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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

O hino Salve Sancta Facies em honra da Santa Face de Jesus

“Sobre nós iluminai a vossa face e seremos salvos” (cf. Sl 79,4).

Na última sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022, apresentamos brevemente a história da devoção à Santa Face de Jesus ligada ao “mandylion de Edessa” no Oriente e ao “véu da Verônica” no Ocidente.

Inicialmente uma devoção à própria Encarnação do Verbo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a partir do século XIV a “Santa Face” começa a ser associada à Paixão, com a popularização da “lenda da Verônica”, que teria enxugado o rosto de Jesus a caminho do Calvário.

Ainda no início do século XIV teria sido composto o hino Salve, Sancta Facies (Salve, Santa Face), o qual conserva algo da devoção original, sem referência à Paixão.

Cristo com o início do hino Salve, Sancta Facies
(Livro de Horas de Spinola, início do séc. XVI, fol. 9r)

O hino é atribuído ao Papa João XXII (†1334), o qual reinou de 1316 até sua morte, no contexto do “Papado de Avignon” (França). O mais provável, porém, é que a composição tenha sido realizada por um autor anônimo durante o pontificado de João XXII, Papa que teria associado uma indulgência à recitação do hino.

De toda forma, a composição tornou-se bastante popular nos “Livros de Horas” dos séculos XV e XVI, sobretudo na região de Flandres (entre as atuais França e Bélgica). Esses eram livros de orações ricamente ilustrados encomendados pelos nobres, com o calendário das festas dos santos, alguns textos da Liturgia das Horas (donde o seu nome) e outras orações [1].

Nesses Livros comumente consta uma versão abreviada do hino: de suas 09 estrofes geralmente constam quatro: a 1ª, a 2ª, a 5ª e a 9ª. Após o hino os Livros costumam trazer também uma versão da oração à Santa Face atribuída ao Papa Inocêncio III (†1216), que indicamos adiante.

A seguir, portanto, reproduzimos o texto original do hino, seguido de uma tradução bastante livre. Com efeito, uma vez que em latim os versos de cada estrofe rimam entre si, são necessárias algumas “licenças poéticas”.

O texto enfatiza, além disso, a conservação miraculosa da relíquia, como uma espécie de “artifício” para atrair peregrinos às igrejas que conservavam cópias do célebre “véu”.

Hino: Salve, Sancta Fácies

Salve, Sancta Fácies nostri Redemptóris,
In qua nitet spécies divíni splendóris,
Impréssa pannículo nívei candóris
Dátaque Verónicae signum ob amóris.

Salve, decus saéculi, spéculum sanctórum,
Quod vidére cúpiunt spíritus coelórum,
Nos ab omni mácula purga vitiórum,
Atque nos consórtio junge beatórum.

Salve, Vultus Dómini, imágo beáta,
Ex aeterno múnere mirae decoráta,
Lumen funde córdibus ex vi tibi data
Et a nostris sénsibus tolle colligáta.

Salve, robur fídei nostrae christiánae,
Destrúens haeréticos, qui sunt mentis vane,
Horum auge méritum qui te credunt sane
Íllius effígiem qui Rex fit ex pane.

Salve, nostrum gáudium in hac vita dura
Lábili et frágili cito peritúra;
O felix figúra, ad vidéndam Fáciem
Quae est Christi pura nos deduc ad própria.

Salve, gemma nóbilis, vera margaríta,
Coélicis virtútibus, perfécte muníta,
Non depícta mánibus, sculpa vel pólita:
Hoc scit Summus Póntifex, qui te fecit ita.

Ille color coélicus qui in te splendéscit,
In eódem permánet statu, nec decréscit;
Diutúrno témpore mínime palléscit,
Fecit te Rex glóriae, fallére qui nescit.

Nésciens putrédinem, servans incorrúptum
Quod est a christícolo coram te dedúctum,
Tu vertis in gáudium, gemítum et luctum,
Confer salubérrimum te vidéndi fructum.

Esto nobis, quaésumus, scutum et juvámen,
Dulce refrigérium atque consolámen,
Ut nobis non nóceat hostíle gravámen,
Sed fruámur réquie in coeli tecum. Amen [1].

Oremus
Deus, qui nobis signatis lumine vultus tui imaginem tuam relinquere voluisti: per passionem et crucem tuam tribue nobis, quaesumus; ut sicut nunc in terris per speculum et in aenigmate ipsam veneramur, ita facie ad faciem venientem judicem te securi videamus. Qui vivis et regnas in saecula saeculorum. Amen.

Cristo em majestade (note-se abaixo o véu da Verônica)
(Livro de Horas do início do séc. XVI, fol. 13v)
Na página seguinte (fol 14r) começa o hino Salve, Sancta Facies

Hino: Salve, Santa Face

Salve, Santa Face de nosso Redentor,
Cuja beleza brilha com divino esplendor,
Impressa em um véu de níveo candor
E dado a Verônica como sinal de amor.

Salve, honra dos séculos, espelho dos santos,
A qual desejam ver os espíritos celestes,
Purifica-nos de toda mancha dos vícios
E associa-nos ao coro dos bem-aventurados.

Salve, Face do Senhor, imagem beata,
Pela eterna graça admiravelmente ornada,
Infunde luz aos corações pela força a ti dada
E dos nossos sentidos retira toda cadeia.

Salve, fortaleza de nossa fé cristã,
Destrói os hereges, que têm a mente vã,
E aumenta os méritos daqueles que creem
Na Imagem d’Aquele que se faz Rei sob o pão.

Salve, nossa alegria nesta vida dura
Frágil e fugaz que tão rápido passa;
Ó feliz figura, para ver a Face
Pura de Cristo conduz-nos à meta.

Salve, gema nobre, verdadeira pérola
De virtudes celestes perfeitamente ornada,
Que nenhuma mão pintou, esculpiu ou poliu:
Foi o Sumo Pontífice que te fez [3].

A cor celeste que em ti resplandece
Permanece no mesmo estado, sem mudar;
Nem o passar do tempo a empalidece,
Fez-te o Rei da glória, que não pode falhar.

Não conheces a corrupção e conservas incorrupto
O que o cristão a ti consagra,
Transformando o pranto e o luto em alegria,
Concedendo ao que te vê um fruto salutar.

Por isso te pedimos, sê nosso escudo e amparo
Doce refrigério e consolação,
Para que não nos cause dano o inimigo hostil,
E que contigo gozemos o descanso no céu. Amém.

Oremos
Ó Deus, que quiseste deixar tua imagem conosco, marcando-nos com a luz da tua face: concede-nos, pela tua Paixão e Cruz, nós te suplicamos: que assim como agora na terra a veneramos através de um espelho e de maneira obscura, possamos com segurança ver-te face a face quando vieres para julgar. Tu que vives e reinas por todos os séculos dos séculos. Amém.

O hino Salve, Sancta Facies (versão breve)
(Manuscrito GKS 1612, fol. 5v)

Notas:

[1] Por exemplo, o Manuscrito GKS 1612, um Livro de Horas do final do século XV, realizado por um autor anônimo entre Bruges (Bélgica) e Rouen (França). Atualmente conserva-se na Biblioteca Real de Copenhague, Dinamarca.

[2] Fonte: Veronica route.

[3] Em algumas versões, ao invés de Sumo Pontífice, Cristo é referido como Sumo Artífice.

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