobressai continuamente nas narrações da Paixão de Jesus, com a sua dupla dimensão de humilhação e glória, de morte e vida. É o Salmo 21 (22) - 21 segundo a tradição greco-latina, 22 segundo a tradição judaica -, uma oração intensa e comovedora, de uma densidade humana e de uma riqueza teológica que fazem dele um dos Salmos mais recitados e estudados de todo o Saltério. Trata-se de uma longa composição poética, e meditaremos de modo particular sobre a sua primeira parte, centrada na lamentação, para aprofundar algumas dimensões significativas da oração de súplica a Deus.

Crucificação (El Greco, detalhe)

Este Salmo apresenta a figura de um inocente perseguido e circundado de adversários que desejam a sua morte; e ele recorre a Deus em uma lamentação dolorosa que, na certeza da fé, se abre misteriosamente ao louvor. Na sua oração, a realidade angustiante do presente e a memória consoladora do passado alternam-se, em uma difícil tomada de consciência acerca da sua situação desesperada que, no entanto, não quer renunciar à esperança. O seu clamor inicial é um apelo dirigido a um Deus que parece distante, que não responde e parece tê-lo abandonado:
«Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
E ficais longe de meu grito e minha prece?
Ó meu Deus, clamo de dia e não me ouvis,
clamo de noite e para mim não há resposta!» (vv. 2-3).

Deus cala-se, e este silêncio dilacera a alma do orante, que chama incessantemente, mas sem encontrar uma resposta. Os dias e as noites sucedem-se, em uma busca incansável de uma palavra, de uma ajuda que não chega; Deus parece tão distante, tão esquecido, tão ausente! A oração pede escuta e resposta, solicita um contato, procura uma relação que possa conferir conforto e salvação. Mas se Deus não responde, o grito de ajuda perde-se no vazio e a solidão torna-se insustentável. E, no entanto, o orante do nosso Salmo, no seu brado, chama três vezes o Senhor «meu» Deus, em um extremo gesto de confiança e de fé. Não obstante qualquer aparência, o salmista não pode acreditar que o vínculo com o Senhor se tenha interrompido totalmente; e enquanto pergunta o porquê do presumível abandono incompreensível, afirma que o «seu» Deus não pode abandoná-lo.

Como se sabe, o clamor inicial do Salmo, «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?», é citado pelos Evangelhos de Mateus e de Marcos como o grito lançado por Jesus agonizante na Cruz (cf. Mt 27,46; Mc 15,34). Ele manifesta toda a desolação do Messias, Filho de Deus, que enfrenta o drama da morte, uma realidade totalmente oposta ao Senhor da vida. Abandonado por quase todos os seus, traído e renegado pelos discípulos, circundado por quantos o insultam, Jesus encontra-se sob o peso esmagador de uma missão que deve passar pela humilhação e o aniquilamento. Por isso, clama ao Pai, e o seu sofrimento assume as palavras dolorosas do Salmo. Mas o seu grito não é desesperado, como o do salmista, que na sua súplica percorre um caminho atormentado, mas que no final acaba numa perspectiva de louvor, na confiança da vitória divina. E dado que no uso hebraico citar o início de um Salmo implicava uma referência ao poema inteiro, a prece dilacerante de Jesus, embora mantenha a sua carga de sofrimento indizível, abre-se à certeza da glória. «Não tinha o Messias de sofrer estas coisas para entrar na sua glória?», dirá o Ressuscitado aos discípulos de Emaús (Lc 24,26). Na sua Paixão, em obediência ao Pai, o Senhor Jesus atravessa o abandono e a morte para alcançar a vida e para a doar a todos os fiéis.

A este grito inicial de súplica, no nosso Salmo 21, segue-se em um contraste doloroso a recordação do passado:
«Foi em vós que esperaram nossos pais;
esperaram e vós mesmo os libertastes.
Seu clamor subiu a vós e foram salvos;
em vós confiaram e não foram enganados» (vv. 5-6).

Aquele Deus que hoje parece tão distante ao salmista é, no entanto, o Senhor misericordioso que Israel sempre experimentou na sua história. O povo ao qual o orante pertence foi objeto do amor de Deus, e pode dar testemunho da sua fidelidade. A começar pelos Patriarcas, e depois no Egito e durante a longa peregrinação pelo deserto, na permanência na terra prometida em contato com populações agressivas e inimigas, até ao obscurecimento do exílio, toda a história bíblica foi uma história de clamores de ajuda da parte do povo e de respostas salvíficas da parte de Deus. E o salmista faz referência à fé inabalável dos seus Pais, que «confiaram» - esta palavra é repetida três vezes - sem jamais permanecer confundidos. Agora, no entanto, parece que esta série de invocações confiantes e de respostas divinas se interrompeu; a situação do salmista parece desmentir toda a história da salvação, tornando ainda mais dolorosa a realidade presente.

Mas Deus não pode desmentir-se, e eis então que a oração volta a descrever a situação penosa do orante, para induzir o Senhor a ter piedade e a intervir, como sempre tinha feito no passado. O salmista define-se «um verme e não um homem; o opróbrio e o desprezo das nações» (v. 7), é escarnecido, zombado (v. 8) e ferido precisamente na fé: «Ao Senhor se confiou, Ele o liberte e agora o salve, se é verdade que Ele o ama!» (v. 9). Sob os golpes ultrajantes da ironia e do desprezo, parece quase que o perseguido perde as suas conotações humanas, como o Servo sofredor delineado no Livro de Isaías (cf. Is 52,14; 53,2b-3). E como o justo oprimido do Livro da Sabedoria (cf. Sb 2,12-20), como Jesus no Calvário (cf. Mt 27,39-43), o salmista vê posta em dúvida a sua relação com o seu Senhor, na evidência cruel e sarcástica daquilo que o faz sofrer: o silêncio de Deus, a sua aparente ausência. E, no entanto, Deus esteve presente na existência do orante com uma proximidade e uma ternura inquestionáveis. O salmista recorda-o ao Senhor: «Desde a minha concepção me conduzistes, e no seio maternal me agasalhastes. Desde quando vim à luz vos fui entregue» (vv. 10-11a). O Senhor é o Deus da vida, que faz nascer e acolhe o recém-nascido, cuidando dele com carinho paterno. E se antes recordara a fidelidade de Deus na história do povo, agora o orante volta a evocar a própria história pessoal de relação com o Senhor, remontando ao momento particularmente significativo do início da sua vida. E ali, não obstante a desolação do presente, o salmista reconhece uma proximidade e um amor divinos tão radicais que agora pode exclamar, em uma confissão cheia de fé e geradora de esperança: «Desde o ventre de minha mãe sois o meu Deus!» (v. 11b).

Agora a lamentação torna-se uma súplica intensa: «Não fiqueis longe de mim, porque padeço; ficai perto, pois não há quem me socorra!» (v. 12). A única proximidade que o salmista sente e que o amedronta é a dos seus inimigos. Portanto, é necessário que Deus se aproxime e que o socorra, porque os inimigos circundam e rodeiam o orante, e são como touros poderosos, como leões que abrem as fauces para rugir e despedaçar (vv. 13-14). A angústia altera a percepção do perigo, aumentando-o. Os adversários parecem invencíveis, tornaram-se animais ferozes e extremamente perigosos, enquanto o salmista é como um pequeno verme, impotente, sem qualquer defesa. Mas estas imagens utilizadas no Salmo servem também para dizer que quando o homem se torna brutal e agride o irmão, algo de animalesco prevalece sobre ele, que parece perder qualquer semblante humano; a violência tem sempre algo de bestial em si, e só a intervenção salvífica de Deus pode restituir o homem à sua humanidade. Agora, para o salmista, objeto de uma agressão tão feroz, parece que não existe mais salvação, e a morte começa a tomar posse dele: «Eu me sinto como a água derramada, e meus ossos estão todos deslocados (...). Minha garganta está igual ao barro seco, minha língua está colada ao céu da boca (...). Eles repartem entre si as minhas vestes e sorteiam entre si a minha túnica» (vv. 15.16.19). Com imagens dramáticas, que voltamos a encontrar nas narrações da Paixão de Cristo, descreve-se a decomposição do corpo do condenado, o calor insuportável que atormenta o moribundo e que encontra eco no pedido de Jesus: «Tenho sede» (Jo 19,28), para chegar ao gesto definitivo dos algozes que, como os soldados aos pés da Cruz, repartem entre si as vestes da vítima, já considerada morta (cf. Mt 27,35; Mc 15,24; Lc 23,34; Jo 19,23-24).

Eis então, imperioso, novamente o pedido de socorro: «Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe, ó minha força, vinde logo em meu socorro! (...) Arrancai-me da goela do leão» (vv. 20.22a). Trata-se de um grito que abre os céus, porque proclama uma fé, uma certeza que vai além de toda a dúvida, de toda a escuridão e de toda a desolação. E a lamentação transforma-se, deixando espaço ao louvor no acolhimento da salvação: «Anunciarei o vosso nome a meus irmãos e no meio da assembleia hei de louvar-vos!» (v. 23). Assim, o Salmo abre-se à ação de graças, ao grande hino final que abrange todo o povo, os fiéis do Senhor, a assembleia litúrgica e as gerações vindouras (vv. 24-32). O Senhor acorreu em ajuda, salvou o pobre e mostrou o seu rosto de misericórdia. Morte e vida cruzaram-se em um mistério inseparável, e a vida triunfou; o Deus da salvação manifestou-se como Senhor incontestado, que todos os confins da terra celebrarão e diante do qual todas as famílias dos povos se prostrarão. É a vitória da fé, que pode transformar a morte em dom da vida, o abismo da dor em fonte de esperança.

Caríssimos irmãos e irmãs, este Salmo levou-nos ao Gólgota, aos pés da Cruz de Jesus, para reviver a sua Paixão e compartilhar a alegria fecunda da Ressurreição. Portanto, deixemo-nos invadir pela luz do Mistério Pascal, mesmo na aparente ausência de Deus, também no silêncio de Deus e, como os discípulos de Emaús, aprendamos a discernir a verdadeira realidade, para além das aparências, reconhecendo o caminho da exaltação precisamente na humilhação, e a plena manifestação da vida na morte, na cruz. Assim, depositando toda a nossa confiança e a nossa esperança em Deus Pai, em cada angústia também nós poderemos suplicar-lhe com fé, e o nosso grito de ajuda se transformará em cântico de louvor.

O Papa venera a Cruz 

Fonte: Santa Sé.

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